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Resenhas

Aventura por duas culturas

Borges e a mecânica quântica | Alberto Rojo, Márcia Aguiar Coelho (trad.) | Editora Unicamp, 144 páginas, R$ 30,00

Borges e a mecânica quântica traz aos seus leitores um belo guia para a ciência como atividade humana. Ao falarmos de cultura científica, fomos acostumados a lembrar das grandes realizações da ciência, que muitas vezes não sabemos apreciar como apreciamos, por exemplo, um bom samba de Noel Rosa. Por que parece ser tão diferente assim com a ciência, quando comparada com a música?

Essa dificuldade desemboca na ideia de “As duas culturas”, ensaio do físico e escritor Charles Percy Snow (1905-1980). O ensaio apresenta a perturbadora tese de que a quebra de comunicação entre as duas culturas da modernidade – as ciências e as humanidades – levaria a obstáculos imensos na solução dos grandes problemas do mundo. Eis que surge Alberto Rojo, físico com contribuições para a física da matéria condensada e músico e compositor. Com seu repertório, Alberto sela as pazes entre as duas culturas, trocando a termodinâmica pela mecânica quântica, na maior parte dos exemplos, e Charles Dickens por Jorge Luis Borges.

Logo no início veem-se as possibilidades de diá­­logo entre física e literatura com a revelação do conto O jardim dos caminhos que se bifurcam como antecipação de solução de um problema de física, estabelecendo que a “ficção pode ser lida como ciência”. A possibilidade de que literatura e ciência estejam emaranhadas, com a ciência imitando a arte em alguns casos, é fascinante. Emaranhar, aliás, é o conceito-chave do que se chama teletransporte, assunto no qual a mecânica quântica não imita a ficção científica. O capítulo sobre isso é talvez o melhor texto de divulgação sobre o assunto no qual já deitei os olhos.

A matemática na natureza, o funcionamento do GPS e outras peças compõem um mosaico da ciência como atividade humana, estabelecendo uma bem-vinda ponte intercultural. Alberto Rojo finaliza pelo início, descrevendo como as coincidências na aventura da descoberta da natureza física da luz não deixam nada a dever a um conto de Borges.

Peter Schulz é professor do Instituto de Física da Unicamp.

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