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WCSJ

Combate à fome requer compreender a complexidade de sistemas alimentares

Além de desafios nutricionais, formatos para comunicar a ciência também foram destaques em painéis da Conferência Mundial de Jornalistas de Ciência

Socióloga Jennifer Wiegel durante painel na Conferência Mundial de Jornalistas de Ciência

Christina Queiroz

Com a presença da socióloga Jennifer Wiegel, gerente para a América Central e pesquisadora de comportamento do consumidor e sistema alimentar da Aliança de Biodiversidade Internacional e do Centro Internacional de Agricultura Tropical (Ciat), o painel de encerramento da 12ª edição da Conferência Mundial de Jornalistas de Ciência (WCSJ), que aconteceu até o dia 31 de março em Medellín, na Colômbia, tratou dos desafios que o mundo enfrenta para garantir segurança alimentar à população. Em sua palestra, Wiegel abordou o conceito de sistema agroalimentar, que envolve “a jornada da comida da fazenda até a mesa”, ou seja, desde seu cultivo, pesca ou caça, passando pelo processamento e empacotamento, até chegar à distribuição, venda, preparo, ingestão e descarte. “Isso significa que as pesquisas que buscam soluções para o problema da fome devem ser multidimensionais, abarcando aspectos socioculturais, econômicos, ambientais e políticos”, afirmou a socióloga. Como tendência geral, Wiegel apontou que alguns desafios globais para assegurar a segurança alimentar envolvem a baixa qualidade das dietas, o acesso desigual à comida e a falta de sustentabilidade de sistemas produtivos. “Conforme levantamento da Aliança de Biodiversidade Internacional e do Ciat, os sistemas alimentares são, hoje, responsáveis por 28% das emissões de gases causadas por humanos”, afirmou.

Considerando as especificidades dos sistemas alimentares de cada país, a socióloga sustenta que é preciso desenvolver estudos que permitam diagnósticos detalhados, conforme as realidades locais. Nesse sentido, Wiegel desenvolve estudo para conhecer as características do sistema alimentar de Cali, na Colômbia, desde 2015, identificando que cerca de metade das famílias do município vive em situação de insegurança alimentar. Segundo a análise, uma das fragilidades do sistema alimentar de Cali é o alto nível de desperdício de comida, um dos mais elevados da Colômbia. Segundo ela, de acordo com esse diagnóstico, a estratégia para reduzir a insegurança alimentar da população da cidade passa pelo desenvolvimento de ações para diminuição de desperdício. “Mesmo com baixos níveis nutricionais da população, descobrimos, por outro lado, que a comida representa elemento fundamental na economia da cidade”, diz.

A pesquisadora também realiza estudos no Quênia, país da África Oriental, sendo Nairobi, a capital, um dos principais pontos de atenção. “Na cidade, cerca de 21% da população tem deficiência de ferro e 83% de zinco. As pessoas costumam consumir muita banana, mas não outras frutas”, conta, ao apontar um dos achados do trabalho. Isso significa que para melhorar a nutrição da população daquela cidade africana seria necessário, por exemplo, aumentar a diversidade de frutas, que são comercializadas por vendedores e mercados locais, diferentemente da situação de Cali, em que um dos focos centrais envolve a diminuição do desperdício de comida.

Em outro painel, sobre confiança na ciência, do qual participaram jornalistas e pesquisadores latino-americanos, portugueses e africanos, Andrés Roldan, diretor-executivo do Parque Explora, museu interativo de ciências em Medellín, abordou a necessidade de aumentar o capital social de cientistas, conceito que se refere à capacidade de esses profissionais influenciarem decisões da sociedade. “Cientistas têm um capital cultural alto, mas, quando pensamos em seu capital social, ele é muito inferior ao de celebridades”, comparou. Para Roldan, aumentar a confiança na ciência passa, necessariamente, pela tarefa de fazer com que os cientistas aumentem seu poder de influência, por exemplo, em espaços como as redes sociais. O jornalismo de ciência pode ser um grande aliado nesse processo, da mesma forma que museus dedicados ao conhecimento, segundo ele.

Por sua vez, na perspectiva da epidemiologista peruana Magaly Blas, outra palestrante na sessão, é preciso buscar estratégias para conquistar a confiança do público, em distintos contextos socioculturais. Baseada em sua experiência de pesquisa na Amazônia, ela explica que, entre os povos originários com quem trabalha, informações veiculadas por comunicadores indígenas têm mais credibilidade do que as demais. “Por causa disso, quando quero repassar informações médicas às comunidades, peço a ajuda deles”, comenta.

Outro painel que debateu formatos de comunicação envolveu jornalistas do site Mongabay, que acompanha a produção nas áreas de ciências ambientais, energia e meio ambiente. Diretora da versão do portal dedicada à cobertura do contexto latino-americano, Maria Isabel Torres falou sobre como adaptar conteúdos em diferentes formatos para o site, por meio de infográficos, vídeos e fotografias, além de produzir material adaptado para distintas redes sociais. “É vital para o jornalismo saber combinar formatos”, defendeu. De acordo com ela, alguns assuntos são mais atraentes quando publicados no TikTok, por exemplo, enquanto outros merecem reportagens em formatos mais tradicionais. Além disso, ela disse que o Mongabay, publicado em 12 idiomas, incluindo inglês, espanhol, hindi, português e indonésio, tem buscado não apenas o engajamento do público, mas ampliar sua incidência no debate político e social. “Muitas pessoas que não deveriam atuar nas redes sociais disseminam desinformação, enquanto meios sérios e éticos de jornalismo não conseguem relevância em alguns debates. Precisamos encontrar formas de ampliar a ocupação desse espaço”, defendeu.

Essa foi a primeira vez que a Federação Mundial de Jornalistas de Ciência (WFSJ) organizou a Conferência Mundial de Jornalistas de Ciência em um país da América Latina. As sessões foram realizadas de 27 a 30 de março. No dia 31, pesquisadores e jornalistas acompanharam atividades em laboratórios, museus e centros de pesquisa. O evento ocorre a cada dois anos. O próximo, em 2025, deverá ocorrer na África do Sul ou no Nepal, países que se candidataram para recebê-lo.

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