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Biodiversidade

Brasil pode perder protagonismo nas ações da IPBES nos próximos anos

Coordenador do BIOTA-FAPESP alerta para o risco de o país ficar sem representante nas principais instâncias da entidade e atribui o fato à ausência de diplomatas do Itamaraty na 6a Reunião Plenária da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos

F. Villegas / IPBESAgência FAPESP 

O Brasil tem contribuído ativamente para as atividades da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) desde sua criação, em 2012. Mas o país corre o risco de perder, nos próximos anos, o protagonismo alcançado, pois vai ficar sem representantes nas principais instâncias da entidade: o Painel Multidisciplinar de Especialistas (MEP) e o Bureau, uma espécie de diretoria executiva.

Carlos Alfredo Joly, pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador do Programa BIOTA-FAPESP, tem participado do MEP desde a sua criação – chegando a coordenar o painel nos seus primeiros anos de existência ao lado do australiano Mark Londsdeale, da Organização de Pesquisa Científica e Industrial da Commonwealth (CSIRO). Porém, seu segundo mandato chegou ao fim neste domingo (25/3) e nenhum brasileiro foi indicado para substituí-lo ou para integrar o Bureau.

Em entrevista à Agência FAPESP, Joly atribuiu o fato à ausência de representantes do Ministério das Relações Exteriores (MRE-Itamaraty) na 6a Reunião Plenária da IPBES, evento que teve início no dia 17 de março em Medellín, na Colômbia.

“Nossos diplomatas têm uma fantástica capacidade de negociação e compreensão dos acordos entre os países da América Latina e do Caribe. Em Medellín, esse treinamento em negociações fez muita falta. Foi um desastre a ausência do Itamaraty na reunião regional que ocorreu no dia 17 de março”, disse.

Na ocasião, acrescentou o pesquisador, México e Colômbia capitanearam a decisão em relação aos cinco representantes da região no MEP (para os próximos três anos) e também no Bureau (para os próximos quatro anos, o que supostamente poderia ter sido decidido em 2019, com todos os países presentes).

“A decisão foi tomada de forma pouco transparente e aproveitando a ausência de representantes brasileiros, chilenos e peruanos. Soube que o Itamaraty está tentando reverter a situação em relação ao Bureau, exigindo que o assunto volte à agenda na 7ª Plenária da IPBES, em março de 2019, na França”, afirmou.

Na avaliação de Joly, a situação atual contrasta fortemente com a significativa participação da comunidade científica brasileira na elaboração do recém-divulgado Diagnóstico Regional sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos nas Américas, um dos quatro relatórios regionais aprovados durante a 6a Reunião Plenária da IPBES.

O documento contou ao todo com a participação de 25 brasileiros, entre eles Cristiana Simão Seixas, pesquisadora da Unicamp que coordenou o relatório americano ao lado do canadense Jake Rice e da argentina Maria Elena Zaccagnini.

Cinco dos brasileiros envolvidos na produção do documento são membros do Programa BIOTA e um deles integra o Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais. Todos são também membros da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES), da qual Joly é coordenador.

A falta de brasileiros no MEP e no Bureau, acrescentou Joly, contrasta também com o fato de o país ser o único com pesquisadores nas três forças-tarefa conduzidas no âmbito da IPBES: Capacity Building (Capacitação de Profissionais e Instituições), Indigenous and Local Knowledge (Conhecimento Indígena e Local) e Data, Knowledge and Information (Dados, Conhecimento e Informação).

Em 2014, Joly coordenou as ações de Capacity Building da Plataforma e, como membro do MEP, ajudou a criar as diretrizes que orientam todos os demais documentos produzidos pela IPBES.

Além disso, pesquisadores brasileiros participaram de todos os diagnósticos propostos no primeiro Programa de Trabalho da IPBES – para serem realizados entre os anos de 2015 e 2019. Além dos quatro Diagnósticos Regionais sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, já foram concluídos relatórios sobre Polinização e Produção de Alimentos (com Vera Imperatriz Fonseca, pesquisadora do BIOTA e membro da BPBES, como um dos coordenadores), Modelagem e Cenários em Biodiversidade e Degradação e Restauração da Biodiversidade. Há ainda um diagnóstico global sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos a ser lançado em março de 2019.

“O aprendizado dos pesquisadores brasileiros que participaram deste primeiro Programa de Trabalho foi tão significativo que nos organizamos para criar a BPBES nos mesmos moldes da Plataforma internacional. Atualmente, estamos produzindo o primeiro Diagnóstico Brasileiro de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos”, disse Joly.

Para Seixas, o protagonismo do Brasil na IPBES é evidente desde a criação da Plataforma. “A indicação de Joly para a coordenação do MEP revela a liderança da ciência brasileira na área de biodiversidade. Joly era um dos nomes considerados para integrar o Bureau nos próximos anos e, sem dúvida, faria um excelente trabalho, pois conhece cada processo, documento e estratégia desenvolvida pela IPBES. Sempre foi ativo para a criação e condução da entidade nesses últimos seis anos. Infelizmente, porém, o Itamaraty não pôde estar presente na reunião”, disse Seixas.

IPBES planeja três novos diagnósticos temáticos
Em entrevista à Agência FAPESP, o presidente da IPBES, Robert Watson, revelou que foi aprovada durante a 6a Reunião Plenária a realização de três novos diagnósticos temáticos: um sobre “Uso Sustentável de Espécies Selvagens”, outro sobre “Espécies Invasoras” e um terceiro sobre “Conceituação Diversificada de Valores”. Este último, talvez o mais ambicioso dos três, tem como meta atribuir valores à biodiversidade, ou seja, calcular o quanto a natureza vale em termos de produção de comida, de água, promoção de saúde e bem-estar e muitos outros benefícios materiais e imateriais para a vida humana.

“Definitivamente, vamos precisar de bons especialistas do Brasil para a elaboração principalmente dos relatórios sobre espécies selvagens e o de conceituação de valores. Precisamos de boas nomeações e, para isso, é fundamental o engajamento das organizações científicas e do governo brasileiro. E isso inclui não apenas os ministérios que cuidam de Relações Exteriores e do Meio Ambiente, mas também o de Energia, Agricultura, Desenvolvimento. Trata-se de um país importante por ser um grande produtor de alimentos e de biocombustíveis”, disse Watson.

Como explicou Joly, não bastam o interesse e a capacidade da comunidade científica brasileira para que brasileiros sejam selecionados.

“Com a presença de um representante do país no MEP ou no Bureau é possível estimular pesquisadores brasileiros a se candidatarem, sugerindo nomes diretamente à IPBES, articulando com a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e com a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) para a indicação de bons nomes e trabalhando em colaboração com o Itamaraty, que é quem faz as indicações oficiais. Também é possível defender nomes brasileiros para coordenar a elaboração dos relatórios. Sem brasileiros nesses dois órgãos temo que a participação nacional encolha no 2º Programa de Trabalho da IPBES”, disse.

Procurados, representantes do Itamaraty e do Ministério do Meio Ambiente (MMA) não se manifestaram.

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