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ARTES PLÁSTICAS

Caminhos distintos

Tecnologia e intervenção popular resultam em bons projetos nos anos 80 e 90

Cozinha na Vila Rhodia: pintura fora e dentro de casa

MÔNICA NADORCozinha na Vila Rhodia: pintura fora e dentro de casaMÔNICA NADOR

A associação da arte com a tecnologia e a intervenção popular na obra de arte renderam dois excelentes momentos de criação artística nas últimas décadas. Os trabalhos são completamente diferentes na proposta, na forma e no público-alvo. Mas têm, em comum, o desejo de ampliar o próprio conhecimento e de compartilhar descobertas. O primeiro trata-se de um projeto de auxílio à pesquisa visando à união da tecnologia usada em holografia com a poesia e as artes plásticas. Já o segundo estudo previa estimular comunidades carentes a usar desenhos feitos pelos próprios moradores como estampa de paredes. Ambos cumpriram seus objetivos com folga.

Quando Julio Plaza decidiu apresentar um projeto à FAPESP, em 1987, pedindo financiamento para seu grupo trabalhar com holografia, essa tecnologia ainda engatinhava no Brasil. “Podia-se contar nos dedos as exposições realizadas naquela época”, diz o pesquisador. O artista alemão Dieter Jung foi o primeiro a expor hologramas no Brasil, em 1975, no Museu de Arte de São Paulo (Masp). Depois, na década de 80, houve algumas outras poucas exposições na capital paulista: uma internacional, em 1982, no prédio da Bienal; a de Wagner Garcia, em 1983, com trabalhos feitos por ele em Londres; a de Moysés Baumstein, em 1984; a do próprio Julio Plaza, em 1985, e a do poeta carioca Eduardo Kac, também em 1985. Como essa modalidade de arte é muito cara e havia necessidade de se fazer pesquisa para entender e aprender a utilizar os hologramas, Plaza decidiu continuar com uma experiência feita em 1986, chamada Triluz, com um grupo altamente qualificado, para criar e montar a exposição Idehologia. “Para se ter uma idéia do custo, um único holograma no formato 70 por 50 centímetros custava por volta de US$ 1 mil naquela época”, conta o professor espanhol naturalizado brasileiro.

Risco, poema holográfico de Augusto de Campos

JOÃO MUSARisco, poema holográfico de Augusto de CamposJOÃO MUSA

Junto com Plaza estavam os poetas Augusto de Campos e Décio Pignatari (então também professor titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo USP), o hológrafo Moysés Baumstein (pioneiro da técnica de imagens em três dimensões), o artista plástico e arquiteto Wagner Garcia e o próprio Plaza, que, além de docente da Escola de Comunicações e Artes da USP, já tinha um extenso currículo de obras, exposições e publicações no Brasil e no exterior. O objetivo era fazer o casamento de palavras e imagens com luz e criar diferentes formas de expressão. A mostra Triluz, apresentada no Museu da Imagem e do Som (MIS), foi o começo da pesquisa, levada a termo no ano seguinte com Idehologia, explica Plaza.

Embora as implicações na arte tenham ganhado relevância nas últimas duas décadas, a técnica em holografia tem mais de 50 anos. Ela foi desenvolvida em 1947, quando o físico húngaro Dennis Gabor criou uma forma de melhorar a resolução de imagens geradas por microscopia eletrônica. A idéia era registrar uma imagem contendo toda a informação luminosa do objeto observado e reconstruí-la por meios óticos. Para isso, era necessário utilizar ondas luminosas, que na fotografia tradicional é completamente perdida, porque ela só grava a amplitude delas. Mas, se fosse adicionada uma referência luminosa padrão à montagem, haveria um ponto de comparação para se reconstruir a frente de ondas original. Gabor levou a experiência adiante, mas não conseguiu melhorar a microscopia eletrônica. Em compensação fez o primeiro holograma com uma luz filtrada de uma lâmpada de mercúrio. Com o surgimento do laser, nos anos 60, foram resolvidos os problemas iniciais com relação à monocromaticidade e ocorreu um boom de pesquisas na área. Vinte e três anos depois, o físico ganhou o Nobel de Física por suas descobertas.

Arco-íris no Ar Curvo, de Julio Plaza

JOÃO MUSAArco-íris no Ar Curvo, de Julio PlazaJOÃO MUSA

A freqüente comparação da holografia com a fotografia é equivocada – os hologramas têm propriedades físicas completamente diferentes. A única semelhança entre as duas técnicas é que ambas usam a luz para impressionar um material fotos sensível. A fotografia mantém a imagem fixa por qualquer ângulo que se olhe, em duas dimensões. No holograma, a imagem registrada ganha profundidade: é possível ver atrás dos objetos que estão na frente da imagem. Cada ponto do holograma guarda informações gravadas de uma infinidade de pontos de vista de uma imagem, permitindo que o cérebro reconstrua o efeito tridimensional original. A fotografia registra apenas um único ponto de vista da imagem, de forma plana.

