A utilização de conhecimentos científicos na tomada de decisões na esfera pública é apontada por especialistas como fundamental para o desenvolvimento social e econômico de um país. Além de entidades setoriais que desenvolvem pesquisas para formular pareceres em diversas áreas, cientistas também podem integrar equipes de trabalho nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, participando da formulação, revisão e implementação de leis e políticas públicas.
“Decisões tomadas com base em evidências científicas tendem a ser mais eficientes e assertivas, trazendo benefícios a longo prazo”, afirma Amâncio Jorge de Oliveira, coordenador-executivo da Escola de Diplomacia Científica e da Inovação (InnScid-SP) e professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP). Além de destacar a relevância que a diplomacia científica tem alcançado nos últimos anos, Oliveira identifica dois modelos possíveis de participação de pesquisadores no campo da política: um mais institucionalizado, em que governos mantêm cientistas como parte de suas estruturas de governança e tomada de decisão, e outro mais informal, como a constituição de comissões temporárias de cientistas para um evento específico ou a assessoria voltada para determinada situação emergencial. “O Brasil e os demais países da América Latina têm essa tradição de formar comitês temporários, que, apesar de serem importantes, causam impacto menor do que aqueles que estão inseridos na estrutura da administração”, avalia Oliveira. O modelo de participação científica mais responsiva a eventos ganhou evidência com a pandemia da Covid-19. “Os países da Europa e os Estados Unidos já têm esse staff científico dentro de seus governos há bastante tempo, o que lhes confere rapidez para criar e harmonizar protocolos de conduta”, completa.
A participação de cientistas na elaboração e revisão de políticas públicas pode ser decisiva para a resolução de questões complexas, sob a responsabilidade de governantes das distintas esferas de poder. “Podemos representar a sociedade com o desenho de um triângulo, em que um dos vértices é formado pela população apontando problemas a serem resolvidos, um segundo pelos cientistas, que buscam soluções para esses problemas, e o terceiro pelos políticos, que contribuem com a produção de políticas públicas”, explica Marcos Buckeridge, do Instituto de Biociências da Universidade
de São Paulo (IB-USP) e coordenador do Programa USP Cidades Globais.
1. Orienta, revisa e produz documentos, inclusive ofícios e correspondências
2. Redige pronunciamentos públicos
3. Desenvolve pesquisa de temas associados ao mandato parlamentar
4. Acompanha a produção de outras casas legislativas e publicações relacionadas aos debates do mandato
5. Participa da elaboração de leis
Buckeridge integrou o comitê de organizadores de um workshop de assessoria científica a governos realizado em 2018 pelo Instituto de Estudos Avançados (IEA-USP). O evento reuniu formuladores de políticas públicas, tomadores de decisão, instituições de pesquisa, sociedades científicas e pesquisadores de diversas áreas do conhecimento e serviu como plataforma para a discussão de modelos de assessoria científica, bem como das habilidades necessárias para trabalhar na interface entre ciência e política. “Verificou-se ali a relevância de se estabelecer um olhar mais voltado para o processo de profissionalização de cientistas que atuam em governos”, resume. “Desde 2016, no USP Cidades Globais somos bastante consultados por governos sobre questões ambientais e urbanas, tidas como urgentes para o desenvolvimento das cidades.”
Assessoria parlamentar
Contratado em 2013 pela Câmara Municipal de Campinas para atuar como assessor legislativo, o geógrafo Rogério Bezerra da Silva pôde utilizar o conhecimento adquirido em seu mestrado e doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em temas como inclusão digital, direito à cidade e questões ambientais. “Na pós-graduação, analisei o processo de elaboração da política pública do Polo e Parque de Alta Tecnologia de Campinas e a relação da comunidade de pesquisa com o governo na tomada de decisão sobre a política de ciência e tecnologia”, explica o pesquisador, que desde 2006 integra o Grupo de Análise de Políticas de Inovação (Gapi) do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp.
Se por um lado a experiência de trabalhar como assessor parlamentar contribuiu para aprimorar os conhecimentos obtidos na academia, a vivência como cientista assegurou o repertório para que pudesse agir na elaboração das ações discutidas no mandato. “Durante esses oito anos tive a oportunidade de atuar não apenas como observador, mas de contribuir para a tomada de decisões. A experiência evidenciou, para mim, a relevância da colaboração de cientistas para a construção de propostas na esfera política”, avalia. O envolvimento o levou a criar, em 2015, o Movimento pela Ciência e Tecnologia Pública, com o objetivo de discutir as articulações relacionadas à inovação e ao desenvolvimento científico e tecnológico do país.
A articulação entre ciência e política lança luz ao debate em torno do papel desempenhado pelo conhecimento em momentos cruciais, como o atual, de combate à pandemia. “Situações de crise dessa magnitude constituem-se como prova concreta de que a ciência deve ter posição mais central nas decisões políticas”, afirma Fernando Luiz Abrucio, coordenador da área de educação do Centro de Estudos de Administração Pública e Governo da Fundação Getulio Vargas (FGVceapg). Ao ressaltar a importância de órgãos governamentais como o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o cientista político reforça o papel de organizações como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) que contribuem para indicar caminhos.“A participação de pesquisadores na esfera governamental é importante inclusive para as definições da política científica do país”, afirma.
Doutor em filosofia política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Rodrigo Ponce nunca havia considerado a possibilidade de atuar como assessor parlamentar até ser convidado, em 2018, para fazer parte da equipe de um vereador, em Curitiba. “Para mim foi uma decisão difícil, pois estava há anos me preparando para trabalhar com docência e pesquisa na universidade e a atuação política era um caminho completamente novo”, conta Ponce, que segue assessorando o mesmo parlamentar, agora na Assembleia Legislativa do estado. Apesar de não utilizar diretamente os temas de sua pesquisa acadêmica, Ponce não tem dúvida a respeito da contribuição do conhecimento científico no desempenho da função.
Atuando principalmente na interlocução com os demais parlamentares e suas assessorias, além da revisão e análise de projetos de lei, Ponce coordena a equipe de advogados do gabinete. “Mesmo não sendo da área do direito, minha formação permite que eu colabore com a interpretação das leis a partir de contextos históricos, sociais e econômicos”, afirma. Isso inclui a definição dos caminhos jurídicos a serem adotados em temas essenciais da plataforma do mandato, como meio ambiente, mobilidade urbana, moradia e direitos humanos. “É um trabalho intenso, que requer disposição para acompanhar os assuntos relacionados à política.”
Ainda que considere positiva a vivência como assessor parlamentar, Ponce reforça que nem sempre é possível conseguir a aprovação, na política, de decisões baseadas no conhecimento científico. Como assessor, ele também costuma consultar universidades, pesquisadores e comissões de especialistas em busca de notas e pareceres técnicos sobre diferentes assuntos. Apesar da solidez que grande parte desses dados oferece à tomada de decisões, não é incomum que eles sejam desconsiderados em momentos decisivos. “É preciso lembrar que a política é um espaço de disputa e conflito no qual nem sempre os argumentos são construídos pela lógica”, finaliza.
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