NegreirosNão desconfie de um texto que se inicia com um clichê, pois, no caso da relação entre os brasileiros e a democracia, a melhor definição é uma surrada citação de Churchill: “Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos”. É cada vez mais raro encontrar quem suspire de saudades de um “governo militar forte”, mas é igualmente complexo achar quem confie em políticos, juízes, policiais e outros representantes do Estado. “A democracia brasileira está relativamente consolidada, mas ela enfrenta um paradoxo: apesar do apoio majoritário ao regime democrático, quase dois terços dos brasileiros não confiam em parlamentos, partidos, governos, tribunais de justiça, polícia e serviços de saúde e educação”, afirma o cientista político José Álvaro Moisés (USP), que, ao lado de Rachel Meneguello (Unicamp), é um dos coordenadores do Projeto Temático A desconfiança dos cidadãos nas instituições democráticas, apoiado pela FAPESP.
“Dados históricos sugerem que os brasileiros aceitam o modelo de democracia de Churchill: uma preferência crescente pelo regime democrático é acompanhada por uma desconfiança das instituições representativas, o que leva a uma falta geral de interesse e a um engajamento reduzido na política convencional”, nota Rachel. Entre 1989, a primeira eleição direta, e 2006, a última, a valorização da democracia cresceu 21% (de 43,6% para 64,8%) entre a população, ao mesmo tempo que caiu em mais de 13% (de 38,6% para 25,5%) o número de cidadãos incapazes de definir o que é democracia. Ao mesmo tempo, a percepção negativa das instituições cresceu, atravessando todos os segmentos de renda, escolaridade e idade, influindo cada vez mais na disposição dos cidadãos para participar em processos de escolha de governos. “As pessoas aderem à democracia, mas não confiam, na prática, que suas instituições possam ou queiram mudar a vida delas. Podemos até ter nos convertido numa democracia eleitoral, já que os estudos mostram que a adesão democrática está fundada, sobretudo, na idéia de escolha política, voto e eleições. Mas estamos longe de ser uma democracia efetiva, em que predominam temas como lei, direitos civis e equilíbrio político”, nota Moisés.
Erosão
“Na verdade, a erosão da confiança no sistema representativo é um fenômeno que atinge as várias sociedades há pelo menos duas décadas. Embora a democracia mantenha o estatuto de melhor forma de regime existente, a perda de credibilidade no parlamento, nos partidos e nos políticos é uma tendência crescente”, observa a pesquisadora. Segundo Moisés, certa dose de desconfiança é aceitável e pode ser um sinal sadio de distanciamento dos cidadãos de uma dimensão da vida social sobre a qual eles têm pouco controle. “São os cidadãos críticos, ou seja, aqueles que, apesar da sua severa avaliação do desempenho das instituições da representação, não viraram suas costas para o regime democrático ou seus princípios. São séculos de aperfeiçoamento que criaram uma reserva de legitimidade que, nos períodos de crise das instituições, desencadeou um aprofundamento da democracia, e não seu falecimento.” A situação é diversa em países recentemente democratizados na América Latina, Ásia, Europa do Leste e África. “As instituições democráticas criadas para ocupar o lugar das autoritárias surgiram associadas com a expectativa de uma nova fase de vida das sociedades. Mas a cultura política tradicional, em vários casos, mudou mais devagar ou perdurou. Assim, diante desses déficits surgiram ondas de atitudes ambíguas, descrença e desconfiança.” Em países como o Brasil, essa desconfiança, em vez de gerar uma onda de maior participação e de pressão por reformas, produziu alienação, cinismo, desinteresse, baixa participação política e mesmo preferência por modelos de democracia sem partidos e sem Congresso.
