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ENTREVISTA

Carlos Henrique de Brito Cruz: “Fazer pesquisa na empresa precisa virar um bom negócio”

O físico e diretor científico da FAPESP por 15 anos aponta caminhos para que investimentos em ciência, tecnologia e inovação do país gerem mais benefícios para a economia e a sociedade

Léo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FAPESPO físico e engenheiro Carlos Henrique de Brito Cruz há quase três décadas contribui com a análise e formulação da política científica e tecnológica brasileira, em funções como a de presidente do Conselho Superior da FAPESP (1996-2002), reitor da Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp (2002-2005), e diretor científico da Fundação por cinco mandatos consecutivos (2005-2020). Ele segue acompanhando os avanços e fragilidades da ciência brasileira, agora a distância. Morando no Reino Unido, desempenha há pouco mais de dois anos o cargo de vice-presidente sênior de redes de pesquisa da Elsevier, líder do mercado de publicações científicas que também se dedica à análise de informações acadêmicas. Uma de suas missões é manter a conexão da Elsevier com agências de fomento e pesquisadores de todas as partes do mundo.

Em meados de dezembro, Brito Cruz voltou à sede da FAPESP, onde fez uma palestra que marcou o encerramento das comemorações dos 60 anos da Fundação, comemorados em 2022. Apresentou sua visão sobre o que é necessário fazer para fortalecer o sistema brasileiro de ciência, tecnologia e inovação, apontando caminhos para que, diante da perspectiva de restauração de recursos, a reconstrução se dê em moldes mais efetivos do que os anteriores à crise de financiamento dos últimos anos. Brito Cruz destacou o papel crucial das atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) realizadas dentro das empresas para converter o investimento em ciência em benefícios econômicos e sociais. Na entrevista a seguir, concedida por Zoom, ele detalha seus argumentos.

Como reconstruir o sistema de ciência e tecnologia em moldes melhores do que os anteriores à crise?
Nesse momento da história brasileira em que o sistema de ciência e tecnologia busca se recuperar dos efeitos da pandemia e do desarranjo institucional causado por dificuldades impostas pelo governo que acaba de terminar, achei que era um momento bom para fazer essa pergunta: como fazer para o sistema ser melhor do que era? Embora o Brasil tenha um sistema de ciência e tecnologia relevante, e do qual a maior parte de nós nos orgulhamos, há muitas coisas que podem ser melhores. O debate no Brasil ficou restrito ao assunto “precisa de mais recursos”. Mas é necessária também uma reorganização, é preciso pensar na estratégia do sistema. Não é algo simples, mas seria uma perda de oportunidade apenas discutir como vamos voltar ao que o sistema era em 2006 ou 2007. Na palestra, procurei destacar pontos de natureza estrutural que, na minha opinião, não estão suficientemente contemplados no debate brasileiro.

Quais são esses pontos?
O mais importante deles tem a ver com a atividade de pesquisa dentro das empresas. Noto que permanece um entendimento equivocado sobre qual deve ser o papel das empresas em um sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação. O que existe na pauta é uma discussão sobre o papel de universidades e institutos de pesquisa, e sobre como eles podem ser melhores. As universidades lutam para melhorar nos rankings internacionais, enquanto os institutos de pesquisa buscam referenciais mundiais. Mas não se vê nem governo, nem universidades, nem institutos de pesquisa, nem empresários tratarem de estratégias para ter mais atividade de pesquisa dentro das empresas. Isso está faltando.

Quais são os principais gargalos?
O primeiro é esse entendimento errado sobre os lugares da pesquisa. A política e a estratégia no Brasil são dominadas por uma ideia de que o lugar de fazer a pesquisa é na universidade e de que a empresa é um lugar de receber conhecimento e fazer produtos com base nesse conhecimento, enquanto o governo é a instância para financiar. Essa visão é simplista demais. Nos lugares do mundo que conseguiram organizar a ciência e a tecnologia para benefício da sociedade, das pessoas e da economia, não é desse jeito que se trabalha. As empresas são um local da pesquisa tão importante quanto as universidades e institutos, em muitos casos mais importantes. Há certos indicadores que ajudam medir a intensidade do compromisso das empresas com atividade de P&D. Eu mostrei na palestra que a quantidade de pesquisadores em empresas no Brasil está entre as menores de todos os países da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico] e também de alguns que não são da OCDE. Há um outro equívoco sério: a ideia de que só é pesquisador quem é doutor.

