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Perfil

Criatividade e perseverança

Como Conrado Wessel desenvolveu um novo papel fotográfico no Brasil

Conrado Wessel (sentado, terceiro da esq. para a dir.) com a diretoria da Kodak, em 1948, em Rochester

fundação conrado wessel Conrado Wessel (sentado, terceiro da esq. para a dir.) com a diretoria da Kodak, em 1948, em Rochesterfundação conrado wessel

E m 1916, três anos depois de ter voltado de Viena, na Áustria, o jovem Ubaldo Conrado Augusto Wessel (1891-1993) convenceu o pai, Guilherme, quanto à fórmula nova para o banho do papel fotográfico que vinha perseguindo: ela estava finalmente pronta, não obstante fossem necessários alguns aperfeiçoamentos. Guilherme não perdeu tempo e pediu orientação sobre registro de patente, em 10 de novembro, ao escritório Moura & Wilson, do Rio de Janeiro, representante da International Patent Agency. Rapidamente, em 13 de novembro, Moura & Wilson respondeu se dispondo a requerer o privilégio desde que fossem remetidos, já preparados, “todos os papeis, como sejam relatório, desenhos, etc., mediante a quantia de R$ 220,000”. Havia sido dado o primeiro passo para obter direitos pela invenção do papel fotográfico Wessel.

O novo papel começou a ser fabricado com sucesso em 1920 e o pedido de privilégio foi depositado no ano seguinte no Ministério da Agricultura. Em 26 de outubro de 1921, o presidente da República, Epitácio Pessoa, assinou a carta-patente no 12.267. Tratava-se de “novo processo para fabricação de material photographico, sensível à luz, para o processo positivo e negativo à base de emulsões de saes de prata ou gelatina, albumina ou collodio, servindo de supportes para estas emulsões papel, vidro, celluloide ou qualquer outro supporte que seja apropriado”, segundo o registro do documento. No mesmo ano, Conrado Wessel instalou sua fábrica na rua Lopes de Oliveira, 198. A caminhada para o total sucesso do empreendimento, porém, ainda não estava terminada.

O inventor teve de aperfeiçoar a produção até conseguir um papel confiável para o mercado e vencer a resistência inicial dos fotógrafos, seus clientes potenciais. Nos anos seguintes houve grande instabilidade política no país, como os episódios da revolta dos 18 do Forte de Copacabana, em 1922, e a revolução paulista de 1924. Nesse último ano, em particular, os fornecedores tradicionais de papel não conseguiam abastecer os fotógrafos em razão do conflito e eles começaram a usar aquele fabricado por Wessel. Quando veio a paz, ele já estava com sua primeira fábrica em plena atividade e um produto de primeira linha pronto, o cartão-postal Jardim. Em pouco tempo ganhou o mercado.

A produção cresceu com o passar dos anos e foi necessária uma fábrica maior, construída em 1949. Antes, o empresário já vinha sendo assediado por empresas do exterior. Tornou-se inicialmente fornecedor de grande parte do papel Kodak e, em 4 de julho de 1936, garantiu para a Kodak a totalidade da produção de papel, que ficou conhecido por muito tempo com o nome Kodak-Wessel. O prazo do contrato foi de 10 anos e, assim, em 1947, chegou a visitar a sede da Kodak em Rochester, nos Estados Unidos, para negociar a renovação da parceria por mais 10 anos com opção de compra de sua patente. Desse acordo surgiu nova fábrica, em 1949, e a partir de 1954 a patente passou definitivamente à companhia norte-americana, que difundiu o papel fotográfico Wessel pelo mundo todo.

Wessel em Rochester (1947)

Fundação Conrado Wessel Wessel em Rochester (1947)Fundação Conrado Wessel

Enquanto esteve à frente dos negócios, o empresário amealhou recursos e os aplicou em imóveis, legados ainda em vida para a Fundação Conrado Wessel, conforme testamento de 11 de maio de 1988 (ver documento na página 11). Após a morte em 1993, seu ideal se tornou concreto, com o registro da fundação em 24 de maio de 1994.

O sucesso alcançado por Conrado Wessel não foi produto do acaso. Ele investiu na própria formação, trabalhou seis anos pesquisando e levou outros cinco anos aperfeiçoando sua descoberta enquanto aguardava a aprovação oficial do governo, em 1921. Wessel nunca esteve sozinho nessa busca. Quando decidiu estudar no K.K. Graphischen Lehr und Versuchsanstalt, em Viena, ele sabia que o instituto era avançadíssimo na tecnologia gráfica, especialmente em fotografia. Sua pretensão era aprimorar- -se em fotoquímica e clicheria. Quem garantiu os recursos para isso foi o pai, que considerava a clicheria um segmento de muita perspectiva – em São Paulo, na época, só existiam três oficinas, todas com máquinas e processos primitivos.

