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Carta o editor | 36

C&T: Uma distinção cada vez mais sutil

Demanda espontânea e demanda induzida por recursos para pesquisa constituem hoje uma dupla com presença obrigatória na pauta de discussões da comunidade científica e dos gestores da política de C&T, no Brasil. Outros freqüentadores assíduos dessa pauta são pesquisa básica, pesquisa aplicada e tecnologia – e suas diferenças.

Em relação à demanda, já nos posicionamos, aqui neste mesmo espaço editorial, por um apoio indiscriminado aos dois tipos considerados. Enfatizamos a nossa visão de que importante é conseguir balancear sempre os dois termos dessa composição – demanda espontânea e demanda induzida. A posição da FAPESP tem sido clara nesse sentido: o orçamento de cada ano determina as cotas de cada programa individualmente, de forma a balancear sua demanda.

A demanda espontânea com mais freqüência dirige-se às pesquisas básicas, enquanto a demanda induzida, estruturando-se sobre uma visão pragmática de atendimento das necessidades mais imediatas da sociedade, inclina-se sobremaneira para as pesquisas aplicadas. Vale lembrar que a FAPESP não cria usualmente programas de indução baseados em prioridades temáticas. Com exceção do Genoma-FAPESP, temos seguido sempre um “corte horizontal” dos temas, ficando sua especificação por conta do pesquisador.

Essa discussão “puxa” uma outra, relativa às diferenças entre pesquisa básica e pesquisa aplicada. Retomando um pouco da história da Universidade, lembramos que os avós das atuais estruturas universitárias são as universidades de Bolonha e de Paris, do século XII. Sua razão de ser era o ensino. Bolonha, no ensino das leis, Paris, no da teologia. Logo a seguir, Salerno centra-se no ensino da medicina. Vieram depois Oxford e Cambridge, e seu ensino em artes, engenharia e arquitetura, leis e teologia. Imperava até então a lógica Aristotélica.

Mas essa lógica vai se revelar insuficiente para os novos tempos inaugurados pela Revolução Científica e pelo pensamento científico que, introduzidos nos currículos nos séculos XVI e XVII, trazem suas próprias regras. Lentamente, elas vão se incorporando à universidade. Segue-se a Revolução Industrial dos séculos XVIII e XIX, que tem, por seu turno, uma base de conhecimentos própria, ligada ao trabalho dos inventores, seja do tear, da máquina a vapor, da locomotiva – das primeiras máquinas, em suma -, que não precisou apoiar se diretamente em ciência sistematizada para concebê-las.

A Revolução Industrial leva a universidade a ampliar currículos para ciência e tecnologia. A universidade moderna tem seu modelo melhor estruturado com a Universidade de Berlim, fundada por Vilhelm von Humboldt, onde, ao lado dos conceitos de ensino e aprendizado, introduz-se e estrutura-se a idéia de pesquisa como prática que ordena o conhecimento científico.

A Revolução Industrial emergiu na universidade, mais especificamente na Universidade de Glasgow, Escócia, quando o projetista de instrumentos James Watt recebeu para conserto uma máquina a vapor ineficiente, inventada por Newcomen, e a aperfeiçoou a ponto de alavancar toda uma radical transformação da sociedade.

O modelo da universidade passa então a abrigar o convívio simultâneo, nem sempre harmônico, da ciência e da tecnologia, uma dando condições para a ampliação da outra e vice-versa.

Inicialmente a ciência teve pouca influência nessa Revolução. Contudo, já Francis Bacon dizia que “a ciência lidera diretamente a invenção e a aplicação”, uma antecipação de 200 anos sobre a futura estrutura da universidade. Afirmava também: “conhecimento é poder”.

Já no começo do século XX (com os laboratórios industriais de Thomas Edison e da General Electric), a distância entre ciência e tecnologia começava a se reduzir. Muito conhecimento da “ciência básica” nascia da pesquisa tecnológica, e não se conseguia desenvolver tecnologia sem o apoio da ciência.

Ciência e Tecnologia passaram a interagir muito profundamente.

Hoje está claro que as nações que conseguirem dominar o conhecimento global da ciência e da tecnologia conjuntamente, sendo capazes de transformá-lo em produtos de alta qualidade, terão melhores chances de sucesso. Isso conduz, inevitavelmente, ao entendimento de que as pesquisas modernas resultam do trabalho de equipes que operam multidisciplinarmente, transitando entre a Ciência e a Tecnologia.

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