Imprimir Republicar

AGROPECUÁRIA

Como fazer a terra render mais e manter a biodiversidade

Ajustes nas técnicas de trabalho poderiam elevar a produção de grãos em 25% e a de carne e leite em 113%, sem aumentar a área utilizada

O aumento de produção previsto para o trigo é de 12%

Léo Ramos Chaves

Os municípios de São Miguel dos Campos, em Alagoas, Ipiaú, na Bahia, Guaxupé, Cambuquira e Extrema, em Minas Gerais, Tapiratiba, Canas e Areias, em São Paulo, Videira, em Santa Catarina, e Marau, no Rio Grande do Sul, estão entre os 178 municípios brasileiros mais aptos para conciliar agropecuária e conservação da vegetação nativa. Outros 2.536 dos 5.570 municípios do país são considerados de alto valor para conservação ambiental e com alto potencial agrícola, de acordo com um estudo publicado em fevereiro na revista Scientific Reports.

Essa conclusão se apoia na estratégia poupa-terra (land sparing), que se baseia em dois pilares: o aumento da produtividade agropecuária sem ampliar a área cultivada e destinando parte do espaço para conservação ou restauração da vegetação nativa. De acordo com o estudo, o Brasil poderia aumentar em 25% a produção de sete culturas agrícolas – mandioca, milho, arroz, sorgo, soja, cana e trigo – e em 113% a de carne e leite, também sem expandir a área utilizada para essas atividades.

Léo Ramos Chaves A pecuária de carne poderia dobrar a produção com ajustes nas técnicas de trabalhoLéo Ramos Chaves

“Comparei a produção atual e o potencial de produção de cada município, com base em modelos internacionais de produtividade, para ver a produtividade adicional que cada um poderia ter”, explicou a tecnóloga em agropecuária Juliana Silveira dos Santos, pesquisadora de pós-doutorado no Laboratório de Ecologia Espacial e Conservação (Leec) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Rio Claro, e principal autora do estudo.

Durante cinco anos, ela analisou informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dos censos Agropecuário 2006 e Demográfico 2010 e mapas do Centro de Sensoriamento Remoto (CRS) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento – (Lapig) da Universidade Federal de Goiás para examinar seis restrições, com variáveis sociais, econômicas e ambientais, que determinam os ganhos de produtividade e serviram para classificar os municípios. São elas: acesso dos produtores rurais à assistência técnica; nível educacional da população rural; segurança de posse de terra; oferta de mão de obra; excedente de vegetação nativa por município; e déficit de vegetação nativa, de acordo com as leis ambientais (ver quadro Restrições).

Em uma primeira etapa, Santos verificou que 2.714 municípios brasileiros poderiam aumentar a produtividade e tinham áreas potenciais de vegetação nativa para serem conservadas ou restauradas. Em seguida, ela os classificou, usando informações sobre as restrições.

“A maioria dos municípios classificados tem potencial para aumentar a produtividade, mas muitos precisam melhorar as políticas de conservação, que podem não estar sendo respeitadas”, observou Santos. Segundo ela, os municípios com mais restrições precisarão de um esforço maior para superar a falta de acesso dos produtores à consultoria técnica, segurança da posse de terra e qualidade da fiscalização das leis ambientais, por exemplo, com políticas públicas locais.

A indicação de municípios ou regiões com potencial para ganhos de produtividade agropecuária e a apresentação de argumentos lógicos como os dessa pesquisa são fundamentais para orientar políticas públicas municipais, avalia o economista Francisco de Assis Costa, professor do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará (Naea-UFPA). “Em arranjos locais, pode haver uma coalização de forças diferentes que podem estabelecer regulamentos, apontar caminhos e iniciar processos de desconstrução do que já existe e não está funcionando satisfatoriamente”, sugere Costa.

São Paulo e Minas Gerais
A maioria dos 178 municípios mais aptos a conciliar agropecuária e conservação ambiental está em São Paulo (38%) e Minas Gerais (32%), 7,8% estão no Paraná; 7,3% no Rio de Janeiro; 6% no Rio Grande do Sul; 2,8% em Santa Catarina; 2% em Alagoas; 1% na Bahia; e 0,5% no Espírito Santo. Apenas 0,5%, ou seja, uma cidade, está na região Norte (ver lista de municípios).

