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FAPESP – 60 ANOS

Diversidade na ciência

Brasil continua atraente para pós-docs estrangeiros, mas fluxo perde força nos últimos anos

Quando cursava o mestrado, o cientista da computação paquistanês Kifayat Ullah ouviu relatos de amigos no Brasil sobre as condições favoráveis de fazer ciência no país. “Eles me falavam sobre a qualidade dos pesquisadores e de seus laboratórios, e como o ambiente acadêmico era acolhedor e colaborativo”, conta. Animado com a perspectiva, Ullah entrou em contato com o engenheiro elétrico Edson Santos Moreira, do Instituto de Ciências Matemáticas e da Computação da Universidade de São Paulo (ICMC-USP), que aceitou orientá-lo em seu doutorado sobre comunicação sem fio entre veículos em rodovias, concluído em 2016. Ele retornou ao Paquistão para trabalhar como professor assistente na Universidade Cecos de Tecnologia da Informação e Ciências Emergentes, em Peshawar, mas voltou a escolher o Brasil para fazer um estágio de pós-doutorado. “Recebi propostas de universidades europeias, mas decidi ficar no Brasil porque já tinha me adaptado ao país e conseguido uma bolsa da FAPESP para continuar minhas pesquisas sobre redes de veículos inteligentes no Instituto de Matemática e Estatística [IME] da USP.”

Mesmo em um cenário de escassez de recursos e incertezas envolvendo a pandemia, a FAPESP conseguiu atrair e reter cientistas do exterior em estágios de pós-doutorado no Brasil. Foram 115 bolsistas nos últimos dois anos, segundo dados da Fundação. Vindos de diferentes partes do mundo, eles integram grupos de excelência em instituições de São Paulo, desenvolvendo estudos de impacto, estabelecendo novos campos de investigação e ajudando a formar novos pesquisadores.

Léo Ramos ChavesRecebi propostas de universidades europeias, mas decidi ficar no Brasil porque já tinha me adaptado ao país e conseguido uma bolsa da FAPESP para o pós-doc no IME-USP – Kifayat UllahLéo Ramos Chaves

É certo que esse número já foi maior. Desde 2018, a Fundação registra uma queda nas solicitações e concessões de bolsas de pós-doutorado a candidatos de outros países. Estima-se que a pandemia tenha impactado o trânsito desses cientistas, mas alguns pesquisadores também atribuem a queda à deterioração das condições sociais e econômicas do Brasil. “Os recursos para a ciência escassearam e a inflação e depreciação do real deixaram o ambiente menos atraente”, destaca a antropóloga tcheca Jaroslava Valentova, que desde 2015 é professora do Instituto de Psicologia (IP) da USP. “Achava que seria fácil trazer pós-docs do exterior, mas ainda não consegui nenhum.”

O neurocientista Luiz Eugênio Mello, diretor científico da FAPESP, destaca que a capacidade de um país de atrair bons cientistas estrangeiros depende de múltiplos fatores, como disponibilidade de recursos para bolsas e grupos qualificados que produzam ciência competitiva. “No entanto”, ele acrescenta, “há também fatores que extrapolam o ambiente acadêmico, como o nível de violência nas cidades, estabilidade econômica e política, percepção de abertura a estrangeiros. Penso que vários desses aspectos também se deterioraram nos últimos anos no país”.

Rodrigo Cunha

Ainda assim, o Brasil segue atraente para pesquisadores de fora. Alguns se interessam em estudar questões próprias da realidade e cultura brasileira, ou aspectos únicos de sua biodiversidade. É o caso da psicóloga espanhola Irene Delval. Ela desembarcou no Brasil em 2011 para pesquisar o comportamento de primatas de vida livre. “Seria impossível fazer esse tipo de pesquisa na Europa ou América do Norte”, ela diz. Sob orientação da bióloga Patrícia Izar, do IP-USP, Delval fez mestrado e doutorado, concluído em 2019. “Pensei em voltar para a Espanha, mas decidi ficar mais um tempo no Brasil e tentar um pós-doc.” A estratégia deu certo. Em fins de 2021, ela obteve uma bolsa da FAPESP para pesquisar o comportamento sexual de macacos-prego no IP-USP.

O Brasil também atrai pesquisadores interessados em estudar populações indígenas, uma vez que o país desfruta de ampla diversidade de grupos culturais e conta com indigenistas de referência internacional. “Desembarquei no Brasil pela primeira vez em 2009 na expectativa de fazer o mestrado na Universidade Federal da Bahia [UFBA]”, conta o antropólogo francês Cyril Menta, que há mais de uma década pesquisa os grupos Pankararu e Pankararé. “O mestrado não deu certo, mas, durante os seis meses que passei em Salvador, conheci pesquisadores que me colocaram em contato com um mundo que eu desconhecia, de modo que retornei à França já com a ideia de voltar ao Brasil para continuar meus estudos nessa área.”