“A desconfiança em excesso, em especial associada à insatisfação com o desempenho do regime, pode significar que, tendo em vista suas expectativas e experiências, os cidadãos percebem as instituições como algo diferente daquilo para o qual se supõe que elas tenham sido criadas.” No limite, continua, indiferença ou ineficiência institucional diante de demandas sociais, corrupção, fraude ou desrespeito de direitos de cidadania geram suspeição, descrédito e desesperança, comprometendo a aquiescência, a obediência e a submissão dos cidadãos à lei e às estruturas que regulam a vida social. “A desconfiança generalizada e contínua pode causar dificuldades de funcionamento do regime democrático, comprometendo a capacidade de coordenação e de cooperação social de governos e do Estado. Há o risco de se criar um desapreço em relação a instituições fundamentais como parlamentos e partidos políticos.” Moisés adverte que o conhecimento sobre as conseqüências que esses fenômenos podem gerar ainda é limitado. “Levarão ao desejo de aperfeiçoar o sistema ou, ao contrário, servirão para formar uma base social potencialmente mobilizável em situações de risco por forças antidemocráticas? Não podemos responder ainda com segurança.”
Uma linha de pesquisa que se mostrou produtiva para entender a desconfiança de instituições seria, segundo Moisés, a confiança interpessoal, isto é, a confiança dos indivíduos em relação aos demais cidadãos da comunidade. “Quando os índices de confiança interpessoal são baixos, como no Brasil e quase todos os países da América Latina, é difícil encontrar fundamentos para a existência de laços entre os cidadãos, autoridades e as próprias instituições. Pesquisas também mostram que quando as instituições funcionam bem isso pode estimular a confiança interpessoal. Ou seja, são dois fenômenos interativos e mutuamente influentes”, analisa. A confiança em instituições estaria baseada no fato de os cidadãos compartilharem uma perspectiva comum relativa ao seu pertencimento a uma comunidade política, uma circunstância implícita na justificação normativa das instituições. Afinal, a própria democracia moderna, nota, nasceu da desconfiança liberal de que quem tem poder não é confiável e que é preciso vigiá-lo para evitar abusos. Daí a adoção de regras, já que a democracia implica supervisão do exercício do poder.
Regras
“A desconfiança precisa ser ‘institucionalizada’ pelas regras; porém, para que isso ocorra, é preciso que todos aceitem que as regras garantam o seu direito de controlar as circunstâncias que geram desconfiança. Ou seja, a institucionalização da desconfiança supõe a existência de uma cultura de confiança para funcionar.” No caso específico do Brasil, a história recente não ajudou muito nessa criação de uma “confiança básica”. “A democratização resultou de iniciativas de liberalização de dirigentes do antigo regime militar seguidas de negociações com as lideranças democráticas, mas o primeiro presidente civil foi escolhido pelo Congresso Nacional seguindo regras dos governos militares”, explica o pesquisador. A Constituição de 1988 trouxe ainda mais um complicador: o presidencialismo de coalizão, ou seja, a governabilidade dependeria da delegação de poder que o presidente recebe da maioria parlamentar integrante das coalizões governativas. “Basta que nos lembremos de eventos recentes, envolvendo trocas espúrias de favores, para perceber como isso pode afetar a percepção dos cidadãos sobre o sistema democrático, aprofundando o descrédito da opinião pública sobre partidos e Congresso, reforçando a tradição brasileira de personalização das relações políticas, em que lideranças individuais se sobrepõem às instituições de representação.”
Esse foi um processo gradual. “Após duas décadas de regime militar observa-se que a Nova República não foi capaz de redimensionar a relação dos cidadãos com a política representativa. Foi criada uma consciência de que o significado da democracia estava ligado à idéia de escolha eleitoral e a soluções para demandas sociais”, nota Rachel. “A retórica da transição privilegiou eleições diretas para presidente como a ferramenta central para redimir a democracia brasileira, ao mesmo tempo que empurrava para escanteio estruturas representativas, que passaram a ser vistas como mecanismos secundários.” Paralelamente, a democratização tinha que enfrentar sérias questões econômicas, que viraram referência do que seria um governo bem-sucedido, ou seja, aquele capaz de dar conta delas e dos problemas sociais. “Para o cidadão comum, o cotidiano, a atuação do governo, o sistema democrático e as instituições não tinham nenhuma ligação entre si.” Afinal, notam os pesquisadores, ter eleições é indispensável para o sistema, mas elas, por si sós, não garantem uma democracia funcionando em todo o seu potencial. “Democracias eleitorais não atendem necessariamente a todos os critérios segundo os quais um sistema político autoritário se transforma em democrático. É uma questão de qualidade da democracia”, observa Moisés, que chama a atenção para vários casos atuais de “falácia eleitoralista”, isto é, a tendência de privilegiar as eleições sobre outras dimensões da democracia. “Dados indicam que o processo democrático brasileiro parece limitado pelas suas formas de avanço: as eleições concentram seu capital de apoio e é o desempenho das lideranças eleitas e das bases institucionais que concentram a satisfação com o sistema”, nota Rachel.
