Um novo modelo de pós-graduação vai ser testado a partir de 2025 em um programa-piloto que reúne seis universidades públicas no estado de São Paulo. A ideia é de que os estudantes ingressem em mestrados estruturados de forma bem mais flexível do que o padrão atual. Dependendo da instituição, no primeiro ano do curso os alunos seguirão um currículo de caráter interdisciplinar, com algumas matérias voltadas, por exemplo, ao empreendedorismo e à solução de problemas da sociedade, e serão estimulados a se envolver em atividades de extensão relacionadas a seu tema de pesquisa. Paralelamente, vão elaborar o projeto de pesquisa e procurar um orientador – etapas que, no modelo atual, ocorrem na maioria das vezes antes do ingresso.
Encerrado esse ciclo de 12 meses, os estudantes serão avaliados por uma comissão e terão a oportunidade de seguir diferentes trilhas. A depender do desempenho nas disciplinas e da excelência do projeto de pesquisa apresentado, poderão fazer mais um ano de curso, concluir sua dissertação e receber o título de mestre, como é o padrão, ou então migrar para o doutorado e concluí-lo dali a quatro anos. Uma terceira alternativa, caso o aproveitamento seja considerado insuficiente, é encerrar esse percurso no final do primeiro ano e receber um diploma de especialização.
Esse itinerário acadêmico foi proposto em um protocolo de intenções assinado em novembro por representantes das seis universidades – a de São Paulo (USP), as também estaduais de Campinas (Unicamp) e Paulista (Unesp), e as federais de São Paulo (Unifesp), de São Carlos (UFSCar) e do ABC (UFABC) –, além dos presidentes da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Superior da FAPESP. O modelo vai ser implementado nos próximos cinco anos com foco em um universo restrito de estudantes. Apenas programas de pós-graduação que tenham as duas notas mais altas na escala de avaliação da Capes, 6 e 7, poderão participar do programa-piloto – eles respondem por cerca de 30% dos cursos de mestrado e doutorado das seis universidades. Mas não se espera que todos adotem o novo percurso, já que a adesão ao modelo será voluntária. O formato atual de doutorado direto, em que estudantes de graduação seguem diretamente para o doutorado sem passar pelo mestrado, embora seja pouco utilizado, continua disponível para todos os programas, independentemente da adesão ao novo modelo.
Nessa fase-piloto, a possibilidade de migrar para o doutorado após 12 meses será limitada a um número pré-definido de bolsas de mestrado, concedidas pela Capes, que podem ser convertidas em bolsas de doutorado, financiadas também pela Capes e complementadas pela FAPESP até alcançar os valores oferecidos pela Fundação. Na prática, cada programa de pós-graduação terá direito a uma ou no máximo duas dessas bolsas de doutorado. A Unicamp, por exemplo, receberá 35 bolsas anuais, distribuídas entre 37 programas, aqueles com notas 6 e 7. O impacto, no primeiro momento, será pequeno para uma instituição que formou 747 doutores e 1.113 mestres em 2023.
De acordo com o engenheiro de materiais Luiz Antonio Pessan, diretor de Programas e Bolsas no país da Capes, o objetivo principal é tornar mais envolvente a formação de pós-graduação para atrair mais estudantes e ampliar o número de doutores. “O Brasil tem 10 doutores para cada 100 mil habitantes, enquanto a média dos países industrializados vinculados à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico [OCDE] é três vezes maior”, afirma. Embora o Brasil tenha atingido a meta, estabelecida no último Programa Nacional de Pós-graduação, de titular 25 mil doutores e 60 mil mestres por ano, em tempos recentes o sistema perdeu fôlego: passou a ter menos titulados por conta da pandemia, entre outros fatores, e a atrair menos candidatos em seus processos seletivos, em um sinal de exaustão do modelo, apesar de sinais recentes de uma recuperação lenta (ver Pesquisa FAPESP n° 315). A perda de interesse é atribuída a problemas como a duração longa da formação (doutores brasileiros recebem o título com idade média de 38 anos, ante 31 nos Estados Unidos) e o caráter marcadamente acadêmico dos currículos, pouco atraentes para quem busca uma carreira de pesquisador em empresas, no setor público ou em organizações não governamentais.
A arquitetura do modelo busca enfrentar esses problemas. “Hoje, em média, o doutoramento se dá com 38 anos e esse aumento de tempo não resultou em aumento de qualidade. Essa é uma realidade que temos de mudar, simplificando os processos, reduzindo a burocracia e as exigências desnecessárias para a formação de bons pesquisadores”, disse o presidente do Conselho Superior da FAPESP, Marco Antonio Zago, no lançamento do programa. Para o sociólogo Simon Schwartzman, do Instituto de Estudos de Política Econômica, no Rio de Janeiro, a proposta pode ser um passo para corrigir o que ele considera uma anomalia da educação superior brasileira. “No Brasil, o doutorado direto ainda é pouco frequente e prevaleceu a ideia de que o mestrado é um antecedente necessário para o doutorado. Isso é uma aberração brasileira, até porque os mestrados cada vez mais são procurados por quem quer melhorar sua qualificação profissional no mercado de trabalho e não tem interesse em fazer doutorado. O doutorado é para quem vai trabalhar com pesquisa e precisa de uma formação mais aprofundada, mas ela fica longa demais com a etapa do mestrado no meio”, afirma.