Quem pode fazer pesquisa nas empresas?
Tem milhares de pesquisadores nas empresas no mundo inteiro que nunca tiraram o doutorado. São engenheiros que trabalham em pesquisa. Não é o título que define o pesquisador, mas a atividade que ele desempenha. Pode-se definir um pesquisador como toda pessoa que estiver trabalhando em uma empresa e tiver como atividade principal conhecer as leis da natureza e usá-las para fazer a empresa ser melhor na semana seguinte do que era na anterior. Outro entendimento errado é a ideia de que as empresas não se dedicam a pesquisas desafiantes ou de risco. Na pesquisa sobre computação quântica, o Google, a Microsoft e a IBM desempenham papéis tão ou mais importantes do que as universidades. Eles estão na frente. Quando trabalhei na AT&T, nos Laboratórios Bell, nos Estados Unidos, em meados da década de 1980, nenhuma universidade sequer estava perto das atividades que eram feitas lá. O debate brasileiro, ao ignorar esses pontos, deixa de contemplá-los na nossa estratégia.

Mas os gargalos não se resumem a falhas de entendimento.
Verdade. No Brasil, por várias razões, as empresas não são suficientemente estimuladas a competir pela qualidade dos seus produtos e serviços. Tentei ser cuidadoso e usar a palavra suficientemente. Não é que não são. São um pouco. Há um mercado interno no Brasil. Mas são poucas as empresas no Brasil que têm relevância mundial. E o mercado internacional é muito mais exigente do que o mercado nacional. Quando olhamos para os países com muita atividade de pesquisa e de inovação, observamos que as suas empresas pretendem ser as melhores do mundo e não apenas as melhores da região onde elas estão. A questão da competitividade, que se relaciona com o excesso de proteção no mercado brasileiro, é um elemento de restrição. Outro problema é que as empresas no Brasil se veem frequentemente em uma situação na qual não é um bom negócio mobilizar recursos para atividades de P&D. Pode haver outras atividades que rendam para a empresa mais ganho e mais prosperidade do que fazer pesquisa, que é algo intrinsecamente arriscado e de retorno incerto. A complexidade fiscal do Brasil, por exemplo, faz com que advogados tributaristas e contadores muito provavelmente sejam mais valiosos para uma empresa do que um engenheiro, um químico, um físico ou um biólogo. Eles ajudam a companhia a seguir regras fiscais complexas, minimizando gastos com impostos e riscos de multas.

O senhor falou na dificuldade em contemplar esses pontos na estratégia brasileira. Como enfrentar isso?
Antes de responder, vou dar dois passos para trás. Quando se fala da ciência, tecnologia e inovação no Brasil, uma pergunta muito importante que aparece é: como fazer para, com a ciência e tecnologia disponíveis no Brasil, gerar mais benefícios para a sociedade? Essa pergunta está na pauta brasileira. Como na cabeça das pessoas no Brasil não está a ideia de que a empresa é um lugar da pesquisa, a resposta já vem enviesada: “A universidade precisa gerar conhecimento novo e levá-lo à sociedade”. A discussão provoca uma espécie de um curto-circuito em um elemento fundamental. É como gerar energia elétrica em Itaipu e discutir como se faz a energia chegar a São Paulo, mas sem poder usar a palavra fio. Fica impossível ligar as coisas. Na pesquisa, quem sabe fazer essa conexão são as empresas, no que diz respeito a mercado, e o governo, no que diz respeito a políticas públicas.

Como resolver o curto-circuito?
Os esforços da universidade se transformam em benefício da sociedade por intermédio das empresas que fazem pesquisa. O principal benefício gerado pela universidade é treinar pessoas, é educá-las. Quando essas pessoas forem trabalhar como pesquisadores nas empresas, terão ideias nas empresas que trarão benefício para a sociedade. Não adianta ter o pesquisador na universidade, ele descobrir uma coisa importante e querer levar para o mercado. Não é o papel dele, a universidade não existe para vender coisas, nem para fabricá-las em grande escala. Você perguntou sobre como fazer para isso entrar na estratégia. Não é por meio de perguntas do tipo: como estimular a transferência de conhecimento da universidade para o setor privado? A pergunta adequada seria: quais características da economia brasileira poderiam fazer com que as empresas precisassem organicamente desenvolver atividades de pesquisa? Percebe a diferença? No primeiro caso, buscam-se incentivos para a empresa receber conhecimento independentemente das condições externas. Já a segunda pergunta busca encontrar os elementos da economia brasileira que levariam as empresas no país a ter atividade de pesquisa. Ao identificarmos esses elementos, e otimizá-los, é possível que empresas se dediquem a fazer pesquisa sem receber nenhum incentivo do governo.