Dessa forma, mais do que uma identificação estreita com o sistema democrático e suas estruturas, esse abraçar a democracia surge como algo relacionado ao valor universal da escolha livre que gera uma dinâmica eleitoral apenas a cada dois anos. “Referências institucionais relacionadas ao sistema representativo não emergem em associação direta com a preferência pelo regime democrático ou com a avaliação de seu desempenho. A satisfação se revela em como se dá a percepção da eficiência do governo atual”, explica a autora. Segundo ela, a avaliação do desempenho da democracia é menos associada à dimensão institucional e à gestão do sistema. “A avaliação prioriza a percepção e a avaliação do governo federal escolhido. A significativa identidade com o governo Lula é um bom exemplo disso. Há para os cidadãos uma distinção clara entre a dimensão da adesão democrática e da satisfação com a democracia tal como ela funciona.” Os estudos feitos revelam uma particularidade nacional. “Os referenciais que para os cidadãos fazem a ‘ponte’ com a avaliação do sistema estão mais associados ao seu cotidiano e às experiências de sua relação com o Estado, os serviços públicos.” Mas, alertam os pesquisadores, há sutilezas no processo.
NegreirosEficácia
Nos anos 1970 e 1980, a passagem da desconfiança para a confiança era vista exclusivamente como função da boa performance econômica dos governos, como se apenas a eficácia instrumental contasse. “Isso, porém, ajudou pouco a explicar por que mesmo países com bom desenvolvimento econômico também convivem com a desconfiança nas instituições. Hoje sabemos, pelas pesquisas, que o desempenho econômico é importante, mas o universalismo, a impessoalidade, o sentido de justiça e a probidade com que as instituições tratam os cidadãos são fatores decisivos”, analisa Moisés. Assim, certos eventos políticos recentes foram fatores de mobilização democrática do público, como o Plano Real e as políticas sociais do atual governo. “São fatores que estimularam a adesão à democracia. É bastante provável que eventos dessa natureza resultem, a médio e longo prazos, em fatores favoráveis à diminuição da desconfiança.” Essas dimensões normativas (socioculturais) podem dar motivos para as pessoas confiarem ou não nas instituições e para se assegurarem que elas podem funcionar em seu benefício. Se isso não acontecer, os números podem trazer surpresas desagradáveis. Segundo o estudo, cerca de 30% dos eleitores acreditam que a democracia pode funcionar perfeitamente sem o Congresso ou os partidos políticos, o que, segundo Moisés, é um recado forte às legendas e ao Legislativo. No caso dos partidos, os índices de reprovação chegam a 80,6% em 2006; o Congresso ganhou um porcentual de crítica de 71,9%. Deputados e senadores receberam um lance de 59,7% dos entrevistados, que consideram seu desempenho ruim ou péssimo.
