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Astrofísica

Diferentes no tamanho, iguais no apetite

Estudo da NASA aponta semelhanças em jatos de partículas de alta velocidade produzidos por buracos negros com diferentes massas no Universo

NASA/Goddard Space Flight CenterPesquisadores do Goddard Space Flight Center da Nasa, a agência espacial norte-americana, deram um passo importante para a compreensão do complexo comportamento dos buracos negros, corpos celestes com massa que chegam à de bilhões de sóis que arrastam para seu interior toda matéria e energia que se aproxima demais. O estudo, coordenado pelo astrofísico brasileiro Rodrigo Nemmen, de 31 anos, bolsista do programa de pós-doutorado da Nasa, verificou que buracos negros de diferentes espécies, seja qual for a sua massa, idade ou localização, convertem parte da matéria prestes a ser engolida em jatos de partículas eletricamente carregadas, os chamados jatos relativísticos de alta velocidade, com a mesma eficácia. Isto é, uma vez que qualquer buraco negro produz um jato, a mesma fração de energia é usada para gerar a luz de raios gama, a forma mais extrema de luz.

No estudo, publicado na edição de 14 de dezembro da revista Science, Nemmen e colaboradores analisaram dados obtidos pelo satélite Swift, da Nasa, pelo radiotelescópio Very Large Array e pelo telescópio espacial de raios gama Fermi. De acordo com Nemmen, esses “monstros cósmicos” podem ser divididos em duas categorias: os que nascem do violento colapso de estrelas massivas, tornando-se, assim, buracos negros de massa estelar, e os supermassivos, cuja massa pode ser bilhões de vezes maior que a do Sol e que habitam o centro das galáxias há bilhões de anos.

Ao todo, Nemmen e sua equipe analisaram 234 buracos negros supermassivos e 54 de massa estelar, gerados a partir das chamadas explosões em raios gama (gamma-ray bursts) e cujos jatos estão apontados na direção da Terra. A ideia era observar os buracos negros a fim de verificar se os jatos produzidos variavam ou não de acordo com propriedades como massa, localização e idade. Para cada um dos buracos negros, os pesquisadores estimaram a potência cinética das partículas dos jatos e a luminosidade irradiada, a qual chega a percorrer milhares de anos-luz e, em alguns casos, pode ser vista da Terra.

Como não é possível observar diretamente os buracos negros, pois não emitem luz, Nemmen analisou a luminosidade emitida pelos jatos que eles produzem. Usando essa engenharia reversa, o cientista pôde deduzir como funcionam e devolvem energia ao ambiente, e a eficiência dos jatos na produção de luz. A partir daí, tentou entender se as propriedades dos jatos expelidos variavam de acordo com a massa dos buracos negros.

“Observamos diferentes buracos negros supermassivos localizados em mais de 200 galáxias. No caso dos de massa estelar, porém, não conhecemos a galáxia hospedeira onde aconteceu a formação dos jatos. Mas descobrimos que a eficiência com a qual eles transformam energia na luz é a mesma, independentemente de suas propriedades. Eles convertem entre 3% e 15% da energia em raios gama”, comenta o astrofísico brasileiro.

Ainda no Brasil, Nemmen já havia observado, por meio de um modelo matemático, como esses glutões cósmicos devolvem ao Cosmo parte da matéria e energia que engolem. Dessa vez, o desafio foi tentar saber se em ambos os fenômenos – buracos negros supermassivos e os de massa estelar – a proporção de energia transformada em jatos era a mesma.

“Entendemos relativamente melhor o comportamento dos buracos negros supermassivos do que os de massa estelar. Quando observamos um buraco negro de massa estelar, temos uma janela de tempo de apenas alguns segundos para monitorar sua infância. Depois disso ele desaparece dos nossos telescópios”, explica.

Até então, os cientistas acreditavam que um buraco negro de massa estelar fosse mais eficiente na produção de luz do que os supermassivos no centro das galáxias. O estudo de Nemmen, no entanto, demonstra que ambos possuem a mesma eficiência. Ou seja, é como se tivessem descoberto que uma pessoa quase sem renda e um bilionário gastassem a mesma porcentagem de dinheiro com suas contas de luz.

“Estamos acostumados a pensar nos buracos negros como verdadeiros sorvedouros cósmicos. Mas a combinação entre a atração do buraco negro, o movimento do plasma e os campos magnéticos acabam criando violentos jorros de gás, nos quais as partículas se movem a velocidades muito próximas à da luz (300 mil quilômetros por segundo)”, afirma o pesquisador.

Os cientistas ainda não sabem como se dá a produção de raios gama nos jatos relativísticos, nem como a rotação de um buraco negro – cuja velocidade varia entre 90% e 99,8% da velocidade da luz – afeta a produção de luz nos jatos. Assim como acontece com toda descoberta científica, os dados obtidos por Nemmen e sua equipe respondem algumas perguntas, mas geram novos questionamentos.

“Precisamos entender os mecanismos físicos que levam a essa relação universal entre a potência cinética e a luminosidade irradiada. Será que os mesmos mecanismos de aceleração das partículas ocorrem nesses fenômenos, apesar das escalas extremamente diferentes de massa? Em caso positivo, por que a eficiência radiativa não é afetada pelas diferentes condições e densidades do gás ao redor do buraco negro? Será que os nossos resultados estão nos dizendo algo a respeito do nascimento do buraco negro?”, questiona o astrofísico.

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