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Indicadores de ciência e tecnologia do MCTIC mostram efeito da recessão nos dispêndios em pesquisa e desenvolvimento no país em 2016
O ano de 2016 marcou o fim e a reversão de um ciclo, que durou quatro anos ininterruptos, em que os investimentos do Brasil em pesquisa e desenvolvimento (P&D) cresceram de forma regular e consistente no Brasil. O dispêndio nacional em P&D naquele ano alcançou 1,27% do Produto Interno Bruto (PIB), abaixo do 1,34% obtido em 2015, um recorde histórico. Em valores corrigidos pela inflação em 2016, a queda foi de 9% – de R$ 87,1 bilhões para R$ 79,2 bilhões de um ano para o outro. O PIB brasileiro recuou 3,6% em 2016, em um momento agudo de recessão. Esses dados integram um amplo diagnóstico, com 164 páginas de quadros e estatísticas, que compõe a edição 2018 dos Indicadores nacionais de ciência, tecnologia e inovação, lançado pelo governo federal em outubro.
Os gastos em P&D são uma medida do esforço de um país para estimular o desenvolvimento. Envolvem um conjunto de atividades, feitas por empresas, universidades e outras instituições científicas, que inclui os resultados de pesquisa básica e aplicada, o lançamento de novos produtos e a formação de pesquisadores e profissionais qualificados. A redução observada no Brasil atingiu tanto os dispêndios públicos, que foram de R$ 45,5 bilhões em 2015 para R$ 41,5 bilhões em 2016, quanto os empresariais, que passaram de R$ 41,6 bilhões para R$ 37,7 bilhões no período, em valores corrigidos pela inflação, de acordo com os cálculos feitos pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). “Em função de tudo o que aconteceu em 2016, com a retração na produção industrial e as restrições orçamentárias que o governo teve de enfrentar, eu esperava uma queda até mais acentuada e fiquei surpreso”, diz o engenheiro Álvaro Prata, secretário de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do MCTIC entre 2016 e 2018.
Segundo os dados, os cortes orçamentários do governo federal envolvendo despesas com P&D foram relativamente modestos no cômputo geral: em valores de 2016 corrigidos pela inflação, a redução foi de pouco mais de 9,3% entre 2015 e 2016. Mas a tesoura atingiu de forma especialmente severa os investimentos do então Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), que viu esse tipo de dispêndio cair 27,5% – de R$ 6,04 bilhões para R$ 4,38 bilhões, segundo os Indicadores –, comprometendo sua capacidade de financiar projetos em universidades e instituições científicas e em empresas inovadoras por meio de agências como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). “As empresas dependem de incentivos para investir em P&D e o volume de editais da Finep oferecendo recursos não reembolsáveis a projetos de inovação empresariais caiu muito nos últimos anos”, observa Luiz Fernando Vianna, presidente da Associação Brasileira das Instituições de Pesquisa Tecnológica e de Inovação (Abipti). Em maio de 2016, o MCTI fundiu-se com o das Comunicações, pasta cujo orçamento de P&D teve crescimento de 6,3% no ano – atingindo R$ 229 milhões.
O Ministério da Educação (MEC), que concentra a maior parcela dos dispêndios federais em P&D, teve uma queda de 9,3% nesses gastos entre 2015 e 2016, que foram de R$ 17,6 bilhões para R$ 15,9 bilhões, em valores corrigidos pela inflação. A pasta da Agricultura, à qual está vinculada a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), e a da Saúde, que também investe em pesquisa, tiveram um aumento dos dispêndios em P&D, em valores corrigidos, de 2,8% e 32%, respectivamente (ver gráfico “Como o investimento em P&D é composto e a comparação com outros países”). “Como é difícil cortar despesas com salários, a redução orçamentária foi mais intensa em relação aos chamados recursos discricionários, como investimentos em projetos, atingindo os ministérios de forma desigual”, disse o presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), o físico Luiz Davidovich.
Essa estratégia, ele observa, pode fazer sentido quando há uma dificuldade apenas temporária de financiar a ciência, pois o prejuízo de adiar a realização de projetos é amenizado com sua retomada um pouco adiante. “Mas no Brasil os cortes vêm se tornando crônicos”, pondera. Ele lembra que os cortes do MCTIC se repetiram em 2017 e 2018, e se projetam no orçamento de 2019. “Há um aumento nominal no orçamento, que, no entanto, embute R$ 1,5 bilhão da capitalização dos Correios e da Telebrás”, diz. Nos cálculos da ABC, os recursos para bolsas do CNPq cairão 25% neste ano. Já a Finep terá apenas R$ 1 bilhão dos R$ 4 bilhões arrecadados para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). “O restante dos recursos, que poderiam alavancar a inovação no Brasil e favorecer o crescimento da economia, será mais uma vez contingenciado e usado para amortizar as dívidas do governo.”
