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Carta do editor | 82

Clube seleto

Foi um ano difícil. Arrecadação em baixa, dólar em alta, dúvidas quanto à condução da economia no próximo ano e um cenário internacional imprevisível. No meio de tudo, os pesquisadores seguem trabalhando. E há o que comemorar. A capa desta edição é prova de que a ciência e a tecnologia brasileiras continuam avançando. Duas pequenas empresas nacionais, a Hormogen Biotecnologia e a Genosys Biotecnologia, desenvolveram, separadamente, as primeiras doses de hormônio de crescimento humano (hGH). O Brasil importa cerca de um 1 milhão de doses por ano, a um custo de US$ 15 milhões. Em 2003 esse quadro vai mudar – graças às parcerias promovidas por essas empresas com laboratórios também nacionais, o país entrará no seleto clube das nações exportadoras do medicamento. Hoje, apenas Suécia, Dinamarca, Estados Unidos e Itália dominam as técnicas de engenharia genética que produzem o hormônio.

Há outros exemplos de inovações tecnológicas promissoras em outras áreas. Pesquisa FAPESP tem destacado a maioria deles, que começam a ser pensados ainda nas bancadas dos laboratórios e percorrem um longo caminho até chegar ao mercado. Parte deles recebeu financiamento do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP, que continua apoiando diversas iniciativas semelhantes. É um indicativo seguro de que mais boas notícias surgirão dentro de um prazo médio.

Também a médio prazo, todos os que trabalham com biologia receberão boas novas. Está nos ajustes finais um software que permitirá a integração de bancos de dados com informações detalhadas sobre espécies de plantas, animais e microrganismos do Estado de São Paulo. A ideia é expandir essa rede para poder integrá-la a uma futura rede mundial que trate do tema com tal abrangência, que teremos uma espécie de catálogo de toda a vida na Terra, acessível pela Internet. O projeto é ambicioso e ainda é preciso criar uma rede igual à de São Paulo para todo o Brasil. O final desse trabalho ainda está distante, mas a parte paulista anda a passos largos.

Outro trabalho que caminha muito bem e em que já é possível notar resultados trata de obesidade e diabetes. Equipe do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo revelou que a grande variação nas taxas de uma proteína transportadora de glicose, o Glut 4, em certos tecidos, parece ser determinante para a ocorrência dos dois problemas. A descoberta poderá ser a chave para evitar o acúmulo de gordura e o diabetes do tipo 2. Para isso, será preciso criar um modo de reduzir a produção do Glut 4. A trilha está aberta, mas há muito que desbravar.

Em Humanidades, também há muito que descobrir. Os comunicólogos procuram saber qual o status real da área da comunicação. A ciência que estuda a mídia seria de fato uma ciência? E, se for, que lugar ocupa dentro das ciências humanas? Por que os especialistas dessa área parecem tão distantes do objeto que estudam? O debate é internacional, embora no Brasil ele alcance níveis institucionais e políticos por envolver organismos de fomento como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Um ano com essas novidades, avanços e debates em ciência e tecnologia não pode ser considerado ruim para o setor. A entrevista com o filósofo carioca Leandro Konder, autor do recém-lançado Questão de Ideologia , nos dá mais esperança de tempos melhores. Nela, ele reafirma sua crença no marxismo – mas despido do caráter doutrinário, que aprisiona, gera cobranças e cria dificuldades de abertura para o novo – e fala de ideologia, religião, Carlos Drummond de Andrade e de seu amor pelas aulas para os alunos de graduação. Por todos os temas ele passa com sabedoria e tranqüilidade. Um alento para 2003.

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