Que elementos seriam esses?
Há, por exemplo, um equívoco na ideia de que o jeito de conseguir que tenha mais atividade de inovação na empresa é dar incentivo a ela. Eu mostrei um gráfico na minha apresentação que relaciona o quanto as empresas de vários países gastam em pesquisa e quanto dinheiro o governo dá para elas na forma de incentivos para inovar. Dá para ver claramente que o Brasil aparece próximo a vários países em termos de incentivo do governo, mas é o pior deles em gasto das empresas em pesquisa. Quer dizer, os incentivos no Brasil não resultam em mais pesquisa. O real incentivo para a empresa deveria ser ter acesso a um mercado, no Brasil ou no mundo, e, com isso, ganhar mais dinheiro, gerar mais empregos e crescer. Em paralelo à discussão sobre incentivos, seria necessário ter um debate muito maior sobre como eliminar entraves, entre eles a falta de exposição ao mercado internacional e a falta de inserção do Brasil e das empresas no Brasil nas cadeias de valor do mundo. Quando uma empresa está inserida em uma cadeia de valor, ela aprende com o setor para o qual está fornecendo qual é o padrão de qualidade internacional a ser seguido e quais são os pontos fortes de seus concorrentes. Aí, ela avança. Também seria necessário simplificar regras tributárias e a legislação com a qual as empresas lidam para funcionar no Brasil e vender para fora. Por fim, seria importante estabilizar essas regras, de tal modo que as empresas saibam e confiem que daqui a cinco ou 10 anos as regras não serão muito diferentes. Quando elas fazem investimentos, sabem que não vão recuperá-los em um ou dois anos e precisam ter confiança na estabilidade das regras econômicas. Várias dessas ideias nem tem custo para o orçamento do governo. Elas custam a ideia de realizar e, claro, há dificuldades políticas a enfrentar. Não quer dizer que seja fácil, mas é preciso incluir esses temas no debate sobre a política para Ciência, Tecnologia e Inovação.

Na conferência, o senhor mostrou que o investimento público em P&D em relação ao PIB no Brasil está em um patamar semelhante ao de outros países, ao contrário dos investimentos privados, que são ainda restritos. Como aproveitar melhor os recursos públicos investidos hoje?
O investimento público no Brasil é apreciável, 0,7% do PIB, e creio que com esse valor daria para obter mais e melhores resultados. Um dos desafios é aumentar a capacidade de pesquisa e capacidade tecnológica das empresas para elas usarem melhor as universidades e os institutos de pesquisa do Brasil. Outro ponto é o que foi abordado na palestra que o professor Hernan Chaimovich fez no auditório da FAPESP antes da minha apresentação, que é buscar ter cada vez mais grupos de pesquisa nas universidades e em institutos de pesquisa que dialoguem bem com a fronteira do conhecimento nas suas áreas. Não quer dizer que tem que ser tudo uniformemente excelente, mas se em 2000 havia um determinado número de grupos de pesquisa dialogando com a fronteira do conhecimento, o ideal seria ter um número maior em 2010 e assim por diante. A universidade precisa se conectar com o conhecimento de fronteira para educar direito os estudantes que forma e eles possam usar esse conhecimento quando forem trabalhar nas empresas ou no governo. Esse é um elemento importante para aumentar a eficácia do sistema universitário, do sistema de instituições de pesquisa e do financiamento à ciência no Brasil. Um efeito pernicioso de não levar em conta a necessidade de haver mais pesquisa na empresa é a ideia de que é preciso reunir universidades, agências de financiamento e institutos de pesquisa e fazê-los a cumprir o papel que é das empresas – e, com isso, estragar todas essas instituições, desvirtuando-as. Trabalhando no Brasil, vi como esse mau entendimento leva o governo a falar: “Então por que vocês da universidade não produzem o remédio, a vacina, a fibra óptica, a comunicação, o telefone, o computador?”. Isso é ruim, porque mesmo que a universidade consiga fazer, isso não vai render o resultado esperado. Só vai chegar em escala para a sociedade se tiver uma empresa no meio aperfeiçoando constantemente produtos e processos. As dificuldades que a FAPESP enfrentou nos últimos anos tem a ver com isso. Imagine se, aqui no Reino Unido, resolvessem que os Research Councils, em vez de financiar a pesquisa sobre emaranhamento quântico, se preocupassem com a pesquisa sobre como fazer funcionar melhor a engrenagem de um motor que está agora em linha de produção. Isso estragaria a capacidade de fazer o futuro, de treinar as pessoas e de competir mundialmente.