O hematologista Rodrigo Calado, pró-reitor de Pós-graduação da USP, conta que acelerar a geração de doutores no país é desejável por vários motivos. “Para a sociedade e para a economia brasileira, é importante contar com pesquisadores de alto nível o mais rapidamente possível, seja para trabalhar na universidade, no setor público ou no privado. E iniciar a carreira mais cedo também faz com que o recurso investido na educação dê retorno logo”, diz. A formação mais curta também permite que o jovem doutor ingresse no mundo do trabalho, comece a construir uma carreira e possa sustentar sua família a partir dos 30 anos, superando incertezas e a dependência de bolsas. Segundo o pró-reitor, a USP titula seus doutores com uma média de idade de 37 anos, um ano a menos do que o patamar brasileiro. “Se conseguirmos reduzir para 34 anos, seria um passo grande, mas o ideal seria diminuir para 31 anos, como nos Estados Unidos. O pico de produção científica das pessoas acontece por volta dos 30 anos de idade”, diz. “O processo hoje é muito desestimulante. Imagine escolher uma profissão sabendo que só vai estar empregado por volta dos 40 anos.” Dos 262 programas de pós-graduação da USP, cerca de 50 têm nota 6 e 7 e estão aptos a testar o modelo.
Na Unifesp, os 13 programas que poderão aderir ao novo modelo são da área da saúde, vinculados à Escola Paulista de Medicina e à Escola Paulista de Enfermagem. Para o pró-reitor de Pós-graduação e Pesquisa da instituição, o arquiteto e urbanista Fernando Atique, o impacto da nova modalidade promete ser sensível. “A formação na área médica é muito longa. Além da graduação, há a residência. Os médicos demoram a fazer mestrado e muitos deixam para fazer o doutorado mais tarde, quando já estão estabelecidos na carreira. Caso completem a pós-graduação aos 30 anos, será um grande ganho”, afirma. Atique conta que boa parte dos doutores formados na Unifesp é de outros estados. “Doutores mais jovens e com bagagem mais dinâmica poderão passar em concursos e qualificar suas instituições, além de trabalhar em grandes centros clínicos e indústrias farmacêuticas.”
Já na UFSCar, oito programas poderão aderir, sendo quatro em humanidades, três em ciências exatas e um na área da saúde. “Os programas vão decidir se querem ou não participar do novo modelo. Já temos experiência com doutorado direto em engenharias e algumas áreas da saúde, mas não nas humanidades, em que a maturação da pesquisa e da formação de doutores é mais lenta”, afirma o sociólogo Rodrigo Constante Martins, pró-reitor de Pós-graduação da universidade. Pelo número de bolsas disponíveis para a universidade – sete por ano –, Constante calcula que a universidade terá entre 28 estudantes de doutorado contemplados nos quatro anos de convênio, por enquanto uma fração dos cerca de 350 doutores titulados a cada ano. “Esperamos que a experiência dê certo e, com o tempo, o financiamento se amplie para que possamos ter mais estudantes beneficiados do que teremos nessa fase-piloto.”
Na avaliação da cientista política e pró-reitora de Pós-graduação da Unicamp, Rachel Meneguello, os mestrandos é que sentirão o maior impacto. “Estamos propondo que os ingressantes tenham uma grade curricular mais interdisciplinar, que construam seu projeto de pesquisa e façam estágios extramuros. A ideia não é fazer mestrados profissionais, mas dinamizar a formação para aproximá-la do mundo do trabalho”, afirma. Segundo ela, a aceleração do treinamento de doutores terá resultados só no longo prazo, mesmo porque, como observa, ampliar a quantidade de alunos que fazem o doutorado direto nunca foi algo simples. “Tem que ser um aluno muito bem-preparado para fazer jus a uma oportunidade como essa”, diz. “Certas áreas, como odontologia, computação e algumas engenharias, estão mais interessadas no novo formato, porque já têm mestrados de caráter mais aplicado, mas outras estão avaliando o modelo.”
Em 2022, a Unesp já havia feito um movimento para aperfeiçoar os currículos de pós-graduação, de modo a garantir uma formação abrangente. “Nosso portfólio de disciplinas passou a incluir aulas de ética, empreendedorismo, conhecimento sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, algumas delas feitas de modo híbrido para permitir a participação de estudantes da Unesp em diferentes cidades”, afirma a química Maria Valnice Boldrin, pró-reitora de Pós-graduação da universidade. “Mas esse programa vai além ao criar uma trilha que inclui atividades extramuros. Além de diminuir o tempo de formação dos doutores, ele aperfeiçoa a dos mestres.”
Em meados de 2024, as três universidades estaduais paulistas promoveram uma discussão para propor mudanças conjuntas no formato da pós-graduação de modo a ampliar o interesse dos estudantes (ver Pesquisa FAPESP nº 340). “Logo percebemos que não daria para mudar sem ter o apoio da Capes e da FAPESP. Contar com a Fundação foi fundamental, porque reafirma a vocação da pós-graduação como o lugar de fazer pesquisa”, diz Boldrin.
Pessan, da Capes, afirma que representantes de outros estados estão procurando a agência federal para conversar sobre o modelo – a intenção é implementá-lo com apoio das fundações estaduais de amparo à pesquisa. “O importante é que a gente estimule os programas a se aperfeiçoarem. O sistema de pós-graduação não pode ficar estagnado”, afirma. Ele diz que a Capes está atenta a eventuais mudanças em indicadores dos programas de pós-graduação motivadas pelo novo modelo de forma a não permitir que eles as prejudiquem na avaliação quadrienal.
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