Segundo o presidente da ABC, o longo jejum de investimentos está tornando a pesquisa brasileira menos competitiva. “Na área agrícola, por exemplo, tenho ouvido relatos sobre a obsolescência de equipamentos da Embrapa e a impossibilidade de acompanharmos a evolução de tecnologias avançadas que são fundamentais para termos uma agricultura moderna.” Álvaro Prata, do MCTIC, pondera que o ministério conseguiu preservar projetos estratégicos, como a construção da fonte de luz síncrotron Sirius, em Campinas, e na virada de 2016 para 2017 conseguiu honrar compromissos atrasados com projetos científicos ao receber R$ 731 milhões de um programa de regularização de recursos que brasileiros mantêm no exterior. “Isso ajudou a amenizar a queda no orçamento e a manter o sistema de ciência e tecnologia funcionando.”
Segundo os Indicadores do MCTIC, o montante dos dispêndios em P&D do Brasil em 2016 é comparável, em paridade do poder de compra, com o da Rússia, e fica à frente de países como Itália e Canadá, embora representem um terço do investimento da Alemanha, 9% do da China e 8% do dos Estados Unidos. Quando se mede o investimento em relação ao PIB nacional, o 1,27% do Brasil superou os índices de Espanha, Rússia, México e Argentina, equiparou-se aos de Portugal e Itália, e ficou aquém da China (2,11% do PIB), dos Estados Unidos (2,74%) e da Coreia do Sul (4,23%).
Na composição dos gastos brasileiros em P&D em 2016, 0,67% do PIB foi oriundo de recursos públicos e 0,6% veio de empresas. Comparações internacionais compiladas mostram que, em países desenvolvidos, a participação privada nos esforços de P&D costuma ser bem superior à pública. Enquanto no Brasil os dispêndios empresariais não chegam a 50% do total, nos Estados Unidos alcançam 62%, na Coreia do Sul, 75%, na China, 76%, e no Japão, 78%.
Cortes atingiram de forma mais severa em 2016 o orçamento do então Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação
O engenheiro químico Pedro Wongtschowski, presidente do Conselho de Administração da Ultrapar Participações e do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), afirma que a perda na rentabilidade do setor industrial no Brasil explica a queda no investimento empresarial em P&D. Na sua avaliação, entender essa dinâmica é fundamental para superar os entraves atuais. A expectativa do setor industrial é de que, nos próximos anos, haja uma simplificação da estrutura tributária brasileira. “Aliada a melhorias de infraestrutura, ajudaria as empresas a se tornarem mais competitivas e recuperarem sua rentabilidade, em um círculo virtuoso capaz de estimular os investimentos em P&D”, diz Wongtschowski, que é membro do Conselho Superior da FAPESP. Ele aponta uma distorção do sistema brasileiro de ciência, tecnologia e inovação evidenciada nos dados do MCTIC: o fato de a Lei de Informática ter sido responsável por 69% de toda a renúncia fiscal do governo federal relacionada a incentivos para P&D em empresas. “A Lei de Informática tem efeitos limitados na promoção de P&D. Na verdade, foi criada como uma compensação para garantir a sobrevivência da indústria de informática que está fora da Zona Franca de Manaus”, afirma.
O desempenho das empresas inovadoras brasileiras, pondera, está muito aquém do desejado. “De um universo de 117 mil empresas brasileiras que realizavam P&D em 2014, apenas 4.289 o faziam de maneira contínua. É um número muito baixo e explica um pedaço da crescente defasagem tecnológica entre empresas brasileiras e internacionais e déficit comercial e crescimento das importações”, afirma Wongtschowski, citando dados da Pesquisa de inovação (Pintec), feita a cada três anos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Na sua avaliação, os dados sobre P&D empresarial apresentados nos Indicadores do MCTIC podem estar superdimensionados. Em 2014, os Indicadores utilizaram dados da Pintec, que avaliou o esforço de inovação de mais de 130 mil empresas. Mas em 2015 e 2016, anos em que não há dados disponíveis da Pintec, é necessário realizar projeções. Segundo o MCTIC, as estimativas sobre P&D empresarial de 2015 e 2016 foram atualizadas com base em informações declaradas por um conjunto de empresas que utilizaram as isenções fiscais da chamada Lei do Bem para investir em P&D. “Enquanto esses números recentes se baseiam em apenas mil empresas, os da Pintec contemplam um universo muito mais amplo e fidedigno”, afirma.