Ainda que seja importante perseguir a fronteira nas áreas que forem possíveis, não há temas de pesquisa que encarnam grandes oportunidades para o Brasil? Na palestra o senhor falou da Amazônia, de sustentabilidade…
Eu destaquei alguns temas, mas se você reunir 20 pessoas vai sair uma lista com alguns desses temas e outros também importantes. A capacidade de pesquisa no Brasil pode e tem trazido respostas interessantes para reduzir desigualdade, para a sustentabilidade do meio ambiente e da economia como um todo, para o assunto das mudanças climáticas. O Brasil poderia contribuir muito mais, não só, por exemplo, por meio de estudar e entender melhor a Amazônia, mas também contribuir com os modelos climáticos usados no mundo e aperfeiçoar a observação da Terra. A África do Sul tem falado em fabricar vacina de mRNA, com tecnologia própria, adaptando o que aprenderam com as outras vacinas disponíveis no mundo. Por que o Brasil não pode ter isso? O Brasil tem muito mais gente, um mercado muito maior. Mas onde eu queria chegar com essa lista é ao fato de que falta no Brasil o lugar institucional para definir quais são as prioridades de uma maneira bem aceita pela comunidade de pesquisa, pela sociedade brasileira, pelo governo, pela universidade, pelos institutos e pelas empresas. Quando se estabelecem prioridades sem ter isso bem aceito, sem que os interessados participem, as prioridades acabam sendo ignoradas. Os temas têm que despertar interesse nos pesquisadores das universidades, as empresas precisam enxergar oportunidades e o governo precisa considerá-los relevantes. É preciso um bom trabalho político para convergir os entendimentos desses três atores institucionais.

 O senhor mencionou na apresentação dados sobre publicações dos autores das empresas e como isso tem evoluído. Por que essas publicações são importantes? O que os números do Brasil mostram?
Há duas questões diferentes, mas relacionadas. Um dado que eu mostrei foi a quantidade de publicações científicas que tem autores em empresas no Brasil. Isso serve para um diagnóstico mais específico sobre o número de pesquisadores. As publicações contam para nós quantos pesquisadores existem e o que eles estão criando de novo. Quando criam algo novo, eles publicam. Muita gente reclama desse indicador dizendo que ele é incompleto, uma vez que as empresas em geral não teriam interesse em publicar. Não é verdade. Há muitas boas razões para elas quererem publicar um artigo científico. Tendo um raciocínio bem simplista: se a empresa descobriu uma coisa e ela não quer patentear, a melhor maneira de garantir que um concorrente não vá patentear é fazer uma publicação. Custa zero. Você publica o trabalho e depois que tiver publicado ninguém mais pode patentear aquele conhecimento. É uma maneira de defender a sua capacidade de ter ideias e depois usar as suas próprias ideias. Outra razão é que, quando a empresa tem um ambiente interno de pesquisa, ela quer conversar com os outros pesquisadores do mundo interessados em temas comuns – todo mundo que trabalha com pesquisa precisa conversar com pares para trocar ideias. E uma das maneiras de ser aceito nas melhores discussões é ter contribuído de alguma forma por meio de um trabalho publicado. Também se pode depositar 10 patentes, mas custa muito mais caro. Do ponto de vista da empresa, para ganhar uma cadeira na mesa em que são debatidas aquelas ideias, publicar um trabalho é um jeito barato de conseguir um convite, de ser conhecido, de ter alguém a quem se possa telefonar, dentro ou fora do Brasil, quando precisar de ajuda. Essas publicações de empresas indicam para nós aquilo que na literatura internacional é conhecido como capacidade absortiva. E é um elemento essencial para uma estratégia que se tornou uma espécie de obsessão da política brasileira de ciência e tecnologia, que é a colaboração da universidade com a empresa. A capacidade absortiva diz se a empresa consegue colaborar e se beneficiar da colaboração. Se você só tiver advogado e contador em seus quadros, o que eles vão conversar com os físicos, os químicos, os bioquímicos das universidades? Nada. Então, uma maneira de aferir a capacidade absortiva é ver publicações com autores nas empresas. A figura que mostrei na apresentação apontava Brasil e Índia muito abaixo da China, do Reino Unido, dos Estados Unidos, indicando uma grande limitação.

