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Saúde pública

Caso de reinfecção por coronavírus é confirmado em Hong Kong

Dados moleculares indicam que paciente voltou a contrair Covid-19 mais de quatro meses depois do primeiro diagnóstico

Hong Kong, onde foi detectado um caso de reinfecção por Covid-19, teve um pico de novos casos em março e outro em julho

Anthony Kwan/Getty Images

Um homem saudável de 33 anos apresentou resultado positivo para o Sars-CoV-2, o causador da Covid-19, quatro meses e meio depois de contraí-lo pela primeira vez. No início do mês, uma técnica de enfermagem de 24 anos também se revelou infectada pela segunda vez em Ribeirão Preto, interior de São Paulo. Nesta terça-feira mais dois casos, não documentados por publicações científicas, foram anunciados para dois pacientes na Europa – Bélgica e Holanda. São relatos que indicam a possibilidade de pessoas já infectadas não se tornarem imunes ao novo coronavírus. O caso de Hong Kong, divulgado na segunda-feira (24), é o primeiro em que a identificação de uma nova infecção por esse mesmo vírus resultou de sequenciamento do genoma completo, que indicou se tratar de linhagens diferentes do vírus nos dois casos. O artigo, assinado por pesquisadores da Universidade de Hong Kong, está em processo de publicação na revista científica Clinical Infectious Diseases.

No caso brasileiro, depois de ficar doente por 10 dias, a paciente esteve assintomática por mais 38 dias e em seguida voltou a apresentar sintomas. Nesse momento, teve resultado positivo no teste RT-PCR. Nas duas ocasiões, teve contato com alguém doente. “É um relato que contém evidências clínicas, epidemiológicas e laboratoriais conclusivas. Entretanto, não foi possível fazer a análise genômica porque o material colhido do nariz da paciente havia sido descartado”, conta o médico Fernando Bellissimo-Rodrigues, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) e um dos responsáveis pelo relato do início do mês. 

Entrevista: Fernando Bellissimo-Rodrigues
     

A evidência molecular obtida no caso de Hong Kong é vista como fundamental porque elimina a possibilidade de vírus residual, quando restos do patógeno responsável pela primeira infecção permanecem no corpo e geram um falso resultado positivo, apesar de não haver mais doença ativa. O homem em questão voltou a ser testado ao voltar de uma viagem à Espanha, no dia 15 de agosto, e verificou-se que era portador de uma linhagem parecida com as circulantes na Europa no momento, diferente da que estava presente em Hong Kong no início da pandemia. Ele não tinha sintomas, o que pode indicar que o sistema imunológico impediu o desenvolvimento da doença.

Segundo os autores isso indica a possibilidade de o vírus circular na população sem ser eliminado, como um vírus sazonal da gripe. Mas ainda é cedo para tirar conclusões. “Por enquanto é um evento raro”, avalia Rodrigues. “Nos casos mais graves de infecção pelos coronavírus causadores da Sars-1 [Síndrome Respiratória Aguda Grave] e Mers [Síndrome Respiratória do Oriente Médio] os anticorpos são numerosos e duradouros, ao contrário do que acontece com as infecções pelos coronavírus que causam resfriado comum e levam à produção de anticorpos fugazes.”

Pesquisadores estão atentos para novos casos de reinfecção, que podem ajudar a entender melhor a imunidade na Covid-19 e contribuir para a fabricação de vacinas mais efetivas. A imunidade produzida por uma vacina pode durar a vida inteira, como no caso da febre amarela, ou mais de 20 anos, para o sarampo, mas também poucos meses, como acontece com a vacina da gripe. “As vacinas contra o Sars-CoV-2 poderão ser úteis mesmo que a imunidade não seja duradoura, mas talvez não sejam definitivas, como as pessoas e os pesquisadores gostariam que fossem”, afirma o médico. Ele dá como exemplo a que combate a gripe comum, que salva muitas vidas apesar de durar apenas seis meses.

“Embora o sequenciamento seja importante, o caso de Hong Kong não apresenta evidências clínicas que comprovariam a reinfecção”, afirma Rodrigues. “Na segunda infecção, o paciente não apresentou sintomas e não havia registro de contato com pessoa contaminada.” Ele não descarta a possibilidade de ter acontecido um falso positivo, por exemplo, em resultado de contaminação cruzada da amostra. “Em um rastreio de massa como o feito em Hong Kong a probabilidade de falso positivo não pode ser desprezada, considerando a baixa prevalência da infecção ativa por Sars-CoV-2 e a especificidade do método (RT-PCR).”

Como a maior parte dos casos de Covid-19 aconteceu nos últimos três meses, os pesquisadores estão de olho em exemplos de reinfecção. “É imprescindível manter medidas preventivas como lavar as mãos, usar máscaras e evitar aglomerações”, recomenda.

Artigo científico
TO, K. K.-W. et al. COVID-19 re-infection by a phylogenetically distinct SARS-coronavirus-2 strain 2 confirmed by whole genome sequencing. Clinical Infectious Diseases. no prelo.

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