O sistema elétrico brasileiro, baseado principalmente em hidrelétricas, gerou 416 mil gigawatts/hora em 2006. Desse total, cerca de 21% perderam-se durante as etapas de geração, transmissão e distribuição. Parte desse desperdício poderia ser evitada se as 64 empresas de distribuição que operam no país contassem com softwares mais sofisticados que as auxiliassem na rápida tomada de decisões, revertendo falhas técnicas e operacionais do sistema. A boa notícia é que, desde julho deste ano, a Cientistas Associados Desenvolvimento Tecnológico, empresa de base tecnológica de São Carlos, no interior paulista, oferece um novo aplicativo capaz de ajudar as concessionárias a planejar e gerenciar melhor suas operações. Trata-se de um sistema computacional que mostra imagens em três dimensões, com base na tecnologia SIG (sistemas de informação geográfica), que cria um ambiente virtual, interativo e georreferenciado na tela do computador dos operadores responsáveis pela gestão do sistema elétrico nacional. SIG são sistemas automatizados utilizados para armazenar, analisar e manipular dados geográficos.
Batizado de ENS3D (de energy network system 3D), o software fornece três ambientes de visualização. O primeiro, chamado de diagrama unifilar ou temático, é uma representação do sistema elétrico de determinada região. Ele dá uma visão precisa de todos os elementos da rede (postes, transformadores, chaves, cabos e linhas de transmissão), que são expressos por meio de círculos, quadrados e traços. O segundo ambiente é um mapa de navegação em duas dimensões da cidade, que permite a localização geográfica do que está sendo representado no diagrama temático. O fundo desse mapa é uma foto do satélite norte-americano QuickBird, que oferece imagens de alta resolução da superfície da Terra. O terceiro ambiente de visualização, o SIG 3D, é uma maquete tridimensional da cidade. Com ela, o técnico tem uma representação real do lugar analisado. Além de contar com informações como latitude e longitude, ele consegue visualizar detalhes de sua topografia (elevações, depressões etc.) e das construções na área. Uma inovação do aplicativo está na adoção de uma interface homem-computador (IHC) integrada. A IHC é a área da computação que estuda a melhor forma de se relacionar com o computador e interagir com o software. Os três ambientes são sincronizados e ao se movimentar um dos ambientes os outros dois também se deslocam de forma georreferenciada.
“A grande vantagem de nosso aplicativo é que ele facilita a visualização de situações complexas, cuja representação só seria possível por meio de um grande volume de mapas ou documentos. E, ao possibilitar uma melhor compreensão das relações espaciais existentes entre os elementos do sistema elétrico analisados, permite, de forma interativa, que o usuário faça uma interpretação mais ágil e precisa de uma grande quantidade de informações,” explica Antônio Valério Netto, fundador da empresa e líder do grupo que criou o aplicativo. Com isso é possível poder tomar decisões mais contextualizadas e com menos riscos de erro. “Errando menos, tem-se custos menores,” diz Valério.
Fluxo e fraudes
Um exemplo de decisão a ser tomada com base nas informações do ENS3D é o fechamento ou abertura das chaves que controlam o fluxo de energia elétrica pela rede. “A identificação rápida do contexto espacial onde estão os elementos elétricos do sistema de distribuição de energia na cidade, como nome de ruas ou prédios importantes existentes na região, é essencial para uma decisão sem erros. Os softwares convencionais utilizados atualmente pelas concessionárias não fornecem a riqueza de dados geográficos que o nosso oferece,” explica Valério Netto. O aplicativo também poderá ajudar as distribuidoras de energia no trabalho de inspeção da rede e no combate às fraudes. “O aplicativo cria mapas temáticos com a representação dessas fraudes de modo que o gestor pode definir um plano de ação mais eficiente e de menor custo, considerando a distribuição espacial das ocorrências.”
O software, ressalta Valério Netto, é inédito em sua concepção (três interfaces integradas, georreferenciadas e com ambiente tridimensional) e não tem concorrentes no Brasil. De acordo com ele, boa parte dos programas utilizados pelas empresas do setor elétrico foi desenvolvida nas décadas de 1980 e 1990 e, por isso, possui uma interface com limitações para exposição de conteúdo. “Apenas um número reduzido de distribuidoras conta com soluções que envolvem o SIG 2D, mas nenhuma utiliza o SIG 3D. A grande dificuldade de implantação de um sistema SIG está nos custos e prazos envolvidos. Normalmente, é uma decisão de alto escalão, da presidência ou da diretoria,” diz o dono da Cientistas Associados, empresa instalada no Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cinet) da Fundação Parqtec e que agrega profissionais das áreas de software e hardware em projetos distintos com o objetivo de produzir inovação (ver Pesquisa FAPESP n° 118).
O ENS3D levou dois anos para ficar pronto e seu desenvolvimento foi realizado por uma equipe multidisciplinar composta por pesquisadores da computação das áreas de engenharia de software, sistemas inteligentes e IHC, além de engenheiros (elétrico e cartógrafo) e arquiteto. O projeto viabilizou-se com o apoio financeiro da FAPESP por meio do Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe). O modelo de negócio adotado pela Cientistas Associados tem como objetivo vender o serviço de consultoria e implantação da tecnologia. Até o final de outubro, foram realizados alguns eventos de apresentação da tecnologia para as concessionárias do país. Além de auxiliar o gerenciamento do setor elétrico, o software também pode ser usado para outras finalidades, como planejamento urbano, otimização do sistema viário, análise de impacto ambiental, planejamento de infra-estrutura e monitoramento de sistemas de água e esgoto. “Já apresentamos nosso produto para três empresas de distribuição de água no estado de São Paulo e para várias secretarias municipais de desenvolvimento urbano e de habitação. Também fomos sondados por grandes condomínios de casas de alto padrão,” diz Valério.
O pesquisador e empresário está otimista quanto ao sucesso do produto e estima que, até o final de 2008, o software e o pacote de serviços vendidos em conjunto proporcionem receitas da ordem de R$ 1,2 milhão. “Detectamos um nicho de mercado não explorado no Brasil e na América Latina, que é o SIG 3D, e decidimos apostar nele”, diz Valério Netto. “Temos trabalhado na divulgação da tecnologia 2D e 3D para que ela represente pelo menos 40% do nosso faturamento nos próximos dois anos. Os projetos SIG possuem um valor agregado alto e podem ser integrados com outros aplicativos de gestão que já existam em empresas privadas e instituições governamentais”, explica.
O Projeto
Sistema computacional para redução de perdas em redes de distribuição de energia com interface em realidade virtual (nº 02/07862-3); Modalidade Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe); Coordenador Antônio Valério Netto – Cientistas Associados Desenvolvimento Tecnológico; Investimento R$ 264.328,90 (FAPESP)