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PECUÁRIA

Bois criados pelo computador

Programa simplifica o acompanhamento da produtividade do rebanho

Antes limitados à prevenção e ao tratamento de doenças em animais, os veterinários estão ganhando mais espaços e responsabilidades, como resultado das necessidades específicas de seus clientes, os criadores. No mundo todo, adquirem uma participação crescente no acompanhamento e no planejamento das técnicas de criação, sobretudo de bovinos leiteiros e de corte. Os novos tempos exigem decisões rápidas, apoiadas em informações precisas da saúde e da produtividade dos rebanhos. No entanto, as fichas zootécnicas, tradicionalmente utilizadas para compilar manualmente essas informações, embora eficientes para controlar um número reduzido de animais, são de valor limitado para acompanhar e avaliar o desempenho de rebanhos relativamente grandes, maiores que 100 animais.

Por padecer desse problema, um pesquisador do Instituto de Zootecnia de Nova Odessa resolveu se valer da informática para agilizar esse processo. Especialista em reprodução animal, o veterinário Rafael Herrera Alvarez, que trabalha com pesquisas em inseminação artificial, transferência de embriões e outras técnicas de reprodução, precisava de diagnósticos precisos e instantâneos para fazer o manejo adequado dos rebanhos bovinos envolvidos nas suas pesquisas – algo bastante difícil com as fichas de papel. Três anos depois de apresentar à FAPESP o projeto de pesquisa Desenvolvimento de um Sistema Computacional para o Controle Zootécnico e Reprodutivo de Bovinos , para o qual recebeu um financiamento de R$ 11,2 mil, Alvarez está concluindo um programa de computador que permite a veterinários, pesquisadores e pecuaristas um gerenciamento mais eficiente da produção, da saúde e da reprodução de rebanhos bovinos.

Como quase tudo em Ciência, o Sistema de Gerenciamento de Rebanhos, SGR, é uma obra coletiva. Foi desenvolvido em parceria com Carlos Renato Vilela, técnico em informática e diretor da empresa Prisma Informática, de Nova Odessa. Alvarez, um mexicano que mora e trabalha no Brasil desde 1985, contou também com a colaboração de outro especialista em estatística e computação, Antônio Álvaro Duarte de Oliveira, também pesquisador do Instituto de Zootecnia. Já na etapa de ajustes finais, o software deve ser oferecido às instituições públicas de pesquisa no Estado de São Paulo a partir de meados do ano 2000, segundo o coordenador do projeto.

Embora possa atender ao ensino, à pesquisa e à extensão rural, o SGR tomou forma sob a inspiração das necessidades do veterinário, o profissional mais capacitado para exercer a função de guardião da saúde integral do rebanho e conselheiro dos pecuaristas na tomada de decisões a respeito do manejo dos animais. No caso brasileiro, lembra Alvarez, o veterinário é fundamental para os pecuaristas que encaram a exploração animal como um negócio que depende da rentabilidade econômica. Esses pecuaristas, que detêm aproximadamente 10% dos rebanhos no Brasil, atualmente respondem por cerca de 40% da produção nacional de carne e leite.

Autonomia
O Catálogo de software Rural, distribuído pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) lista uma dezena de programas para o setor leiteiro e de corte, mas nenhum, na avaliação de Alvarez, cobria satisfatoriamente as necessidades do veterinário, particularmente na área de reprodução. Há, segundo ele, bons sistemas de controle zootécnico centralizados pelas associações, que enviam relatórios mensais aos produtores de leite. Alvarez examinou também os sistemas de informática para controle de bovinos em uso desde os anos 70 nos Estados Unidos, Canadá, Austrália, Grã-Bretanha, Holanda, França e Bélgica até chegar ao modelo teórico que levou ao SGR.

Quando instalados na própria fazenda, os sistemas de computação podem permitir o acesso imediato aos registros, a adequação às necessidades de rebanho e a independência em relação a um computador central. E o veterinário pode atualizar os dados a cada visita: basta colocar o disquete do computador da fazenda no do veterinário. Ficará mais fácil, enfim, analisar o comportamento do rebanho. Segundo Alvarez, no caso de um rebanho de porte médio, de até 200 vacas, com parições durante todo o ano, uma visita mensal é o suficiente para o veterinário realizar o exame do rebanho e discutir com o produtor mudanças na rotina de manejo para alcançar os objetivos previamente estabelecidos.

“Desenvolvemos um programa que registra, processa e recupera informações sobre as atividades zootécnicas envolvidas na criação de bovinos e fornece relatórios que permitem avaliar, a qualquer momento, o desempenho produtivo, reprodutivo, incluindo transferência de embriões, e sanitário do rebanho”, diz o pesquisador. Segundo ele, o software pode elaborar também um banco de dados das atividades de transferência de embriões para análise dos fatores que influenciam os resultados de produção de embriões e índices de prenhez.

A estrutura
Segundo seu criador, o SGR controla a maioria dos eventos referentes à rotina de manejo dos rebanhos de gado de corte e de leite. O banco de dados contém informações detalhadas sobre o desempenho reprodutivo, a identificação de novilhas em idade de reprodução mas que ainda não estão no cio, de vacas em diferentes fases de reposição que estão em lactação e ainda não entraram num novo ciclo para serem cobertas.