Nos estados de São Paulo e Minas, que apresentaram a maioria dos municípios com menos restrições, há instituições de pesquisa agrícola antigas e fortes, como o Instituto Agronômico de Campinas e a Escola de Agronomia Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP); em Minas, desde a década de 1920 funcionam os cursos de agronomia das universidades federais de Viçosa (UFV) e de Lavras (Ufla), lembra o economista Antônio Márcio Buainain, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

No entanto, há também desafios à fiscalização. “Na rodovia Fernão Dias, que liga São Paulo a Minas Gerais, é possível ver um aumento de condomínios que avançam na serra da Cantareira, reduzindo as áreas de vegetação nativa”, menciona Buainain. Segundo ele, o aumento de produtividade para a produção de grãos e pecuária estimado na pesquisa “poderia trazer um enorme impacto para a economia”. Mas é preciso considerar o que ele chama de heterogeneidade tecnológica – os diferentes níveis de adoção de tecnologias entre as regiões brasileiras –, que resulta em maior ou menor produtividade.

Eduardo Cesar A produção de milho no Brasil poderia aumentar 31% mantendo a área plantadaEduardo Cesar

O economista alerta ainda para o risco de os produtores utilizarem a área poupada, que seria destinada à conservação, para produzirem mais. É o chamado “efeito rebote”. “Esse efeito pode acontecer porque, com o aumento da produtividade, o produtor poderá ser instigado a abrir novas áreas e a não conservar a nova parte da terra. Essa conservação, que é parte da prática do land sparing, só será garantida por políticas ambientais e pela fiscalização delas”, afirma Santos.

Na Amazônia Legal, ela argumenta, o desmatamento sofreu uma queda entre os anos de 2007 e 2013. Em consequência de um pacto entre produtores rurais, organizações não governamentais e órgãos do governo, que ganhou o nome de Moratória da Soja, a produtividade agrícola aumentou, sem ocupar novas áreas. “O mercado internacional bloqueou a soja vinda das novas áreas desmatadas e houve também o aumento da fiscalização sobre o Código Florestal”, diz. Como mostrado no artigo na Scientific Reports, a expansão de áreas protegidas de vegetação nativa, o registro de terras, o aumento do monitoramento ambiental por satélite, as restrições ao crédito contribuíram para o sucesso dessa iniciativa, renovada em 2016 indefinidamente.

O cenário atual, no entanto, não é animador.  A taxa de desmatamento na Amazônia Legal aumentou 30%, com a derrubada de 9.762 quilômetros quadrados  de floresta, entre agosto de 2018 e julho de 2019, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). “Não basta existirem leis; é preciso capacidade técnica de visualização e acompanhamento com agilidade do que acontece no dia a dia. Mais: é preciso que o Estado tenha vontade política para instalar esses aparatos, que podem impedir a grilagem de terras”, recomenda Costa.

Até o final de abril, Costa coordenou o Sistema Geográfico de Informação Fundiário (SIG Fundiário), plataforma que integra dados de cartórios e órgãos públicos do Pará e mostrou que 22,7 milhões de hectares (ha) de terras privadas e 18,5 milhões de ha de terras públicas na verdade não existem, por terem sido registradas mais de uma vez. Segundo ele, os resultados iniciais do SIG-F indicam que as práticas de poupança de terra combinando produtividade com preservação encontram grandes obstáculos.

As seis limitações
Cada uma pode influenciar o esforço para conciliar produção e conservação

Acesso à assistência técnica: porcentagem de produtores rurais, por município, que receberam algum tipo de assistência técnica para ajudá-los a adotar práticas mais sustentáveis e produtivas.
Educação: porcentagem de pessoas com 25 anos ou mais, residentes em domicílios particulares, que completou o ensino médio.
Segurança fundiária: porcentagem de produtores rurais com posse legal da terra ocupada (dono da terra, arrendatário ou área concedida por órgão fundiário).
Oferta de mão de obra: número de pessoas economicamente ativas na área rural de cada município.
Vegetação nativa passível de desmate: área vulnerável ao desmatamento legal, de acordo com o Código Florestal Brasileiro, por município.
Déficit de vegetação nativa: área em hectares, por município, que deveria ser reflorestada, de acordo com o Código Florestal Brasileiro.

Veja a lista dos municípios com até três restrições para conciliar produção e conservação ambiental

Projeto
Proposta de um framework integrado e operacional para monitorar a qualidade das áreas em processo de restauração no bioma Mata Atlântica (no 19/09713-6); Modalidade Bolsas no Brasil ‒ Pós-doutorado; Pesquisador responsável Milton Cezar Ribeiro (Unesp); Bolsista Juliana Silveira dos Santos; Investimento R$ R$ 203.497,56.

Artigo científico
SANTOS, J. S. dos et al. Characterising the spatial distribution of opportunities and constraints for land sparing in Brazil. Scientific Reports. v. 10, artigo 1946, p. 1-11. 6 fev. 2020.

Republicar