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Carta da editora | 290

Desafio para a ciência

Em maio de 1919, quando arrefecia a pandemia de H1N1 conhecida como gripe espanhola, a revista Science publicou um artigo intitulado “As lições da pandemia”. Nele, o engenheiro sanitarista e epidemiologista norte-americano George A. Soper escreveu: “A característica mais surpreendente da pandemia era o completo mistério que a circundava. Ninguém parecia saber o que a doença era, de onde veio e como pará-la. Mentes ansiosas se perguntam hoje se uma nova onda virá. O fato é que apesar de a gripe ser uma das doenças epidêmicas mais antigas que se conhece é a menos compreendida”.

Cem anos mais tarde, o mundo enfrenta a pandemia do novo coronavírus (Covid-19), que em três meses já custou mais de 40 mil vidas e infectou quase um milhão de pessoas. Embora ambas as doenças sejam causadas por vírus que afetam o sistema respiratório, H1N1 e Covid-19 têm características diferentes, além de se desenvolverem em contextos históricos bem distintos. A gripe espanhola, em que 1/3 da população foi contaminada e 50 milhões de pessoas morreram no mundo, ocorreu no final da Primeira Guerra Mundial; o conhecimento sobre os vírus ainda era bastante incipiente, e o que causou a pandemia de 1918-9 só foi descoberto nos anos 1930.

Hoje, apesar de o relato de Soper parecer bastante atual, em poucos dias desde sua detecção inicial em Wuhan, na China, foi possível identificar a causa da doença, sequenciar o genoma do vírus, descrever seus traços principais e juntar informações sobre os grupos de risco e possíveis tratamentos. Enquanto o vírus, denominado Sars-CoV-2, segue em ritmo de contágio exponencial, a comunidade científica mundial está mobilizada para encontrar medicamentos eficazes e desenvolver vacinas que imunizem a população.

A capa desta edição é dedicada ao tema, que domina as conversas e o noticiário. A reportagem principal faz um balanço da chegada da Covid-19 ao Brasil, que enfrenta um alto número de casos de dengue, além de sarampo e da gripe “comum”, cuja incidência cresce com a entrada no outono/inverno. Velha conhecida dos especialistas em saúde pública, agora tema de muitas discussões, a curva epidêmica é essencial para planejamento das ações de contenção da doença e tratamento dos pacientes. Em entrevista, a médica Ester Sabino conta sobre o trabalho de sequenciamento do Sars-CoV-2 logo que foi identificado no Brasil. A cobertura completa de Pesquisa FAPESP sobre a Covid-19 está disponível no site, atualizado diariamente.

Grandes emergências como a que o Brasil começa a enfrentar demonstram a importância de ter uma ampla e bem preparada comunidade científica, com os equipamentos necessários e inserida em uma rede internacional de colaboração. Contribuir para elevar os padrões do sistema nacional de ciência e tecnologia é o objetivo a que o físico Carlos Henrique de Brito Cruz se dedicou nos últimos 15 anos, à frente da Diretoria Científica da FAPESP. Em vias de encerrar o seu mandato, Brito Cruz concedeu entrevista na qual fez um balanço dos avanços e desafios da Fundação e da comunidade de pesquisa. “A pesquisa em ciência e tecnologia ganhou espaço entre os valores da sociedade brasileira. E se mostrou mais conectada a desafios que interessam à sociedade, sejam emergenciais, sejam de avanço intelectual puro.”

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