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GEOLOGIA

Deformações em cristais de quartzo indicam queda de meteorito no Maranhão

Choque com a superfície formou uma cratera de 7 quilômetros de diâmetro, há cerca de 250 milhões de anos

As linhas indicam deformações microscópicas em cristais de quartzo, em consequência de alta pressão a que as rochas foram submetidas

REIMOLD, W. U. et al. Meteoritics & Planetary Science, 2022

Quase 40 anos depois dos primeiros estudos, finalmente os geólogos reuniram fortes evidências de que um meteorito atravessou a atmosfera terrestre, colidiu com a superfície e formou uma cratera de cerca de 7 quilômetros de diâmetro em Nova Colinas, município de 5.500 moradores no sudoeste do Maranhão, entre 200 milhões e 300 milhões de anos.

O que indicou a colisão foram as microdeformações em cristais de quartzo de rochas da cratera, comparadas com os de fora dela, que não apresentavam essas irregularidades. As cicatrizes no quartzo têm a forma peculiar de linhas paralelas com 2 micrômetros de extensão (1 micrômetro equivale a 1 milésimo do milímetro).

Entrevista: Marcos Vasconcelos
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As marcas nos cristais de quartzo resultaram de uma pressão estimada em até 30 bilhões de vezes maior que a da atmosfera a nível do mar. Tamanha pressão poderia ser gerada pelo choque de um meteorito ao alcançar a superfície a uma velocidade de 15 quilômetros por segundo (km/s).

“A alta velocidade produz muita energia cinética, equivalente à de várias bombas atômicas”, compara o geólogo alemão Wolf Uwe Reimold, da Universidade de Brasília (UnB) e principal autor do artigo publicado em julho na Meteoritics & Planetary Science detalhando esse trabalho. “As forças normais de formação das estruturas geológicas superficiais não chegam perto dessa magnitude.”

REIMOLD, W. U. et al. Meteoritics & Planetary Science, 2022O interior da cratera de Nova Colinas, com vegetação aberta, típica de Cerrado, cercado por mata densaREIMOLD, W. U. et al. Meteoritics & Planetary Science, 2022

A colisão de um meteorito sobre a superfície da Terra forma bordas como a queda de uma pedra sobre a água. Em Nova Colinas, porém, as margens, que deveriam ser mais altas que o interior, não são muito evidentes. “Como a cratera sofreu muita erosão, tivemos dificuldade para encontrar sinais de choque, mesmo depois de examinar as imagens de satélite”, conta o geofísico Marcos Vasconcelos, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), que percorreu a região em setembro de 2019 com Reimold. “As colinas e os afloramentos rochosos não tinham cara de rochas derivadas de um choque meteorítico.”

Chegaram ao local com dúvida e saíram com dúvida, mas colheram amostras de arenito para analisar. Reimold as levou para o Museu de Ciências Naturais de Berlim, onde trabalhava antes de se mudar para a UnB, em 2018. Em Berlim, seus colegas cortaram as rochas e poliram 35 lâminas de 5 por 25 centímetros (cm) e as enviaram para Brasília para análises com microscópio óptico. Seu colega Ludovic Ferrière, do Museu de História Natural de Viena, na Áustria, também as examinou e estimou a pressão a que a rocha teria de ser submetida para fazer o cristal formar as microdeformações.

“A análise das microdeformações é obrigatória como prova científica de que uma cratera foi formada por um meteorito”, diz Vasconcelos. Reimold reitera: “Havia pistas e indicações, mas não argumentos fortes.” Um estudo do Serviço Geológico do Brasil publicado em agosto de 2020 na Journal of the Geological Survey of Brazil havia sugerido que se tratava de uma cratera resultante da colisão de um objeto rochoso vindo do espaço, embora sem apresentar as linhas de rompimento nos cristais de quartzo, que poderiam confirmar essa hipótese.

Cortada por um rio e uma estrada de terra, a cratera de Nova Colinas abriga plantas típicas de Cerrado cercadas por uma floresta densa. As formas da vegetação refletem a diversidade de solos, segundo Teodoro Almeida, da Universidade de São Paulo (USP), que examinou imagens de satélite e fotografias da região.

Rodrigo Cunha

Outras análises registraram altas concentrações de três elementos químicos, tório, potássio e urânio, que teriam se desprendido do meteorito. Um estudo que reuniu pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da UFBA, aceito para publicação nos Anais da Academia Brasileira de Ciências, registrou esse fenômeno no Domo de Araguainha, a maior cratera de impacto do Brasil, com 40 km de diâmetro, formada há cerca de 250 milhões de anos, na fronteira entre Goiás e Mato Grosso.

Nova Colinas é a 9ª cratera de impacto confirmada no Brasil e a 11ª na América do Sul. No mundo, há quase 200 formações geológicas desse tipo. A maior está na África do Sul, com 250 km de diâmetro, e a mais antiga na Austrália, com mais de 2 bilhões de anos.

“Todas as estruturas de impacto são importantes, por mostrarem como os projéteis do espaço podem interagir com as rochas da superfície terrestre”, diz Reimold. Todo ano, de acordo com um levantamento publicado em abril de 2020 na revista Geology, cerca de 17 mil meteoritos chegam à Terra – ainda que a maioria se fragmente ao encontrar a atmosfera ou caia no mar, cerca de 150 toneladas de fragmentos atingem o solo.

Artigos científicos
BARBOSA DA SILVA, A. Identification of impact cratering-related similarities based on airborne geophysical data and satellite images: The Cabeça de Sapo Structure, Parnaíba Basin, Northeast BrazilJournal of the Geological Survey of Brazil. v. 3, n. 2, p. 97-111. ago. 2020.
EVATT, G. W. et al. The spatial flux of Earth’s meteorite falls found via Antarctic data. Geology. v. 48, n. 7, p. 683-7. 29 abr. 2020.
LEITE, E. P. et al. Gamma-ray spectrometry of the Araguainha impact structure, Brazil: Additional insights into element mobilization due to hydrothermal alteration. Anais da Academia Brasileira de Ciências. v. 94, p. 1-16, 2022.
REIMOLD, W. U. et al. Nova Colinas, Maranhao state: A newly confirmed, complex impact structure in Brazil. Meteoritics & Planetary Science. On-line. 3 jul. 2022.

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