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Resenha

Crítica e jornalismo na Belle Époque carioca

Trincheiras da crítica literária. O crítico José Veríssimo nos circuitos jornalísticos da belle époque carioca

O livro Trincheiras da crítica literária é a versão retrabalhada da tese de doutoramento da professora Rachel Bertol, da Universidade Federal Fluminense (UFF), defendida em 2016 no Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Os primeiros pressupostos, a partir dos quais o leitor é convidado a entrar na obra, explicitam os objetivos e os desafios metodológicos que ultrapassam a recolha e análise da produção de José Veríssimo (1857–1916), autor que já conta com significativa fortuna crítica. De fato, a atuação do crítico é o fio de Ariadne que permite revisitar os circuitos de circulação cultural vigentes na passagem do século XIX para o XX, o que pressupõe inserir suas colaborações não apenas na geografia do jornal, mas também considerar as complexas relações entre as posições defendidas e a linha editorial do veículo e, ainda, as transformações na própria prática jornalística, aí incluídos a crítica literária e os papéis que lhe foram atribuídos no período.

Para tanto, ao lado dos diferentes títulos para os quais Veríssimo escreveu, a autora mobilizou um conjunto versificado de fontes, algumas inéditas, a exemplo das cartas que ele trocou, por vários anos, com o diplomata Oliveira Lima (1867-1928). Já as inspirações teóricas são discutidas de forma detida na primeira parte, que também apresenta o personagem, a atuação no Pará, onde nasceu, a chegada ao Rio de Janeiro em 1891, o círculo de amizades e a maneira como vivenciou o esmaecimento da crítica literária oitocentista frente ao crescente prestígio da reportagem, personificada em João do Rio (1881-1921), por ele caracterizado como um “repórter sem cultura”.

Na segunda parte, flagra-se a atuação do recém-chegado no Jornal do Brasil. A rápida ascensão do republicano no cotidiano monarquista é instigante por explorar convergências improváveis, mas possíveis no conturbado contexto da época, revisitado a partir de ampla análise do periódico, em sintonia com a proposta metodológica, adotada pela autora para todos os impressos analisados. Em fins de 1891, o jornal de Rodolfo Dantas estampou a primeira crítica de Veríssimo.

Se o livro A educação nacional (1890), que lançou ainda em Belém, foi o passaporte para adentrar no jornalismo e postar-se ao lado dos críticos do regime republicano, a análise da produção editorial contribuiu para firmar o seu nome e permitiu-lhe relançar a Revista Brasileira (1895–1899), que logo se tornou polo agregador da intelectualidade, tanto que foi na sua redação que se discutiu a fundação da Academia Brasileira de Letras (ABL). A autora bem ressalta a importância do impresso, que permaneceu como modelo matricial de revista literária e cultural, fonte de inspiração para congêneres, a exemplo da Revista do Brasil (1916).

O crítico rigoroso colecionou admiradores, mas também se envolveu em controvérsias que lhe valeram não poucos desafetos. Se Veríssimo ocupou as páginas do vetusto Jornal do Commercio (1899), cabe destacar que foi recrutado quando da fundação de dois importantes veículos do campo oposicionista: o Correio da Manhã (1902) e O Imparcial (1912), o que bem atesta o prestígio granjeado e o destemor de assumir posições. Acusado de não ser suficientemente patriota, pecado também atribuído a Machado de Assis (1839-1908), autor que resenhou com rara sensibilidade, foi alvo de ataques mordazes de Silvio Romero (1851-1914). Sua sinceridade custou-lhe a amizade com Euclides da Cunha (1866-1909), a favor de quem intercedeu para a publicação de Os sertões e cuja resenha pautou parte significativa das apreensões posteriores da obra.

Os embates acerca da concepção e da função da atividade crítica, as polêmicas por conta das resenhas, o prazer e os dissabores que os juízos que emitia despertavam, no mais das vezes confidenciados na correspondência, permitem distinguir clivagens no campo intelectual, que ganham densidade analítica graças à perspectiva metodológica adotada. A proposta não se limita a brindar o leitor com a trajetória de Veríssimo, o que já seria muito meritório, mas também restitui a complexidade e as ambiguidades do ambiente e das instâncias culturais do período, dentre as quais o jornalismo – e mais particularmente a crítica literária – ocupava o centro da cena.

Tania Regina de Luca é professora do Departamento de História da Unesp e autora do livro A ilustração (1884-1892). Circulação de textos e imagens entre Paris, Lisboa e Rio de Janeiro (Unesp/FAPESP, 2018).

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