Bombeiros
Segundo a pesquisa do projeto, o cidadão médio brasileiro desconfia ativamente de quatro das mais importantes instituições políticas do regime democrático (partidos, Congresso, governo e presidente) e tampouco confia nas leis. Ao mesmo tempo, ele é cético em relação às outras três: polícia (só 8,7% confiam muito), Poder Judiciário (apenas 10,9%) e Exército (21,1%). Só há grande confiança nos bombeiros (53,2%), fato explicado pelo seu passado de eficiência e pela dissociação, no imaginário popular, do serviço com instituições democráticas. A TV gera expectativas díspares: 7,9% não confiam em nada que venha dela, enquanto 11,9% confiam muito na “telinha”. A satisfação total com a democracia só reúne minguados 2,7% dos pesquisados. Assim, no Brasil, nenhuma instituição política tem a confiança total e inequívoca de mais de um terço dos cidadãos (com exceção dos bombeiros, do Exército e de instituições privadas como a Igreja e a televisão). “Os brasileiros expressam uma confiança relativa no presidente, mas essa confiança é provavelmente confundida com o apoio pessoal a presidentes recentes como Fernando Henrique Cardoso e Lula, os mais bem avaliados desde o fim da ditadura”, afirma Moisés. “Logo, apesar de a democracia nacional ter mais de 20 anos, as instituições democráticas não alcançaram ainda um padrão de resposta satisfatória para as aspirações dos cidadãos”, continua. Mesmo modernizações e avanços recentes não afetaram isso: confiança em estranhos, por exemplo, continua a ser maior do que a fé em partidos e um pouco menor do que a confiança depositada no Congresso Nacional.
Um dado curioso: ao contrário do que se verificou em países vizinhos, sexo e religião não têm nenhuma influência na confiança política. “Na contramão das previsões que afirmavam que o Brasil pertencia a uma categoria cultural baseada na hierarquia religiosa ibérica e nas tradições autoritárias, os brasileiros mostraram que tendem a definir suas atitudes de confiança baseados em suas experiências e no julgamento político que advém delas”, observa o pesquisador. Os resultados confirmam que os indivíduos misturam valorações racionais sobre o desempenho das instituições com valores políticos com os quais eles julgam suas experiências dentro do regime democrático existente. Quando as instituições provam ser dignas de sua confiança, os brasileiros não aceitam mais que é possível funcionar sem um Congresso. A desconfiança política, por sua vez, afeta negativamente os sentimentos de nacionalidade, a confiabilidade das eleições, a satisfação com o regime democrático e tanto a tendência a participar de pleitos como o sentimento de que a democracia pode funcionar sem partidos políticos. Outro ponto importante do estudo é que o nível educacional pode ser relevante na participação política, mas não é garantia de maior apoio às instituições representativas. “Os que têm maior nível educacional são mais participantes, mas muito mais críticos, desvalorizam os partidos porque avaliam negativamente o papel que eles estão efetivamente desempenhando. Mas, nesse caso, essa visão crítica, antes de solapar a legitimidade do sistema democrático, representa uma demanda de seu aperfeiçoamento”, avalia o autor. Na mesma categoria de “cidadãos críticos” estão os indivíduos que se autoposicionam à esquerda. Eles também são desconfiados com as instituições democráticas.
Ao mesmo tempo, observa Moisés, é interessante notar que no Brasil a probabilidade de apoio a uma democracia sem partidos políticos e sem Congresso Nacional é maior do que na América Latina como um todo. “Em outras palavras, os resultados da insatisfação com a democracia e a desconfiança do modo de funcionamento das instituições afetam, no caso dos brasileiros, as suas percepções e convicções a respeito do regime democrático”, avalia o pesquisador. O modelo resultante da pesquisa mostrou que apenas colombianos, equatorianos, panamenhos, paraguaios e venezuelanos têm maior razão de probabilidade de optar pelo modelo de “democracia sem Congresso”, enquanto a escolha de uma “democracia sem partidos” é maior entre bolivianos, colombianos, equatorianos, guatemaltecos, panamenhos e paraguaios. “O caso do Brasil indica que há maior probabilidade de os brasileiros se definirem como ambivalentes, ou seja, há mais riscos de que seus cidadãos escolham alternativas de regimes que excluam o parlamento e os partidos políticos.” Isso seria mais uma evidência, nota o pesquisador, de que nem o desempenho dos governos, nem o das instituições parece capaz de assegurar aos cidadãos que suas expectativas quanto ao regime são realizáveis. As elites políticas parecem ter dificuldades para perceber a gravidade da situação ou não se sentem encorajadas a resolver os problemas para que a oferta democrática satisfaça a demanda da cidadania.
