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Resenha

Fazer e ajudar a fazer ciência

Ciência em tempo de crise: 1974-2007 | José Israel Vargas | 380 páginas, R$ 45,00

Livro fundamental para entender o campo científico

Mais de 3 décadas de observação fina e engajada da política científica e tecnológica no Brasil, algumas vezes a partir de postos francamente privilegiados ocupados pelo autor para examinar suas engrenagens endógenas, sem perder de vista influências internacionais que ajudavam a conformá-la, resultaram num livro indispensável para quem precisa ou simplesmente quer entender o atual campo institucional da ciência e tecnologia no país, como chegamos a ele e suas relações com algumas áreas-chaves das atividades humanas, a exemplo da educação. O livro é Ciência em tempo de crise: 1974-2007, de José Israel Vargas, organizado por Márcio Quintão Moreno e lançado no final do ano passado pela editora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Em suas 380 páginas estão reunidos textos de palestras, conferências e artigos para publicações especializadas produzidos pelo ex-ministro da Ciência e Tecnologia no governo Itamar Franco que, a par de revelar muito das suas inquietações políticas e éticas ante os desafios propostos por diferentes projetos de desenvolvimento consistente para o país, repõem em termos factuais o desdobramento de programas e políticas de grande impacto das últimas décadas, para o bem ou para o mal, a exemplo do programa nuclear e do Proálcool.

Os 20 capítulos do livro se organizam por quatro partes: Educação, Política científica e tecnológica, Energia e meio ambiente e Ética e cooperação internacional. São títulos que mostram a universalidade do pensamento de Vargas. O alcance tanto pode abranger Minas Gerais, o estado natal do autor, com seus bons cientistas e intelectuais, quanto o planeta com seus desafios energéticos e ambientais – mais freqüentemente, no entanto, circunscreve o país. E aí transita de remotas raízes históricas que parecem estar na base da fragilidade da evolução do pensamento científico entre nós a inspiradas antecipações de questões que têm papel crucial nos debates contemporâneos sobre o desenvolvimento do país.

Na parte sobre Energia e meio ambiente, por exemplo, Vargas diz a certa altura que “a produção de etanol tem interesse estratégico óbvio” e argumenta que “é fundamental ocupar-se o país com melhorias na tecnologia de produção de álcool, desde a maior racionalização da exploração agrícola até o emprego de novos procedimentos técnicos que se encontram em desenvolvimento aqui e em vários países, com vistas à diminuição do custo desse produto, sob pena de se acumularem novos óbices ao nosso desenvolvimento econômico”. Inclui a seguir, entre os exemplos marcantes de melhoramentos possíveis, “a introdução de novas variedades mais produtivas de cana-de-açúcar na agricultura brasileira” e “a utilização de hidrólise ácida, microbiana e viral da celulose proveniente de várias fontes” (pp. 232-233). O que causa espanto é que essas palavras, tão atuais nas pesquisas sobre bioenergia, foram proferidas na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) há quase 30 anos.

Em relação a mudanças climáticas globais, nota-se essa mesma capacidade de pensar para o futuro, e já em 1990, numa conferência realizada na Fundação Biominas, Vargas previa que seria exigido da comunidade internacional “maior cooperação multilateral” e um “estilo de desenvolvimento crescentemente condicionado ao respeito do meio ambiente, patrimônio de todos, e indispensável atenção aos interesses vitais das gerações futuras” (p. 244).

Licenciado em química pela Universidade Federal de Minas Gerais em 1952, mas ligado posteriormente à física, campo em que sua formação se consolidou na Universidade de São Paulo (USP) e no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), com doutorado em ciências nucleares pela Universidade de Cambridge, Israel Vargas faz desfilar por seu livro nomes fundamentais da constituição da física no Brasil, rendendo-lhes homenagens. É entretanto extremamente crítico com políticos que em seu entendimento contribuíram de maneira dramática para os descaminhos da pesquisa científica no país. E entre reflexões e projeções socioeconômicas amparadas em tabelas, gráficos e fórmulas de prospecção, algumas que já hoje parecem padecer de excesso de determinismo matemático, o ex-presidente da Academia de Ciências do Terceiro Mundo, entre muitos outros cargos científicos, acadêmicos e diplomáticos dentro e fora do Brasil, reaparece neste livro, para usar uma definição a seu respeito de sua própria lavra, como um homem que fez ciência, primeiro, e depois ajudou muitos outros a fazer ciência.

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