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Opinião

Divulgação científica e sociedade

É inegável o impacto sobre a sociedade causado pelo advento da ciência moderna no século XVII. A associação do método experimental e das matemáticas, característica da ciência moderna, ampliou a possibilidade de aplicação de conhecimentos científicos para a solução de inúmeros problemas práticos de vital importância para os seres humanos. Desde então, como é bem conhecido, as feições e os rumos econômicos e culturais das nações têm sido em boa parte moldados pela evolução da ciência. Sendo assim, não é possível pensar em desenvolvimento e bem-estar de uma sociedade sem vinculá-los ao papel desempenhado nesta pela ciência. A rigor, podemos dizer que a ciência, mediante os seus métodos de investigação e teorias, atua sobre a sociedade em duas esferas distintas: como uma força produtiva (invenção tecnológica e organização do trabalho) e como uma fonte de idéias (esfera cultural).

Em função de sua importância na transformação da sociedade humana, a ciência passou a figurar como um dos quesitos fundamentais da educação dos povos. Não é exagero afirmar que um país cujo sistema educacional retarde o desenvolvimento da ciência ou, mais desastroso ainda, não transmita a atitude científica de uma forma eficiente, estará comprometendo inexoravelmente o seu futuro. Sendo assim, é necessário tanto um sistema educacional que proporcione uma formação científica sólida como também a mais ampla divulgação das mais recentes conquistas da ciência para o homem comum.

É claro que os cientistas formam uma comunidade especial presente em sociedades de estudos especializados e universidades em que trabalham. Entretanto, por sua própria natureza, a ciência constitui um conjunto de conhecimentos públicos, aos quais cada pesquisador acrescenta sua contribuição pessoal, devidamente registrada para ser corrigida pela crítica recíproca e depois reelaborada. Por outro lado, a atividade da comunidade científica deve ser entendida não como centrada em si mesma, mas com elos de ligação com toda a sociedade que a financia e a preserva, esperando dela os resultados de suas pesquisas. Desse modo, o empreendimento científico possui um caráter eminentemente social.

Isso torna a informação científica, especialmente para o leigo, uma meta necessária tanto quanto a informação especializada, pois muitas decisões, avaliações e ações de profundas repercussões sociais serão geradas por cidadãos não-especialistas. Portanto, volto a repetir, torna-se mister, sobretudo se levarmos em conta a extrema rapidez dos avanços tecnológicos nesta época de globalização, uma maior divulgação das mais recentes conquistas do conhecimento científico, especialmente em sua modalidade informativa, voltada para o homem comum não-pesquisador.

Os meios de ligação entre a ciência profissional e a comunidade em geral têm sido, sobretudo desde a revolução industrial, no final do século XVIII e começo do século XIX, motivo de preocupação sistemática tanto por parte dos cientistas como dos governantes. A criação de sociedades como a British Association for the Development of Science, em 1831, e o desenvolvimento do jornalismo científico, crescente em nossos dias, tanto em jornais diários como em revistas científicas para leigos, atestam esse fato. Entre nós, as revistas Superinteressante, Galileu e Ciência Hoje são um excelente exemplo.

Embora necessária, importante e desejável, a tarefa de divulgar o conhecimento científico, principalmente as pesquisas em andamento, não pode ser considerada fácil. A dificuldade radica-se na própria natureza do conhecimento científico, que possui a sua linguagem própria altamente desenvolvida e em grande parte matematizada, não podendo, assim, simplesmente ser parafraseada com vistas a facilitar a sua compreensão. Não raras vezes, a divulgação popular corrompe e banaliza o conteúdo de um determinado conceito ou teoria científica.

O sensacionalismo, que é comum no jornalismo, não sendo propriamente adequado à boa imprensa, é mortal para a ciência e deve ser evitado a todo custo. Essas dificuldades, no entanto, não devem servir de motivo para que se restrinja a divulgação do conhecimento científico. Muito ao contrário. Para que o leigo possa compreender adequadamente os mais modernos avanços da ciência e da tecnologia, deve lhe ser dada uma educação apropriada, sem a qual o leigo, enquanto cidadão, não poderá avaliar e muito menos julgar determinados resultados das pesquisas, sobretudo aquelas, como na engenharia genética, que levantam questões de natureza ética e envolvem riscos ambientais. Em um passado recente, a questão nuclear era o centro de todas as atenções.

Francis Bacon, no século XVII, ao vincular poder e ciência, já insistia na questão da responsabilidade da ciência para com a humanidade. Com muito mais razão, nos dias de hoje, com a globalização, é desejável, e mesmo inevitável, um certo controle democrático da ciência. Para isso, um esforço de divulgação dos avanços da ciência e da tecnologia é não só uma necessidade como um dever social. Por outro lado, uma educação científica deve preparar o cidadão para assimilar informações de qualidade, aprimorando o seu juízo crítico e, conseqüentemente, dando solidez a uma sociedade verdadeiramente democrática.

Deputado estadual, presidente da Comissão de Cultura, Ciência e Tecnologia da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo.

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