Em 2014, Menta conseguiu uma bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) para fazer parte de seu doutorado no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Os indigenistas brasileiros são reconhecidos pela qualidade de seus trabalhos”, destaca. “Isso me estimulou a querer vir fazer pesquisa aqui.” Ele agora se prepara para iniciar o pós-doutorado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, com bolsa da FAPESP. Sob supervisão da antropóloga Maria Manuela Carneiro da Cunha, estudará os processos de transmissão de rituais dos Pankararu.

Léo Ramos ChavesÉ insustentável para um pesquisador de fora se manter e desenvolver sua pesquisa no Brasil sem auxílio financeiro – Elisa Atalia Daniel MuiangaLéo Ramos Chaves

“Os mecanismos de atração e retenção de cientistas estrangeiros ainda estão fortemente baseados na oferta de bolsas”, destaca o matemático Tiago Pereira, do ICMC-USP, que supervisionou cinco pós-docs do exterior nos últimos anos. “É insustentável para um pesquisador de fora se manter e desenvolver sua pesquisa no Brasil sem auxílio financeiro”, diz a engenheira civil moçambicana Elisa Atalia Daniel Muianga. No Brasil desde 2013, ela hoje faz um estágio de pós-doutorado na Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com bolsa da FAPESP e supervisão da arquiteta Doris Kowaltowski. “Sem a bolsa, também não é possível obter o visto brasileiro”, complementa Kifayat Ullah.

A qualidade de grupos de pesquisa e a infraestrutura de seus laboratórios também são fatores importantes, segundo a imunologista chilena Camila Morales Fénero, que desde janeiro deste ano desenvolve seu estágio de pós-doutorado na Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), com bolsa da FAPESP. Ela veio para o país em 2013 e nunca mais foi embora. “Queria trabalhar em uma instituição de prestígio e com pesquisadores produtores de ciência competitiva”, diz. Fénero encontrou esses atributos no grupo do imunologista Niels Olsen Saraiva Câmara, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, que a orientou no mestrado e doutorado.

A vinda de estrangeiros tende a ser valorizada por cientistas brasileiros porque promove a circulação de conhecimento e o contato com novas perspectivas de pesquisa. “Essa experiência também é enriquecedora para quem vem de fora”, comenta o historiador Marcelo Cândido da Silva, do Departamento de História da USP. “Eles têm a chance de trabalhar com grupos de excelência, ampliar seus horizontes de pesquisa e experimentar a rotina de trabalho de equipes com cultura e estilos de trabalho distintos, adquirindo uma experiência que mais tarde lhes ajudará a estabelecer e gerenciar seu próprio laboratório.”

As contribuições dos estrangeiros à ciência brasileira muitas vezes envolvem a criação de novas áreas de pesquisa no país ou o ensino de métodos de investigação a alunos de pós-graduação. Essa tem sido uma estratégia bastante utilizada por Cândido da Silva. Há alguns anos ele promove a vinda de pós-docs do exterior com esse propósito em seu laboratório. Um deles é o arqueólogo e historiador francês Adrien Bayard, cujo estágio envolvia a formação de jovens pesquisadores em arqueologia medieval, área ainda incipiente no Brasil. “Dois estudantes que ele ajudou a formar participaram de escavações na Albânia e na França”, comenta Cândido da Silva.

Léo Ramos ChavesVim para o Brasil porque queria trabalhar em uma instituição de prestígio e com pesquisadores produtores de ciência competitiva – Camila Morales FéneroLéo Ramos Chaves

Recentemente, o historiador recebeu a arqueóloga francesa Julie Renou, que deverá ajudar a implementar novas ferramentas de análises arqueológicas no estudo do processo de circulação de bens materiais na Alta Idade Média. “O pós-doutorado é uma etapa importante na vida profissional de pesquisadores que querem se inserir no mercado de trabalho acadêmico”, diz Renou. “As bolsas oferecidas pela FAPESP são muito interessantes nesse sentido, pois permitem que jovens cientistas estrangeiros desenvolvam estudos inovadores em um contexto de intercâmbio de alto nível”, ela destaca.

