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Reconhecimento

Cebrap celebra prêmio de Fernando Henrique Cardoso

Pesquisadores do centro comemoram prêmio internacional conquistado pelo sociólogo e ex-presidente

Eduardo César

Fernando Henrique, com Elza Berquó (esq.) e Paula Montero, recebe fac símile da ata de fundação do CebrapEduardo César

Pesquisadores do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) prestaram uma homenagem ao sociólogo e ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, na noite de quinta-feira (16),  e comemoraram o prêmio que ele recebeu da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos em meados de julho, o Kluge Prize, uma das mais importantes honrarias em campos das ciências humanas e sociais não abrangidos pelo prêmio Nobel. Um dos fundadores do Cebrap, Fernando Henrique recebeu das mãos da demógrafa Elza Berquó e da antropóloga Paula Montero, professora da Universidade de São Paulo (USP) e atual presidente do centro, um fac símile da ata de fundação da instituição. “Fernando Henrique: há 43 anos, 3 meses, 13 dias e 4 horas,  nós nos encontrávamos no apartamento do professor Cândido Procópio, na Rua Espírito Santo, 122, e era criado o Cebrap“, disse Elza Berquó. “Esse é o registro de um pedaço da nossa história. Parabéns”. A homenagem aconteceu no Teatro do Sesc Consolação, no centro de São Paulo.

Fernando Henrique foi um dos fundadores do Cebrap, ao lado de Elza Berquó, José Arthur Giannotti, Juarez Brandão Lopes, Celso Lafer e Paul Singer, entre outros,  em 1969. A criação do centro de pesquisas foi o meio encontrado por um grupo de professores e acadêmicos, alguns deles expulsos da universidade por força do Ato Institucional nº 5, para não se submeter às severas restrições impostas pelo regime militar de 1964 à produção intelectual independente.

A homenagem foi aberta por uma apresentação de Paula Montero, que relembrou a trajetória do Cebrap. Ela abordou a contribuição decisiva dos fundadores na criação de uma instituição capaz de discutir soluções para as questões agudas da sociedade da época, como a redemocratização ou o modelo econômico da ditadura militar, e também o esforço dos pesquisadores que os sucederam nas décadas de 1980, 1990 e 2000, para diversificar as áreas de interesse da instituição, envolvendo temas como a reprodução humana e os estudos da metrópole, e se mantendo fiel ao espírito do grupo original.  “O Prêmio Kluge vem coroar um trabalho que é parte de nossa trajetória. Estamos orgulhosos da honraria recebida”, afirmou Paula Montero.

O cientista político Fernando Limongi, professor da USP e pesquisador do Cebrap, relembrou a trajetória intelectual e política de Fernando Henrique Cardoso. “Sua obra se define pela busca da quebra de dogmas. Ele chacoalhou paradigmas. Não há exemplo maior de grandeza de um intelectual”, afirmou, referindo-se ao livro Dependência e desenvolvimento na América Latina, que Fernando Henrique escreveu com Enzo Faletto, em 1969. “Explicar a importância dessa contribuição é difícil, pois hoje pensamos todos como dependentistas. O fato é que ela relegou ao esquecimento as teses que a rejeitaram. Para conhecer essas teses, hoje é preciso consultar livros empoeirados”, diz. Em linhas gerais, a teoria da dependência desafiou a ideia de que o desenvolvimento dos países da periferia do capitalismo teria de repetir a trajetória dos países desenvolvidos. Os dois autores destacaram o papel de fatores internos na compreensão dos processos estruturais de dependência. Procuraram mostrar como diferentes formas de articulação entre economias nacionais e sistema internacional indicavam formas distintas de integração com os polos hegemônicos do capitalismo. “Fernando Henrique questionou um dogma, que era a suposição de que a história dos países em desenvolvimento seria linear e mostrou que não havia uma rota única para o desenvolvimento, ainda que as opções dos países fossem limitadas pelos caminhos que adotavam”, disse Limongi.

Fernando Henrique Cardoso agradeceu a homenagem e, citando o discurso de Limongi, destacou em tom de brincadeira “o esforço enorme que ele fez para encontrar motivos para me elogiar”. Afirmou que não se lembrava da existência da ata de fundação do Cebrap, mas disse recordar-se bastante daquele momento. “Em especial da solidariedade de pessoas que não tinham sido postas para fora da universidade como eu, mas ajudaram a fundar o Cebrap”, disse, referindo-se por exemplo ao primeiro presidente do centro, o sociólogo Cândido Procópio Ferreira de Camargo. “As suspeitas eram enormes e o nosso desafio era alcançar legimitidade”. O ex-presidente mencionou a ajuda, nos primeiros tempos do centro, de personalidades como o empresário Severo Gomes e Paulo Egydio Martins, governador de São Paulo entre 1975 e 1979. Embora estivessem no campo político oposto, disse Fernando Henrique, aceitaram, por conta de sua formação liberal, colaborar para a manutenção da instituição. “Me lembro do Dilson Funaro, que foi secretário estadual da Fazenda, com quem conseguimos, usando nomes de terceiros, fazer contratos de assessoria e de organização de pesquisa que beneficiaram o Cebrap”, disse.

Também recordou as “brigas de morte” que travava com professores e intelectuais nos debates no Cebrap, ao redor do famoso “mesão” do centro. “Quem pensava contra o governo militar ia lá, como Maria da Conceição Tavares, Luciano Martins, José Serra. Nós realmente acreditávamos, tínhamos pureza d’alma”. Por fim, lembrou sua passagem pelo Instituto de Estudos Avançados da Universidade de Princeton, onde principalmente físicos e matemáticos de grande potencial, na casa dos 30 anos de idade, são desafiados a produzir contribuições originais. “Eu pensava se nas ciências humanas não poderia ser diferente, se a maturidade não podia tornar melhores os pesquisadores. Mas hoje considero que um pouco de ignorância, natural da juventude, leva à ousadia. Quando você sabe muito, encontra várias desculpas para não ousar. Quando criamos o Cebrap, o momento era difícil, mas nós ousamos. Fico agradecido por se lembrarem de mim”.

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