A tridimensionalidade, as diferenças de cor e volume, a multiplicidade dos ângulos de visão, o ponto de fuga, a fragmentação da imagem em diversos planos, a dança dos relevos, o obscurecimento e a dissolução das imagens encantaram os artistas que conheceram essas possibilidades de trabalho em artes plásticas. O grupo que montou a mostra Idehologia apresentou 15 trabalhos no Museu de Arte Contemporânea (MAC), em 1987: dois de Wagner Garcia (Céu e mente, Gag), dois de Décio Pignatari (Speacetime, Joystick), três de Moysés Baumsteim (Papamorfose, Máscaras, Voyeur), quatro de Augusto de Campos (Rever 1 e 2, Risco, Poema-bomba), três de Julio Plaza (Arco-íris no Ar Curvo, Cubos, Limite do corpo) e um feito conjuntamente entre Plaza e Campos (Mudaluz).Todos foram “holografados”por Baumsteim, um paulistano autodidata que se tornou um mestre nessa arte. A exposição viajou por Portugal e Espanha e inspirou outros trabalhos dentro da universidade, como a primeira tese de doutorado sobre o tema, de Márcio Minoru, da ECA. Além da arte, a holografia vem ganhando grandes aplicações práticas. Selos holográficos em cartões de crédito, por exemplo, já se tornaram uma indispensável medida de segurança por serem muito difíceis de falsificar. São também úteis em simulações de vôos e treinamento de pessoal em aviação (é possível projetar instrumentos no campo de visão do piloto) e em máquinas leitoras de código de barras. A utilização em arte foi apenas a mais bonita forma de usar essa tecnologia.

Casa de palafita em Beruri: beleza melhora saúde mental

MÔNICA NADORCasa de palafita em Beruri: beleza melhora saúde mentalMÔNICA NADOR

A artista plástica Mônica Nador caminhou no sentido inverso ao de Julio Plaza. No decorrer de sua tese de mestrado, orientada pela professora da ECA e também artista plástica Regina Silveira, Mônica decidiu partir para trabalhos em lugares onde as condições mínimas de sobrevivência são quase um luxo e a alta tecnologia, como holografias, não se conhece nem de ouvir falar. “Apostei na vocação curativa e balsâmica da arte”, diz. A pesquisadora percebeu que poderia trabalhar de forma diferente ao ser convidada para pintar uma parede no Museu de Arte Moderna (MAM), em 1996. “Pedi ajuda de um grafiteiro para aprender a técnica e pintei padronagens islâmicas na parede”, conta.

Mônica considerava o debate sobre arte dentro das instituições um tanto estratosférico, sem muita ligação com a realidade. Ao fazer a pintura no MAM, pensou que aquilo poderia ser feito também por outras pessoas e teria um efeito benéfico. A idéia era continuar a pintar paredes nas ruas, mas não em centros como a Avenida Paulista, onde já havia um excesso de informações. O ideal, acreditava, era fazer o mesmo trabalho em comunidades carentes, excluídas dos circuitos das artes e desprovidas de qualquer equipamento cultural. “Essas pinturas seriam feitas nas paredes públicas possíveis dessas áreas”, explica. Como o projeto acabou não vingando em São Paulo, ela viajou em 1988, já com bolsa da FAPESP, com o programa Comunidade Solidária, do governo federal, que atende aos 1.200 municípios mais pobres do país.

Spacetime/Espaztempo, de Décio Pignatari

JOÃO MUSASpacetime/Espaztempo, de Décio PignatariJOÃO MUSA

A pesquisadora viajou para duas cidades do interior da Bahia e uma no Amazonas. “Eu chego nos lugares, vejo onde posso trabalhar e peço para os moradores desenharem”, explica.No começo, sempre é difícil arrancar o que eles têm de melhor. “Em Beruri (AM), por exemplo, um lugar onde as pessoas mal têm dentes, eles desenhavam coisas como o logotipo da Nike”, diz Mônica. “Aí, intervenho e peço para lembrarem do passado e da cultura local, informações que têm a ver diretamente com eles.”Na verdade, ela os estimula a buscar a sua própria representação simbólica.

Às vezes, ela esbarrava em dificuldades primárias. Em Beruri, não havia paredes de alvenaria, com exceção de alguns poucos órgãos municipais. Logo, a artista resolveu pintar uma casa de palafita. Pediu para uma própria moradora fazer um desenho, que resultou numa casinha. Mônica então gravou o desenho em uma máscara de papel e, com a ajuda de moradores, aplicou-o na fachada de palafita. Também fez trabalhos semelhantes em um acampamento de sem-terra em Itapetininga, no interior de São Paulo, e na Vila rhodia, um lugar carente de São José dos Campos. “Na Vila Rhodia, os moradores da região gostaram tanto do resultado que pintaram as paredes exteriores e interiores da casa”, conta. Mônica diz que seu trabalho não tem nenhuma pretensão de fazer denúncia ou chamar a atenção para os problemas sociais brasileiros. O que ela quer é deixar os lugares mais bonitos, porque acredita que a beleza é indispensável para a saúde mental de todos. “Minha intenção é tornar a dimensão do belo acessível ao maior número de pessoas possível.” A artista terminou sua dissertação em 1999, mas continua com o trabalho. Agora, ela quer patrocínio para fazer a mesma experiência em um favela de São Paulo.

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