O sistema considera os critérios zootécnicos básicos, organizados na forma de menus. Um deles, o cadastro, apresenta a identificação de cada animal, com seu nome, um código, o registro da associação de criadores, data de nascimento, raça, origem e identificação completa dos pais e dos avós. Outro, o eventos, leva em conta os eventos reprodutivos, sanitários e de manejo. Inclui a profilaxia, manejo, indução de cios, cios, serviços, diagnóstico de prenhez, transferência de embriões, secagem, parição, exames reprodutivos e clínicos, aborto, descartes de animais e controles produtivos.

Mais adiante, o menu produção registra a produção individual ou do rebanho e o ações cataloga as atividades diárias do animal ou do rebanho, como as observações de cio, parições, exames reprodutivos e clínicos, inseminações, profilaxia, tratamentos veterinários e manejo. Além disso, no inventário, o programa permite o controle do estoque de embriões, de sêmen e de medicamentos e a verificação global dos índices reprodutivos, produtivos e de transferência de embriões. Acompanhado de um manual de orientação do usuário, o programa pode emitir relatórios com informações provenientes de qualquer um desses menus.

Cada usuário pode armazenar as informações de acordo com o critério ou padrão que achar melhor. No Centro de Genética e Reprodução do Instituto de Zootecnia, o padrão utilizado para acompanhar o rebanho experimental de cerca de 500 animais determina, por exemplo, que as vacas devem entrar no cio 40 dias após o primeiro parto – as que ultrapassarem esse período serão identificadas pelo computador. Nos padrões estabelecidos para os bezerros, o programa estabelece que o desmame deve ocorrer aos 210 dias, as bezerras devem apresentar cio aos 14 meses e devem estar aptas para a reprodução (monta natural, inseminação ou transferência de embriões) aos 15 meses, quando devem ter um peso mínimo de 340 quilos, dependendo da raça.

A reprodução
Alvarez conta que, com a mesma precisão, pode ser acompanhada a superovulação das vacas. O programa define o tipo de hormônio que será utilizado, quantidade de doses que serão aplicadas e o intervalo entre horas e entre as doses. Pode também determinar os melhores momentos e condições para a transferência, congelamento e descongelamento de embriões. O SGR avalia o desempenho dos inseminadores, cadastrados com nome e código, da mesma forma que controla a eficiência do sêmen de cada touro, o valor da dose, a quantidade disponível, o número de doses utilizadas na inseminação. Com essas informações, pode elaborar um histórico da fêmea inseminada. O controle de coleta de embriões funciona de modo semelhante: o sistema registra o código e o nome da doadora, a data da coleta, o operador, as dificuldades e soluções encontradas, os meios de coletas e a qualidade e o total de embriões.

Num plano secundário, em uma subpasta, o SGR apresenta os dados de reprodução, com número de parição, histórico de produção de leite, desempenho ponderal (peso, altura e ganho de peso), histórico reprodutivo, profilaxia de vacinas e medicamentos utilizados. Permite também selecionar os animais por grupo – vacas adultas, novilhas, bezerros e bezerras, touros e garrotes, por exemplo. A produção de leite é controlada a partir do código e do nome do animal, com o registro da data, o número e a quantidade de leite de cada ordenha, incluindo a percentagem de proteína e de gorduras no leite.

O sistema emite uma planilha com os dados de cada acontecimento e os procedimentos adotados, na qual são anotadas as informações e reintroduzidas no sistema, que elabora um gráfico com a evolução reprodutiva, produtiva e sanitária do rebanho durante o ano, mês a mês. “O SGR faz uma avaliação global da criação, da eficiência dos procedimentos adotados e identifica os animais-problema”, resume Alvarez. Conhecedor da realidade, ele sabe que o veterinário trabalha normalmente com vários rebanhos.

Se todos os animais estiverem cadastrados no computador, ele imagina, será possível fazer comparações entre os plantéis e analisar o desempenho global e individual, com a finalidade de alertar os produtores sobre novos procedimentos a serem tomados. Contudo, o computador é apenas uma ferramenta para agilizar a análise de dados. “Se for deficiente a coleta de informações que alimenta o sistema, os problemas na criação persistirão e não serão resolvidos mesmo se o controle for informatizado”, diz o pesquisador, empenhado em incorporar novas variáveis propostas pelos primeiros usuários, ainda no Instituto de Zootecnia. Seu plano é, num prazo de um a dois anos, poder oferecer o programa aos veterinários e pecuaristas interessados em cuidar dos rebanhos por computador.

Perfil :
Rafael Herrera Alvarez, 42 anos, formou-se em Medicina Veterinária e Zootecnia na Universidade de Durango, no México, onde nasceu. Fez o mestrado na Escola Nacional Veterinária de Alfort, na França, e o doutorado na Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Jaboticabal. É pesquisador científico do Centro de Genética e Reprodução Animal do Instituto de Zootecnia de Nova Odessa e professor do curso de pós-graduação de Medicina Veterinária da Unesp de Jaboticabal.

Projeto :Desenvolvimento de um Sistema Computacional para o Controle Zootécnico e Reprodutivo de Bovinos
Investimento : R$ 11.245

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