E qual é a segunda questão relacionada?
É que, com um pequeno número de publicações científicas assinadas por pesquisadores de empresas, fica difícil fazer crescer muito a interação entre universidade e setor privado no Brasil. Embora o Brasil tenha um desempenho fraco em relação a outros países, mostrei um outro dado ilustrando que os artigos com um autor na universidade e um autor na empresa têm crescido muito aqui. Houve um período, entre 2004 e 2015, em que a maior parte desses artigos foi com autores de empresas no Brasil. Isso indicou um aumento da capacidade absortiva das empresas no país. Quando teve a crise mundial, a partir de 2008, 2009, o espaço das empresas no Brasil diminuiu, mas aquelas fora do Brasil não perderam força. Atualmente, empresas de fora têm mais artigos em coautoria com pesquisadores das universidades brasileiras do que as empresas no Brasil. Isso indica duas coisas: que as universidades no Brasil são objeto de interesse para colaboração por empresas mundiais e que as empresas no Brasil não estão usando essas oportunidades para colaborar.

O senhor mencionou no final da palestra o caso de uma lei aprovada nos Estados Unidos, que prevê investimentos na indústria de semicondutores, como exemplo de como vários países estão investindo ainda mais em inovação. Como avalia essa tendência?
Na Elsevier eu tenho conversando com agências do mundo inteiro e o movimento que se vê é que elas estão cada vez mais preocupadas e pressionadas a gerar benefícios econômicos e sociais com o financiamento à pesquisa que fazem. Também observo que, nos países em que há atividade relevante de pesquisa dentro das empresas, o trabalho das agências de financiamento fica facilitado, porque o canal com o setor privado e o mercado é mais desobstruído. Eu mencionei na palestra o caso dos Estados Unidos, de uma lei recém-aprovada chamada Chips & Science Act. Essa lei, entre outras providências, colocou recursos adicionais na National Science Foundation [NSF], da ordem de mais ou menos US$ 1 bilhão por ano. A NSF tem um orçamento de US$ 9 bilhões anuais. Com o Chips, vai receber US$ 1 bilhão a mais por ano para constituir uma diretoria nova, denominada TIP ‒ Technology, Innovation and Partnerships, similar à coordenação de pesquisa para inovação que existe há muito tempo na FAPESP. As pessoas falam, às vezes, “isso não existe no Brasil”. Tem sim. A Coordenação de Pesquisa para Inovação [PPI] da FAPESP existe desde 1996. Quem não tinha uma diretoria de tecnologia para inovação era a NSF. Esse caso ilustra vários aspectos de uma estratégia norte-americana que, em um primeiro momento, foi mal entendida no Brasil, porque as pessoas ficam perdidas nos números. Elas não entendem que US$ 1 bilhão para fazer uma diretoria nova na NSF seria equivalente a ter US$ 50 milhões no orçamento de FAPESP para manter a PPI. Só que essa coordenação na FAPESP já usa por ano alguma coisa perto de US$ 100 milhões. É importante entender o conjunto. Uma maneira de medir o que significa esse US$ 1 bilhão por ano nos Estados Unidos é pensar que as empresas do país aplicaram em atividade de pesquisa mais de US$ 600 bilhões em 2021. Esse dinheiro que a NSF vai ter para o TIP corresponde mais ou menos a 0,2% do que o setor privado norte-americano gasta em pesquisa num ano. Na verdade, é mais para facilitar que a NSF conecte as universidades americanas com a pesquisa das empresas do que propriamente para estimular a pesquisa nas empresas. Quem já gasta US$ 600 bilhões, não vai fazer muito mais se tiver acesso a mais US$ 1 bilhão.

Mas a maior parte dos recursos do Chips Act vai para as empresas de semicondutores…
Sim, essa parte é muito maior, superior a US$ 50 bilhões. Mas o mais importante é o fato de que, nos Estados Unidos, na Europa e na China, o crescimento do investimento feito por empresas, com dinheiro das empresas, em pesquisa feita dentro das empresas, cresceu de forma exponencial de 2010 para cá. Nos Estados Unidos, em 2010, as empresas aplicaram US$ 280 milhões em pesquisa; em 2021 foram US$ 612 milhões. É mais que o dobro em um período de 10 anos. Para voltar ao início de nossa conversa, nas empresas nos Estados Unidos há 1 milhão de pesquisadores, o que é mais do que todos os pesquisadores do Brasil, somando universidades, institutos e empresas. É preciso mudar a discussão e incluir na agenda a necessidade imperativa de mais pesquisa dentro das empresas no país.

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