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ética

Conferência mundial discute integridade da pesquisa

Evento acontece no Rio de Janeiro até o dia 3 de junho

do Rio de Janeiro

Mais de 500 pesquisadores de cerca de 200 instituições de 55 países estão reunidos, até 3 de junho, no Rio de Janeiro, para discutir questões relacionadas à integridade da pesquisa científica, ou seja, aos valores éticos que definem a ética profissional do cientista.

A Conferência Mundial sobre Integridade Científica, aberta no último domingo, dia 31/5, é realizada pela primeira vez na América Latina. Em sua quarta edição, copatrocinada pela FAPESP, aborda diversos temas, como o do impacto sobre a integridade na pesquisa dos sistemas de avaliação de pesquisadores fundados em métricas que privilegiam a quantidade de artigos publicados em periódicos científicos e as citações recebidas. Um dos temas centrais é o da responsabilidade das instituições de pesquisa pela promoção de uma cultura de integridade entre seus pesquisadores, particularmente pela implantação de programas de educação e treinamento para a disseminação, em todos os estágios da carreira dos pesquisadores, dos valores que definem as boas práticas científicas. “Ainda há uma longa jornada para que o Brasil implemente amplas políticas educativas em integridade científica. No entanto, 200 brasileiros participam do evento, o que mostra que está na hora de avançarmos”, disse uma das principais organizadoras da conferência, Sonia Vasconcelos, professora do programa de Educação, Gestão e Difusão em Biociências do Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Melissa Anderson, pesquisadora da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos, e membro do comitê organizador da conferência, também insistiu que o objetivo é debater não apenas a responsabilidade dos pesquisadores em relação à conduta responsável na ciência, mas também o papel das instituições e agências de apoio à pesquisa. “A consolidação de medidas para combater práticas de pesquisa danosas depende da dedicação de todos os atores envolvidos nos sistemas de ciência e tecnologia em cada país”, afirmou. Uma das iniciativas que serão apresentadas nesta semana é a do Comitê de Liberdade e Responsabilidade na condução da Ciência (CFRS, na sigla em inglês), criado em 2006 pelo Conselho Internacional para a Ciência. Em 2011, o comitê aprovou um estatuto no qual a liberdade aparece como um princípio fundamental para o desenvolvimento científico. A entidade defende, contudo, que a liberdade de expressão, de comunicação e de acesso a dados e a fontes de financiamento seja conquistada por meio do compromisso de pesquisadores e instituições com valores como imparcialidade, credibilidade e transparência.

Sabine Kleinert, editora executiva da revista científica The Lancet e também membro da organização do evento, disse que, além de iniciativas como a do CFRS, existem guias de boas prática disponibilizados na internet por universidades e agências de fomento. “Instituições brasileiras podem aprender o que outras nações fazem há mais tempo em relação à integridade científica e acelerar o processo de consolidação de seus próprios programas”, sugeriu. No entanto, disse ela, é preciso considerar diferenças culturais e históricas entre os países. “Os ambientes de pesquisa variam de lugar para lugar. A implementação de programas e medidas necessita de uma avaliação prévia das particularidades locais do ambiente de pesquisa.”

O Escritório de Integridade de Pesquisa dos Estados Unidos (ORI, na sigla em inglês), por exemplo, investiga não apenas fraudes em pesquisas no país, como está atento às mais de 400 instituições de outros países que colaboram com grupos de pesquisa norte-americanos. “Escritórios como o ORI podem ajudar a estabelecer redes de integridade científica, capazes de compartilhar investigações sobre pesquisas que envolvam colaboração internacional. Quando juntamos especialistas de diferentes países, é possível identificar problemas em comum”, disse Zoë Hammatt, diretora da divisão de educação e integridade do ORI.

Experiência brasileira
Apesar de ser apontado como líder na América Latina em iniciativas sobre integridade científica, o Brasil ainda não conta com programas educacionais na área, avaliou Helena Nader, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), durante a cerimônia de abertura da conferência. “A ciência brasileira é jovem, quando comparada à de outros países, inclusive do continente latino-americano. Isso também atrasou ações efetivas no campo da integridade científica”, disse ela.

Nos últimos anos, porém, a situação vem mudando positivamente, em sua avaliação. Como exemplo, Helena Nader mencionou o Código de boas práticas científicas lançado pela FAPESP em setembro de 2011, um conjunto de diretrizes éticas para a atividade profissional dos pesquisadores que recebem bolsas e auxílios da Fundação. O documento, disse Helena, serviu de referência para que outras instituições, como a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), também criassem seus próprios guias.

“Formar pessoas para de fato pensarem a integridade na pesquisa é outra coisa”, alerta Helena. “Além dos guias, é preciso ensinar os pesquisadores, desde cedo, a lidarem de maneira responsável com a produção científica. Hoje, já na escola, os jovens utilizam as novas tecnologias de comunicação, como tablets e smartphones, para fazer trabalhos, muitas vezes copiando textos sem saber que aquilo constitui plágio. O problema da integridade científica tem origem no ensino médio”, afirmou.

“A realização dessa conferência no Brasil é um marco importante no caminho para o enraizamento da cultura de integridade no cotidiano da pesquisa brasileira”, disse Luiz Henrique Lopes dos Santos, membro do comitê organizador local e representante da FAPESP na abertura do evento. “Mas ainda estamos no início de um processo, e cabe às agências de fomento estimular as instituições de pesquisa a reconhecerem a necessidade de sua participação nesse processo.”

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