Desde que se formou em medicina, há cerca de seis meses, Israel Fontes Dutra tem se dedicado ao atendimento de populações indígenas em Manaus, no Amazonas. Integrante da etnia Tuyuka, Dutra é um dos 71 egressos da Escola Superior de Ciências da Saúde da Universidade Estadual do Amazonas (UEA) que, em abril deste ano, tiveram a colação de grau antecipada para reforçar o atendimento de pacientes da Covid-19.
“A cerimônia de colação aconteceu pela manhã e à tarde eu já estava dando entrada no meu registro profissional”, conta Dutra, que na sequência ainda faria seu primeiro plantão em uma unidade de pronto atendimento (UPA) da cidade de Manaus. “Foi um sentimento controverso de felicidade pela colação e de tristeza por encontrar o hospital repleto de pacientes em estado bastante grave”, explica. Por dominar as línguas tukano e tuyuka, Dutra integra duas equipes de atendimento do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) do município.
Nascido há 47 anos na comunidade Mercês, no igarapé Cabari, distrito de Pari-Cachoeira, em São Gabriel da Cachoeira, Dutra formou-se em filosofia em 1999 pela Universidade Católica de Brasília. Em 2005, concluiu a graduação em matemática, pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), e, no ano seguinte, iniciou a pós-graduação em dois programas simultaneamente.
No mestrado em geografia humana, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), pesquisou as relações de parentesco entre os povos Tukano de Pari-Cachoeira, no Brasil, e os Tuyuka de Trinidade, na Colômbia. No mestrado em ciências sociais, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), investigou xamanismo e princípios rituais de pajelança dos Tuyuka.
A decisão de cursar medicina veio logo depois de receber os títulos de mestre e foi motivada pelo impacto de depoimentos de conterrâneos indígenas, sobre as deficiências no atendimento médico e a falta de assistência aos moradores do Alto Rio Negro, território com uma das maiores concentrações de indígenas do país – o povo Tuyuka é uma das 23 etnias que vive na região. “Nas minhas pesquisas de campo, percebi que houve uma perda da tradição de formar novos pajés. Muitos acabam morrendo sem transmitir os conhecimentos para as novas gerações, o que termina por deixar a comunidade ainda mais vulnerável”, explica.
Durante a graduação, quando realizou estágios na Fundação de Dermatologia Tropical e Venereologia Alfredo da Matta (Fuam), em Manaus, Dutra gravou uma série de vídeos na língua tukana sobre doenças como hanseníase e tuberculose e coordenou o projeto de produção de vídeos nas línguas paumari, tikuna, marubo, nheengatu, baniwa e tukana com orientações sobre prevenção da Covid-19. O material foi distribuído pelo programa Telessaúde Fuam.“Até então as orientações não estavam sendo bem compreendidas nessas áreas. Como as campanhas eram feitas apenas em língua portuguesa, os indígenas não entendiam seu conteúdo”, explica.
Detentor de conhecimentos em áreas tão distintas, Dutra diz que a formação eclética tem sido de grande valia em sua atuação no campo da saúde. Filho de pajé, ele ressalta a importância dos saberes ancestrais para a prática da nova profissão. “São universos diferentes, mas que se complementam na busca pela prevenção, tratamento e cura de doenças, bem como pela manutenção da vida.”
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