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Boas práticas

Cerco ao pirata

Ordem judicial bloqueia acesso de estudantes e cientistas da Índia aos serviços do site Sci-Hub

Um tribunal em Nova Délhi, na Índia, determinou o bloqueio no país dos endereços na internet do repositório pirata Sci-Hub, que fornece acesso livre a milhões de trabalhos acadêmicos contornando barreiras de pagamento impostas por editoras. A decisão é resultado de uma ação judicial por violação de direitos autorais movida desde 2020 na Índia por três organizações que publicam revistas científicas: as editoras Elsevier e Wiley, e a Sociedade Americana de Química. Além do Sci-Hub, o processo também teve como alvo a LibGen, biblioteca que franqueia ilegalmente o acesso a milhares de livros e obras acadêmicas.

Em 2021, o tribunal indiano havia determinado que o Sci-Hub parasse de disponibilizar artigos no país e a proibição foi acatada pelos advogados voluntários que defenderam a plataforma na Justiça, enquanto recorriam da decisão. Mas, logo depois da suspensão na Índia, a plataforma pirata sofreu um grande revés que afetou suas atividades no mundo inteiro: bibliotecas universitárias de vários países implementaram um sistema de autenticação em duas etapas no acesso de usuários. Como resultado, o Sci-Hub não conseguiu mais acessar automaticamente os repositórios dessas bibliotecas usando nomes e senhas cedidos por alunos e pesquisadores, a fim de baixar novos artigos. “Os métodos de burlar barreiras de pagamento (paywall) que funcionaram bem entre 2011 e 2015 tornaram-se inúteis em 2022”, informou o Sci-Hub, em um comunicado.

Após três anos de paralisação, a plataforma se rearticulou e lançou em abril passado um novo serviço, batizado de Sci.Net, que oferece, inclusive na Índia, acesso a artigos recém-publicados. No novo esquema, solicitações de acesso a artigos são compartilhadas em uma comunidade de usuários. Um estudante ou pesquisador que participe dessa comunidade pode baixar o artigo usando a biblioteca de sua universidade e fornecê-lo ao solicitante, sem que sua identidade seja revelada. Isso porque uma funcionalidade remove a marca-d’água do arquivo em pdf e apaga o nome da instituição em que o download foi feito.

Após esse novo serviço entrar em operação, as editoras voltaram a acionar o tribunal de Nova Délhi, alegando desrespeito à decisão judicial de 2021, e obtiveram o bloqueio dos sites da plataforma. A fundadora do Sci-Hub, a programadora cazaque Alexandra Elbakyan, alega que o Sci-Net é uma entidade separada do Sci-Hub, e que o compromisso de 2021 não poderia ser aplicado a ele. Desde 2011, Elbakyan mora na Rússia.

Daniel Himmelstein, cientista de dados da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, disse à Chemical & Engineering News (C&EN), revista de notícias semanal publicada pela Sociedade Americana de Química, que o Sci-Hub ainda está disponível em endereços alternativos na Índia. E disse estar surpreso que o site tenha concordado em limitar a oferta de artigos enquanto o processo estava em andamento: “A ideia inicial do Sci-Hub era ignorar as leis de direitos autorais”, afirma.

Enquanto isso, pesquisadores na Índia, especialmente aqueles em instituições que não têm condições de pagar por assinaturas de revistas, estão preocupados com a forma como continuarão acessando o conteúdo acadêmico. “Para eles, bibliotecas paralelas não eram um luxo, mas tábuas de salvação”, afirmou à C&EN Arpan Pathak, pesquisador de farmacologia da Universidade K. R. Mangalam, em Gurugram, na Índia. “Bloquear essas plataformas sem oferecer alternativas viáveis pode aumentar a distância entre acadêmicos privilegiados e aqueles em dificuldades.”

Em janeiro, o governo indiano lançou a iniciativa One Nation One Subscription (Onos), em que aceitou pagar US$ 685 milhões nos próximos três anos a um grupo de 30 editoras para que os 18 milhões de pesquisadores e estudantes do país tenham acesso livre ao conteúdo de 13 mil revistas científicas. Shiv Issar, sociólogo que trabalhou na Universidade Nazareth, em Nova York, nos Estados Unidos, e hoje é professor na Universidade Krea, na Índia, reconhece que a Onos constrói uma “biblioteca bonita e bem abastecida”, mas observa que está atualmente na fase 1, isto é, funciona como um clube exclusivo para membros de instituições públicas. “Nesse momento, se você é estudante de uma universidade privada, um médico em uma clínica, um pesquisador independente ou apenas um cidadão curioso, você está de fora”, afirma. Até que a biblioteca Onos seja aberta a instituições privadas e outras partes interessadas, o Sci-Hub e seus sites irmãos continuarão sendo as opções de fato para muitos, diz Issar.

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