Em Viena, Wessel iniciou seus estudos no instituto em julho de 1911 e terminou em dezembro de 1912. Seu objetivo principal estava no setor de fotoquímica que o instituto mantinha. Sua atenção, porém, visava ao uso do papel, à escolha do mais indicado para cada tipo de emulsão. Foi também em Viena que o então estudante fez o estágio profissional obrigatório em uma das mais importantes empresas especializadas na área de mídia, gráfica e fotografia, a casa Beissner & Gottlieb, finalizado em 1913.

Guilherme Wessel foi dono da Casa Importadora de Artigos para Photographia, aberta na rua Direita, 20, em 1902, e depois transferida para a rua Líbero Badaró, 48, provavelmente em 1905. Filho de pais alemães imigrados para Buenos Aires no século XIX, Guilherme viu os dois filhos nascerem na capital argentina, mas decidiu tentar a sorte no Brasil um ano depois do nascimento de Conrado, em 1892, inicialmente na cidade paulista de Sorocaba. Embora a família Wessel fosse uma tradicional fabricante de chapéus em Hamburgo, Alemanha, o pai de Conrado tinha fascínio por fotografia, paixão herdada pelo filho.

A última emulsão feita na fábrica usando bromuto como contraste, antes da passagem para a Kodak, em 1954

Fundação Conrado Wessel A última emulsão feita na fábrica usando bromuto como contraste, antes da passagem para a Kodak, em 1954Fundação Conrado Wessel

Em 26 de dezembro de 1908, a morte do filho mais velho, Georg Walter, auxiliar do pai na loja, leva-o a propor a Conrado assumir o lugar do irmão. O caçula, no entanto, preferiu “trabalhar no ramo fotográfico por conta própria”. Guilherme fechou o estabelecimento e encerrou a atividade comercial. Mas convenceu Conrado a ajudá-lo de outra forma: aperfeiçoar-se na Europa e trazer o equipamento para ambos trabalharem em São Paulo, com uma clicheria avançada. Enquanto isso, com o apoio de um amigo, H. Prault, Guilherme foi nomeado fotógrafo oficial da Secretaria da Agricultura, em 1909.

Em meados de setembro de 1911, quando Conrado já estava na Áustria, conheceu casualmente no instituto o professor Josef Maria Eder, especialista em química aplicada à fotografia e fundador do Instituto para Fotografia e Reprodução Técnica, hoje conhecido como Höhere Graphischen Bundes-Lehr-und Versuchsanstalt. Seu professor havia perguntado se Wessel já trabalhara com chapas secas. Ele disse que sim. Ato contínuo recebeu um original para reproduzir. Eram chapas que Wessel não conhecia, muito rápidas na secagem. Ao observá-las, calculou apenas cinco segundos para a exposição. Quando Wessel mostrou ao professor as reproduções que havia feito, Eder disse que estavam “muito boas”. A partir desse episódio, foi Wessel quem passou a fazer os trabalhos mais difíceis, em especial os destinados aos livros de Eder. Ganhou a confiança do professor, que o convidou a ir aos sábados ajudá-lo no laboratório.

Entre 1912 e 1913, ele conseguiu fazer o estágio na casa Beissner & Gottlieb. Lá foi seu grande laboratório. Em carta à família, datada de 14 de novembro de 1912, ele dizia: “Hoje eu terminei na Casa Beissner o meu estudo em fotografia (…). Fiz algumas chapas, e ele deu ao copista para copiar, ele copiou em colloidim e saíram umas cópias regulares, porém não o que eu queria. Eu disse ao senhor Beissner que daquelas chapas obteria melhor resultado, pois que eles desejavam copiar com contrastes, então ele me disse se eu podia fazer seria de grande vantagem. Eles compraram o papel que pedi, isto é: Velox”.

11 de maio de 1988: Wessel reinventa seu ideal e cria em testamento a Fundação Conrado Wessel

Fundação Conrado Wessel 11 de maio de 1988: Wessel reinventa seu ideal e cria em testamento a Fundação Conrado WesselFundação Conrado Wessel

O Velox foi escolhido por Wessel porque permitia usar luz artificial para revelar a fotografia. A escolha condizia com experiências feitas separadamente, sempre tendo em mira uma nova forma de papel fotográfico.

Quando voltou para São Paulo, em 1914, trazia na bagagem as máquinas e instrumentos que conseguiu adquirir na Áustria, na França e na Alemanha, uma clicheria completa que instalou para seu pai na rua Guayanases, 139. Ele, no entanto, logo percebeu que precisava estudar mais. Conseguiu inscrever-se na Escola Politécnica como aluno ouvinte e a cursou entre 1915 e 1919. Lá se tornou amigo e auxiliar de laboratório de Roberto Hottinger, titular da cadeira de bioquímica, físico-química e eletroquímica do curso de engenharia química.

Hottinger confiava-lhe a preparação do laboratório nas aulas práticas e o incentivava a continuar sua pesquisa. Foi durante esse período que o futuro empresário e benemérito da FCW consolidou e esmerou sua invenção, que viria a dar os frutos hoje colhidos pela fundação e destinados parte aos prêmios de arte, ciência, cultura e parte à filantropia.

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