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Engenharia Civil

Borracha na mureta

Barreiras produzidas com pedaços de pneus reduzem impactos nos acidentes de trânsito

Reconhecidos como causadores de um problema ambiental, os pneus velhos, que costumam ser jogados em rios ou descartados irregularmente em lixões a céu aberto, agora têm uma destinação nobre: a construção de barreiras rodoviárias. Essas muretas, normalmente erguidas no centro ou nas laterais das pistas, continuarão a ser feitas de concreto, mas parte das pequenas pedras, chamadas de brita, usadas na sua composição, será substituída por borracha triturada proveniente de pneus que não têm mais utilidade. Dois trechos dessas barreiras encontram-se em fase de testes, um no quilômetro 27,3 da rodovia Raposo Tavares, sentido interior, que liga a capital paulista à região oeste do Estado de São Paulo, e outro na marginal do rio Tietê, próximo da ponte Júlio de Mesquita Neto, na cidade de São Paulo.

“A principal vantagem da nova barreira rodoviária é a capacidade de absorver o impacto dos veículos desgovernados”, diz o engenheiro Paulo Bina, vice-presidente do Instituto Via Viva e diretor da Monobeton Soluções Tecnológicas, organizações responsáveis por esse desenvolvimento. A empresa é especializada em novas tecnologias no ramo da construção civil e a Via Viva é uma entidade sem fins lucrativos instalada em São Paulo, criada a partir da parceria entre a Monobeton e a Associação para Valorização e Promoção de Excepcionais (Avape), com sede na cidade de Santo André, na Região Metropolitana de São Paulo.

Testes estáticos
“Com a adição de borracha em sua estrutura, a barreira deixa de ser um bloco rígido para ser uma estrutura semideformável. O grau de deformabilidade irá variar de acordo com a quantidade e o tamanho dos pedaços de borracha usados na preparação do concreto”, explica Bina. Segundo o engenheiro, o porcentual exato de absorção de energia das novas barreiras ainda não é conhecido porque não foram feitos testes dinâmicos (também chamados de crash tests, em que um carro, por controle remoto, é levado a bater numa estrutura rígida), que estão previstos para os próximos meses. Até o momento, foram realizados testes estáticos que verificam propriedades mecânicas como resistência à compressão, à tração e à deformação. Para realizar esses testes, a empresa contou com a colaboração da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Sob a coordenação da professora Ana Elisabete Paganelli, os pesquisadores usaram prensas hidráulicas em que um pistão exerce uma força variável sobre o concreto. Os ensaios mostraram que as barreiras absorvem e dissipam a energia do impacto, reduzindo a velocidade do veículo após a colisão. “Ao reduzir a desaceleração dos carros, diminui também a probabilidade de traumas em seus ocupantes”, afirma Paulo Bina.Os resultados dos testes realizados na Unicamp também foram analisados pelo engenheiro Fernando Rebouças Stucchi, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP).

O relatório técnico elaborado por ele está sendo examinado pelo Departamento de Estradas de Rodagem (DER) de São Paulo, órgão que fornece os parâmetros para a construção de barreiras rodoviárias no estado. “O DER, um dos nossos parceiros no projeto, prevê que nos próximos três anos haverá uma demanda de 900 quilômetros do próprio DER, além de 2.300 quilômetros de barreiras nas rodovias paulistas operadas por concessionárias”, conta Bina. Caso elas sejam construídas com o concreto com borracha, serão utilizados 32 milhões de pneus usados, também chamados de inservíveis porque não servem mais para recauchutagem.

Destino legal
Em cinco anos, a Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos (Anip) recolheu 70 milhões de pneus usados, atendendo à resolução 258 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), de 26 de agosto de 1999, que indica, para 2005, o recolhimento de cinco pneus para cada quatro fabricados ou importados. Assim, o uso de pneus picados na construção das barreiras se encaixa perfeitamente na destinação final dos resíduos que é de responsabilidade legal dos fabricantes. Por isso, a Anip está envolvida no desenvolvimento do sistema de barreiras de concreto com borracha, sendo responsável pela contratação de empresas que fazem a trituração dos pneus. Atualmente os usados são, em grande parte, destinados à queima em caldeiras.

“Além das vertentes técnica e ecológica, o projeto tem um cunho social relevante”, explica Jorge Gonçalves dos Santos, coordenador do Instituto Via Viva. “O recolhimento dos pneus inservíveis será feito em estações de coleta, batizadas de Ecopontos Via Viva, gerenciadas pelo instituto e operadas por portadores de deficiência mental, pessoas cuja empregabilidade é altamente limitada, e seus familiares”, diz ele. Sob coordenação de técnicos da Avape, as pessoas com deficiência farão o recebimento, a lavagem, o armazenamento e o envio dos pneus aos locais de trituração.

O projeto prevê a instalação de 60 Ecopontos no estado, situados em locais de fácil acesso e boa visibilidade. O primeiro deles deverá ser construído na região do ABC. Cada Ecoponto empregará 12 pessoas com deficiência e terá custo de R$ 30 mil por mês. Como a borracha picada será, num primeiro momento, entregue sem custo às empresas de concretagem, os recursos para financiar os Ecopontos serão obtidos por meio de patrocinadores, como fabricantes de pneus, montadoras de automóveis, fornecedores de insumos para pneus, concessionárias, transportadoras, concreteiras e seguradoras.

Forte ligação
O processo de produção do concreto com borracha, batizado de Concreto DI (de deformável e isolante), é similar ao convencional. O porcentual de pneu usado picado é variável e depende das características de desempenho desejadas do concreto e das dimensões do agregado de borracha que, no caso, deve ter até 2,5 centímetros de comprimento. Nas duas barreiras já construídas um quarto do volume de concreto, o equivalente à metade do agregado graúdo, é de borracha. Outra inovação no processo de fabricação do concreto DI é a adição de fibra de vidro, que serve para evitar a segregação da borracha, misturada homogeneamente.

A fibra de vidro funciona como uma trama ou ninho de passarinho, fazendo a ligação entre a borracha e o concreto. Segundo os responsáveis pela Via Viva, o concreto DI levou quatro anos para ser desenvolvido e seu custo é comparável ao do convencional. Oproduto bem como a barreira feita a partir dele já foram patenteados no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI). Em breve, será depositado um pedido de patente nos Estados Unidos.Além da fabricação de barreiras rodoviárias, o concreto DI poderá ser usado para construção de contrapiso de apartamentos e pavimentação rodoviária ou urbana. A vantagem, nesse caso, é a redução de ruídos no pavimento inferior, porque a borracha funciona como isolante acústico. Seu uso em pavimentação também traz benefícios, uma vez que o concreto DI tem grande resistência à tração – ou seja, quando submetido a um esforço – como o peso dos carros, por exemplo, suportando uma maior deformação sem se romper.

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