Mesmo em 2014, quando estavam disponíveis dados coletados pela Pintec, há indícios de que as estimativas do MCTIC eram maiores do que a realidade. “Estimativas feitas com base na correlação entre dispêndios empresariais em P&D e a Formação Bruta de Capital Fixo [FBCF], um dos componentes do PIB, indicam mesmo que a estimativa do MCT está superdimensionada a partir de 2014. Em 2014, ano da última Pintec, o valor estimado pelo MCTIC excede em 10% o valor apurado pela Pintec, o que implica um erro no dispêndio nacional em P&D em 2014 de 0,05%”, afirma o diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz. A FBCF é o principal indicador das Contas Nacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e mede o quanto as empresas aumentaram seus bens de capital.
Segundo Renato Pedrosa, professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador do Programa FAPESP de Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação em São Paulo, as estimativas desenvolvidas pela FAPESP chegaram a resultados mais modestos sobre P&D das empresas em 2015 e 2016, adotando como referência, no lugar das informações das empresas beneficiadas pela Lei do Bem, justamente a FBCF, que, no caso mundial, mostra uma relação direta e forte com os dispêndios de empresas em P&D. “Essa metodologia tem se mostrado muito robusta, prevendo com relativa precisão os dados de dispêndios empresariais que as Pintec trazem quando são publicadas”, diz Pedrosa.
De acordo com essa metodologia, os dispêndios em P&D das empresas brasileiras em 2016 foram de R$ 29,8 bilhões, enquanto os Indicadores do MCTIC apontam um valor bem maior, de R$ 37,7 bilhões. “Tomando-se como referência 2014, ano em que foi realizada a Pintec, resultando em participação no PIB de 0,57% para os dispêndios das empresas, nota-se a divergência de estimativas nos anos seguintes: para FAPESP, em 2015 e 2016, esse indicador caiu, representando 0,52% e 0,48% do PIB, respectivamente, enquanto, para o MCTIC, subiu para 0,61% em 2015 e depois voltou a 0,57% do PIB, em 2016”, compara.
Uma divergência ainda mais significativa aparece nos dispêndios públicos estaduais em São Paulo, em que as estimativas do MCTIC são cerca de 70% maiores do que as da FAPESP para 2016. Conforme observa Pedrosa, as diferenças, que eram pequenas em 2010, passaram a crescer depois desse ano e chegaram a mais de R$ 4 bilhões em 2015 e 2016. Segundo as estimativas do MCTIC, os dispêndios estaduais cresceram de R$ 5 bilhões em 2010 para R$ 10,6 bilhões em 2016. Já nas estimativas do programa da FAPESP, foram de 4,89 bilhões em 2010 para R$ 6,3 bilhões em 2016. “Em um contexto de recessão a partir de 2014, não se esperaria crescimento nos dispêndios estaduais. As estimativas da FAPESP mostram que houve um pico em 2013, queda em 2014 e pequena oscilação, depois disso. Esses dados são compatíveis com os orçamentos das universidades paulistas do período”, afirma Pedrosa.
Segundo o MCTIC, os investimentos em P&D feitos nos estados brasileiros em 2016 mantiveram a mesma distribuição de anos anteriores. São Paulo foi responsável por 71,7% do total de dispêndios, seguido por Rio de Janeiro (7%), Paraná (6,6%), Bahia (2,5%), Minas Gerais (2,2%) e Santa Catarina (1,7%). A maioria das unidades da federação conseguiu aumentar seus investimentos em P&D em 2016, em comparação ao ano anterior. Entre as exceções, destacaram-se Distrito Federal (queda de 50%), Santa Catarina (-17,2%) e Rio de Janeiro (-7,3%).
