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Ecologia

Demarcação favorece reflorestamento de terra indígena na Mata Atlântica

Oficialização da posse de territórios confere mais proteção à floresta, segundo estudo

Aldeia Guarani Mbyá na ilha do Cardoso, sul do litoral paulista, preserva Mata Atlântica em seu redor

Fabio Colombini

Um estudo publicado em janeiro na revista científica PNAS Nexus analisou a cobertura florestal, no período entre 1985 e 2019, de 129 terras indígenas (TI) localizadas em áreas de Mata Atlântica – a maior parte das registradas no bioma.  A pesquisa usou dados do Projeto de Mapeamento Anual do Uso e Cobertura da Terra no Brasil (MapBiomas) e revelou uma redução da taxa de desmatamento de 0,77%, a cada ano, nas TI oficialmente demarcadas, em comparação com os territórios indígenas ainda não oficializados. O trabalho foi liderado pela cientista de dados norte-americana Rayna Benzeev durante o doutorado realizado na Universidade do Colorado, nos Estados Unidos. “O fato de termos observado que a demarcação causou mudanças na cobertura florestal em muitos pontos diferentes de tempo, e não apenas em um período, mostra que essas relações foram constantes”, explicou a Pesquisa FAPESP a pesquisadora, atualmente em estágio de pós-doutorado na Universidade da Califórnia em Berkeley, também nos Estados Unidos.

A porcentagem de desmatamento líquido nas TI analisadas, que contabiliza a diferença entre a perda da vegetação e a recuperação natural, diminuiu de 0,73% para 0,05% após a demarcação oficial. Diferentemente de outros estudos que também comprovam a relação entre a preservação de biomas e a demarcação indígena, a análise não se baseia em terras indígenas da região amazônica. Enquanto a Amazônia vem sendo desmatada mais intensamente a partir da década de 1970, a Mata Atlântica sofre pressões desde o início do século XVI por estar localizada na costa brasileira, onde reside boa parte da população e são desenvolvidas algumas das principais atividades econômicas do país.

“Para muitos povos indígenas, a terra faz parte do seu ser, da sua cultura, e não faz sentido destruí-la para a produção de mercadorias. É notório que a relação com o ambiente é menos predatória”, diz o sociólogo Marcelo Rauber, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coautor do artigo. A ligação do indígena com a terra é destacada no estudo como uma das hipóteses de mecanismos legais, políticos e sociais que resultaram no aumento do reflorestamento. Segundo os pesquisadores, os povos indígenas investem mais em suas terras quando há certeza de que serão protegidas.

A antropóloga Jurema Machado, presidente do conselho diretor da Associação Nacional de Ação Indigenista (Anaí), reafirma a importância dessa relação entre indígenas e a mata para a proteção da floresta. “O fato de os indígenas terem retomado o território já representou um incremento para a floresta. Os territórios cuidados por eles representam proteção e crescimento da vegetação”, diz.

A análise centrada na Mata Atlântica traz um alerta para a questão indígena além da Amazônia, reforçando que é preciso avaliar os conflitos de território e a luta por direitos dos povos originários em outros biomas. “Nossa pesquisa chama a atenção para os povos indígenas das regiões Sul, Sudeste e Nordeste, que frequentemente têm dificuldade em garantir seus direitos territoriais. E demonstramos que assegurar o direito à terra é fundamental para o usufruto do seu território e a conservação da floresta”, destaca Rauber.

No período analisado, apenas uma TI na área delimitada pelo estudo foi oficializada desde 2012, embora seja um direito garantido pela Constituição Federal de 1988. A demarcação ficou paralisada durante os últimos quatro anos até 2023, quando o governo anunciou a homologação de seis TI, entre elas duas na Mata Atlântica: Rio dos Índios, do povo indígena Kaingang, localizada no município Vicente Dutra, Rio Grande do Sul, e Kariri-Xocó, nos municípios de Porto Real do Colégio e São Brás, em Alagoas. Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), que possui a maior base de dados sobre Terras Indígenas no Brasil, existem cerca de 734 territórios indígenas no país, que representam 13,75% do território brasileiro. Desses, 496 foram regularizados e há outros 125 sob análise. Mesmo em territórios já delimitados oficialmente, a luta indígena pela preservação continua sofrendo pressões e ações ilegais.

Atividades como agropecuária, garimpo, mineração, extração de madeira e expansão do meio urbano são apontadas como principais motivos para o desmatamento acelerado, de acordo com o Relatório Anual do Desmatamento no Brasil realizado pelo MapBiomas, variando a intensidade em cada região. O Parque Nacional do Monte Pascoal, na Bahia, por exemplo, sofre com a retirada ilegal de madeira mesmo após a reconquista desse território pelo direito constitucional garantido aos Pataxó há mais de 10 anos. “O grande gargalo nessa luta é a tiração de madeira”, afirma Osiel Santana Ferreira, mais conhecido como Cacique Braga, liderança indígena Pataxó da Aldeia Pé do Monte, que ainda enfrenta desafios na conservação da unidade.

Um dos pontos de destaque da pesquisa publicada no PNAS Nexus é o agravamento da devastação florestal na região Sul do Brasil, afetada por conflitos territoriais relacionados ao desmatamento. “O sul da Mata Atlântica tem um maior número de terras indígenas não demarcadas em relação a outras regiões e um alto nível de conflitos”, destaca Benzeev.

Artigo científico
BENZEEV, R. et al. Formalizing tenure of Indigenous lands improved forest outcomes in the Atlantic Forest of Brazil. PNAS Nexus. v. 2, n. 1, pgac287. jan. 2023.

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