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Conversa de sagui

Interação com os pais acelera o amadurecimento da capacidade de comunicação dos filhotes

Saguis ajudam a entender evolução da linguagem

Eduardo CesarSaguis ajudam a entender evolução da linguagemEduardo Cesar

Não é novidade para quem tem filhos ou já acompanhou o desenvolvimento de um bebê: a fala surge com sons aleatórios e aparentemente sem sentido que, aos poucos, começam a parecer associados a algum propósito. Nos seres humanos, o amadurecimento da capacidade de se comunicar nos primeiros meses de vida depende da interação do bebê com os pais. Essa dependência tornava os seres humanos diferentes de todos os outros primatas. Por muito tempo os especialistas pensaram que, nos outros animais, a capacidade de se comunicar pela emissão de sons mudava pouco com o desenvolvimento. Pensavam também que o que se alterava era consequência do crescimento físico e do amadurecimento do aparelho vocal. Um grupo de pesquisadores dos Estados Unidos, do qual participa um brasileiro, está mostrando que não é bem assim.

Em um artigo publicado na revista Science desta semana (14/8), que traz um bebê sagui na capa, a equipe liderada pelo neurocientista Asif Ghazanfar demonstra que os filhotes de sagui-do-tufo-branco (Callithrix jacchus) também aprimoram a capacidade de se comunicar por meio de vocalizações ao interagir com os pais.

“O tipo e a característica da vocalização dos saguis se altera consideravelmente no período inicial após o nascimento”, conta o médico e neurocientista brasileiro Daniel Takahashi, pesquisador do laboratório de Ghazanfar e primeiro autor do artigo. “Mas o desenvolvimento se acelera se eles interagem mais com os pais.” Takahashi registrou e analisou a emissões vocais de 10 filhotes de sagui-de-tufo-branco do primeiro dia de vida até os dois meses de idade, quando eles já se comunicavam com a mesma habilidade que os adultos. Ele monitorou especialmente um tipo de som que os pesquisadores chamam de “fi” (phee, em inglês).

São vocalizações que se parecem com um assobio agudo – “fiiiii, fiiiiiiiiiii” – e são usadas em várias circunstâncias da comunicação de grupos de saguis, sobretudo quando os macacos não estão em contato visual uns com os outros. Por isso, nos breves períodos de experimento, os filhotes não ficavam junto dos pais: ou estavam temporariamente separados, ou em lados diferentes da sala, de maneira que podiam ouvir uns aos outros, mas não ver.

Os pesquisadores queriam verificar se a capacidade de comunicação dos pequenos bebês evoluía do choro genérico às vocalizações mais específicas, de modo semelhante ao que se observa em seres humanos. Afinal, esses dois grupos de primatas compartilham um contexto social parecido: ambos vivem em grupos nos quais vários membros da família cuidam dos filhotes e a comunicação vocal é essencial no dia-a-dia. Os “fi” são sons emitidos pelos bebês saguis em situações nas quais um bebê humano choraria – por exemplo, quando ficam sozinhos, sem alguém conhecido por perto.

Os experimentos indicaram que há um forte paralelo entre o que ocorre com os saguis e os seres humanos – também com animais evolutivamente mais distantes, como aves, para as quais já se reconhecia que a interação social desempenha um papel importante no amadurecimento da vocalização. Para entender melhor como dá-se esse amadurecimento, o grupo de Princeton agora pretende se concentrar em estudos de neurodesenvolvimento, que podem indicar quais as partes do cérebro estão associadas aos diferentes tipos de vocalização e ao contexto em que são emitidos.

Além da proximidade evolutiva e das semelhanças com os seres humanos em termos de organização social, os saguis atualmente são um modelo de estudo importante. “É um primata brasileiro”, Takahashi ressalta, “e, agora que seu genoma é conhecido, ele é um modelo importante para estudar doenças como o autismo e a esquizofrenia”. Esses primatas pequenos e divertidos, com os tufos ao lado da cabeça, aparentemente ainda têm muito a contar.

Artigo científico
TAKAHASHI, D. Y. et al. The developmental dynamics of marmoset monkey vocal production. Science, v. 349, n. 6249, p. 734-738. 14 ago. 2015.

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