Em consulta feita pela ABC e pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o novo presidente da República, Jair Bolsonaro, propôs como meta até o final de seu mandato elevar para 3% do PIB os dispêndios em P&D. O objetivo é mais ambicioso do que a proposta feita pelo governo federal em 2016 no documento Estratégia nacional de ciência e tecnologia, que buscava alcançar 2% do PIB em P&D até 2019. As promessas de aumento desse percentual acontecem frequentemente. O capítulo sobre o Brasil da edição de 2010 do Unesco Science Report relata que, em 2003, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia prometido expandir os dispêndios para 2% do PIB em 2006. Em 2007, quando a intensidade estava em 1,07% do PIB, o governo anunciou planos para elevá-lo a 1,5% em 2010. O capítulo brasileiro, assinado pelo diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, e por Hernan Chaimovich, presidente do CNPq entre 2015 e 2016, mostra que entre 2002 e 2008 a intensidade dos dispêndios de P&D no Brasil avançou 10%, indo de 0,98% do PIB para 1,09% do PIB no período. O crescimento dos dispêndios foi mais lento do que a evolução do PIB no período, que teve taxa acumulada de 27%.
Queda nos investimentos das empresas em P&D em 2014 e 2015 pode ser maior do que a estimada pelo governo federal
No capítulo sobre o Brasil na edição de 2015 do Science Report da Unesco, de autoria de Renato Pedrosa e Hernan Chaimovich, uma nova promessa é observada, agora para 2014: o Brasil deveria atingir 0,90% do PIB em dispêndios privados em P&D. Isso novamente foi frustrado. Segundo o MCTIC, a taxa foi de 0,60% do PIB para os dispêndios privados em P&D em 2014, incluindo ensino superior privado, e manteve-se nesse nível em 2016. Uma queda do investimento medido pela FBCF também é registrada, quando havia a promessa de elevá-lo a 22,4% do PIB. Em 2016 estava em 15,5%, inferior aos 19,9% registrados em 2014, em valores corrigidos pela inflação. Em 2018, o investimento vem mostrando recuperação, atingiu 16,9% do PIB no 3º trimestre do ano.
No documento encaminhado à ABC, o novo presidente da República também propôs “uma gestão eficiente e focada em resultados para atingir não apenas a meta de investimento, mas também o resultado desse investimento para a população” e uma sinergia maior do MCTIC com outros ministérios em projetos nas áreas de saneamento, saúde, novas energias e no combate à seca no Nordeste. Davidovich, da ABC, concorda que é preciso criar no país uma agenda nacional de desenvolvimento que integre o trabalho dos pesquisadores e das universidades. “A inovação tecnológica é fundamental para aumentar o PIB de um país e garantir investimentos, mesmo em meio a crises é importante para superá-las, como fazem nações como a China, a Coreia do Sul e a Alemanha”, afirma. “Uma agenda para o desenvolvimento científico e tecnológico poderia privilegiar áreas em que temos vantagens, como a biotecnologia aplicada à biodiversidade, as energias renováveis e a agricultura. Um ministério da ciência e tecnologia com uma visão transversal é uma ideia interessante.”
A economista Fernanda de Negri, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), lançou recentemente o livro Novos caminhos para a inovação no Brasil, em que enumera desafios para destravar o desenvolvimento no país, como tomar medidas para ampliar o dinamismo da economia, fortalecer a infraestrutura científica e elevar a seletividade na distribuição de recursos para pesquisa. Ela ressalta a importância de ampliar o impacto e o alcance da ciência que o Brasil produz e sugere orientar parte dos investimentos públicos em P&D para a solução de grandes problemas da sociedade, como a melhoria da mobilidade urbana e da gestão do sistema público de saúde ou o desenvolvimento de energias renováveis. Fernanda de Negri cita a estratégia da National Science Foundation, principal agência de apoio à ciência básica nos Estados Unidos, que escolheu 10 grandes temas de interesse da sociedade para concentrar investimentos, como a construção de uma infraestrutura para dar suporte à ciência de dados, a análise do impacto da tecnologia no futuro do trabalho e o esforço para conjugar diferentes disciplinas na solução de problemas de pesquisa. Na sua avaliação, porém, a recuperação dos investimentos públicos em ciência e tecnologia é pré-requisito para iniciar a mudança. “Embora exista uma agenda de mudanças que precisa ser implementada no sentido de melhorar a gestão das universidades, internacionalizar a pesquisa e melhorar a infraestrutura científica, é preciso, antes de tudo, recompor o nível do investimento público e a capacidade do governo de gerar políticas públicas para a inovação”, diz a economista.
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