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Resenha

A criação do imperfeito fílmico

Manoel de Oliveira - Novas perspectivas sobre a sua obra | Carolin Overhoff Ferreira (org.) | Editora FAP-Unifesp, 264 páginas, R$ 40

Resenha_manoel-capaO que se deve felicitar antes de tudo a respeito da publicação de Manoel de Oliveira – Novas perspectivas sobre a sua obra é o estreitamento de laços Brasil-Portugal, não só por seu objeto, mas pela presença de artigos de pesquisadores portugueses. A compilação que ora se apresenta é uma espécie de produto tardio da safra de estudos que vieram à luz na esteira do centenário do cineasta em 2008. No livro há artigos mais panorâmicos, que analisam traços gerais do cinema de Oliveira, ou close readings de filmes específicos.

Entre as abordagens panorâmicas, a do artigo que abre a compilação é das mais instigantes. Thomas Brandlmeier atribui a Oliveira a criação do “imperfeito fílmico”, “um passado que ainda não acabou e que surge de repente, misturando-se com a narrativa do presente”, e que “não deve ser confundido com o flashback” (p. 19). Assim, como contribuição do diretor português à linguagem do cinema, o autor vê a construção de um “tempo em fluxo”, em que convivem e se justapõem diferentes níveis temporais (passado e presente, tempos históricos e cíclicos). Brandlmeier trata também da interação entre farsa e melodrama na obra do cineasta, que possibilita a crítica do código a partir de dentro. O artigo, que contou com boa tradução do alemão, dá uma dimensão do nível de elaboração estética que preside a obra de Manoel de Oliveira e de seu lugar na história do cinema, ainda que o diretor faça parte de uma cinematografia periférica como a portuguesa.

O artigo de Paulo Cunha discute a relação do cineasta com o Novo Cinema Português. Oliveira era já maduro quando do surgimento da movimentação de jovens cineastas em Portugal nos anos 1960 e havia ficado muito tempo sem filmar, dadas as dificuldades de produção no país até então. De acordo com Cunha, Oliveira foi tomado como bandeira pela nova geração, o que acabou permitindo o retorno do veterano à produção, no que se acreditava que seria seu último filme – mal se imaginava que o cineasta se tornaria mais produtivo do que nunca a partir dos anos 1990, já com 80 anos completos.

A direção de atores tem sido questão pouco estudada na historiografia e crítica do cinema, e a obra de Oliveira parece servir como uma luva para colocar luz sobre este assunto, como nos mostra o texto de Pedro Maciel Guimarães. Trata-se de um cinema em que o ator não se oblitera na personagem, mas permanece visível. O artigo de Fausto Cruchinho aborda o problema da representação da mulher na obra de Oliveira. O questionamento ao sexismo do cineasta soa peremptório por não encontrar confirmação em análises fílmicas aprofundadas, elaboradas talvez pelo autor em outros trabalhos seus. Quanto ao texto da organizadora do livro, Carolin Overhoff Ferreira, este trata das “implicações geopolíticas” da obra de Oliveira, que ela analisa, apoiando-se em trabalho de Dudley Andrew, de acordo com diferentes fases, que teriam levado o cineasta do “local” ao “global”.

Entre os ensaios que apresentam close readings de obras específicas de Oliveira, destaque-se o texto de Ana Isabel Soares sobre Acto de primavera (1963), em que estabelece diálogo com uma crítica de 1977 de Serge Daney, que havia visto o filme como um “folhado de história”. Ismail Xavier, a partir de seu repertório conceitual em torno da noção de alegoria nacional, oferece uma leitura crítica de Non, ou a vã glória de mandar (1990). Mauro Luiz Rovai põe o foco no curta-metragem A caça (1963); Paulo Menezes realiza análises paralelas de Douro, faina fluvial (1931) e de Porto da minha infância (2001); e Bernadette Lyra propõe uma leitura de Francisca (1981), “representação viva da saudade do cinema silencioso” (p. 146).

Faltou incluir no livro uma filmografia de Oliveira, que ficasse à mão do leitor pouco familiarizado com a sua obra, para que localizasse nela cada filme analisado. Teria sido útil, mesmo em tempos de internet. De toda maneira o que se deve ressaltar são os aspectos positivos desta publicação: a interação entre autores radicados em Portugal e no Brasil (além de um estudioso estabelecido na Alemanha); a mescla de discussão geral da obra do cineasta com análises fílmicas pormenorizadas; e a presença de uma bibliografia completa no final, nem sempre disponível em compilações.

Maria Alzuguir Gutierrez é doutoranda no Programa de Pós-graduação em Meios e Processos Audiovisuais da Escola de Comunicações e Artes (ECA), da USP.

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