A FAPESP concede bolsa de dois anos, renovável por um ou até dois anos, caso o pesquisador esteja vinculado a um auxílio concedido em modalidades como Projeto Temático e Jovens Pesquisadores. O valor é de R$ 8.479,20, mais uma reserva técnica de 10% do montante anual do auxílio. “Isso a torna atraente para cientistas de alguns países, que sabem que poderão desenvolver seus projetos com tranquilidade, tendo a oportunidade de participar de congressos em outros estados e países”, comenta o psiquiatra André Brunoni, da Faculdade de Medicina (FM) da USP.

É verdade que muitos deles deixam o país após o término de suas bolsas. “No entanto, os vínculos que se formam durante o tempo em que estiveram aqui costumam se transformar em redes de colaboração, permitindo que cientistas brasileiros participem de projetos internacionais, sejam coautores de artigos de impacto, tenham acesso a recursos externos e promovam o intercâmbio de estudantes com as instituições em que esses cientistas estão”, destaca o químico Edson Antonio Ticianelli, do Instituto de Química de São Carlos  (IQSC) da USP.

Rodrigo Cunha

O esforço para estabelecer parcerias duradouras com grupos de outros países favorece a inserção internacional dos laboratórios brasileiros – o que aumenta as chances de mais estrangeiros se interessarem em vir para o país. Foi assim com a engenheira química colombiana Ana Maria Marín. “Trabalhava na Universidade de Alicante, na Espanha, quando um professor, que conhecia o grupo de Ticianelli, me avisou que havia uma oportunidade de pós-doc em seu laboratório e que seria interessante eu me candidatar”, ela conta. “Fui aprovada e vim para o Brasil em 2015 para pesquisar o uso de eletrocatalisadores nanoestruturados na produção e oxidação de hidrogênio.”

Não raro, esses cientistas permanecem no Brasil, aumentando a massa crítica local. Marín, por exemplo, é hoje professora adjunta no Departamento de Química do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos. O caso do engenheiro químico espanhol José Joaquín Linares León é semelhante. Ele chegou no país em 2010 para fazer um pós-doc no IQSC-USP. Em meados de 2012, com sua bolsa próxima do fim, começou a procurar novas oportunidades. “Fiz entrevistas no Centro Nacional de Hidrogênio, na Espanha, e em uma empresa de células a combustível na Dinamarca”, conta. O Brasil, no entanto, vivia um período de expansão das universidades federais. “Resolvi tentar uma vaga antes de aceitar o cargo que me ofereceram na Dinamarca. Passei na Universidade de Brasília [UnB] e hoje sou professor do Instituto de Química.”

Léo Ramos ChavesMeu estágio de pós-doutorado na Unicamp será uma ótima oportunidade para desenvolver habilidade específica na minha área – Nusrat Jahan LisaLéo Ramos Chaves

Mello, da FAPESP, destaca que “a atração de talentos é uma tônica em vários países e tem, portanto, uma natureza competitiva”. “Não por acaso”, ele diz, “a internacionalização e o fluxo de ideias promovidos com a vinda de pesquisadores estrangeiros é um elemento central na atuação da Fundação”. Há anos a FAPESP investe em diferentes estratégias para atrair talentos do exterior por meio da oferta de bolsas e de iniciativas como o Programa Escola São Paulo de Ciência Avançada, modalidade de apoio que permite que pesquisadores paulistas organizem cursos de curta duração, para os quais devem convidar cientistas e estudantes de vários lugares do mundo. O objetivo é mostrar a alunos e cientistas de fora as oportunidades de pesquisa em São Paulo.

A FAPESP também exige dos pesquisadores que financia que anunciem as bolsas de pós-doutorado vinculadas a seus projetos em inglês em sites internacionais, de modo a ampliar a visibilidade das vagas e atrair estrangeiros. Foi assim que a cientista da computação bengalesa Nusrat Jahan Lisa ficou sabendo de uma vaga no laboratório do engenheiro elétrico Guido Araujo, do Instituto de Computação da Unicamp. “Trabalhava como professora assistente na Universidade de Ciência e Tecnologia Ahsanullah, em Bangladesh, e tinha o hábito de acessar sites como o Euroxess, que publica informações sobre bolsas e oportunidades de trabalho para cientistas em diferentes instituições do mundo”, ela conta. “Um dia, encontrei o anúncio de uma bolsa de pós-doutorado no laboratório de Araujo para trabalhar em um projeto relacionado à minha experiência em pesquisa.” Lisa diz que já conhecia a Unicamp, mas que essa será a primeira vez que irá colaborar com cientistas brasileiros. “Será uma ótima oportunidade para desenvolver habilidade específica na minha área”, afirma.

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