“Ao contrário de certo consenso que se estabeleceu na ciência política, no caso brasileiro, a questão remete para a atualidade da reforma política.” Segundo o cientista político, há na América Latina uma onda de neopopulismo, ou seja, governos com apoio das massas e que, ao mesmo tempo, tendem a dar pouca importância para as instituições da democracia representativa, o caso de países como Venezuela, Bolívia e Equador. Nesses casos, analisa, governos personalistas ampliam sua legitimidade não apenas com políticas públicas populares, mas com ataques diretos contra partidos, o parlamento e as cortes supremas. “Isso representa um claro perigo para a democracia, porque, em vez de ‘empoderar’ os cidadãos, tornam-nos dependentes de lideranças carismáticas e plebiscitárias; exacerba o poder destas e impede a distribuição do poder entre os cidadãos.”
NegreirosIgualdade
Seja como for, os dados confirmam que as experiências dos cidadãos influenciam a questão da confiança política, sugerindo que ela está associada com a vivência de regras, normas e procedimentos que decorrem do princípio de igualdade de todos perante a lei. “Mas os dados também sugerem que essa atitude depende do impacto do funcionamento concreto tanto das instituições como de governos”, lembra Moisés. Não se trata de um comportamento gratuito ou irracional, mas pautado em como o cidadão se sente tratado pelas instituições que podem levá-lo a valorizá-las ou desprezá-las. Nenhum brasileiro gosta de desrespeitar as leis e regras se sentir que seus interesses são levados em conta no processo político. “A atmosfera de desconfiança, de descrédito é que compromete a aquiescência dos indivíduos às leis.”
Há, porém, dois pontos fundamentais extraídos dessa pesquisa sobre a desconfiança nacional. “A síndrome da desconfiança está mais associada com a indiferença em face das alternativas a respeito do regime político e, com menos intensidade, com a preferência pelo autoritarismo. Ou seja, a desconfiança e a insatisfação geram distanciamento, cinismo e alienação em relação ao regime”, aponta Moisés. “Mas esses cidadãos desconfiados e, ao mesmo tempo, insatisfeitos com o funcionamento da democracia são aqueles que, colocados diante de alternativas antiinstitucionais, preferem um regime democrático para o qual os partidos e o parlamento têm pouca importância.” Para o cientista político é como se os pesquisados confirmassem a permanência de aspectos notórios da tradição política latino-americana, como o populismo. “A medição das instituições tipicamente democráticas é pouco valorizada. As novas democracias latino-americanas misturam ingredientes democráticos com traços de sobrevivência autoritária”, nota. “É uma natureza ‘delegativa’, associada à hipervalorização do Executivo e das lideranças personalistas e carismáticas, das quais os eleitores esperam quase tudo, em detrimento da sua expectativa sobre o papel das instituições cuja função é permitir que eles se representem e falem com voz própria na vida pública. Acontecimentos recentes em vários países do continente parecem confirmar essas conclusões”, recorda o cientista político. O lado bom é que o Brasil, para os pesquisadores, não se enquadra inteiramente nesse cenário. “No nosso caso, a corrupção é o exemplo mais claro do funcionamento deficitário dos mecanismos de accountability. O meu diagnóstico é que isso afeta a qualidade da democracia brasileira, como também o precário desempenho do parlamento.”
Para Moisés, embora o horizonte nacional não indique a presença de ventos autoritários, é preciso cautela e, reforçando, uma reforma política. Segundo ele, a fidelidade partidária e o financiamento de campanhas seriam medidas que ajudariam a diminuir os riscos desses índices de desconfiança. “A experiência de práticas de corrupção envolvendo governos, partidos políticos e membros do Congresso Nacional, sem que os meios institucionais de controle sejam considerados efetivos, ajuda a explicar a escolha que tantos fazem de modelos de democracia ‘sem partidos e sem parlamento’.” Para o pesquisador, resta saber se esse processo de progressiva deslegitimação das instituições básicas da democracia representativa poderá ser usado, a médio ou longo prazos, para alimentar alternativas antidemocráticas. Cabe entender a frase de Bernard Shaw, “a democracia é um sistema que faz com que nunca tenhamos um governo melhor do que merecemos”, em sua devida e justa proporção.
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