Seis conferências de imprensa simultâneas em pontos distintos do globo divulgaram hoje pela manhã uma cena inédita: a primeira imagem do buraco negro supermassivo situado no centro da Via Láctea, um fonte de emissão de rádio conhecida como Sagitário A*. Produzida por uma colaboração internacional denominada Telescópio Horizonte de Eventos (EHT), que se utiliza de uma rede mundial de radiotelescópios para gerar seus dados, a imagem mostra uma zona central escura, chamada de sombra, cercada por uma estrutura brilhante em forma de anel, artificialmente colorida em tom alaranjado. A rigor, o que a imagem revela não é o buraco negro em si, que é escuro e não visível, mas o gás brilhante que o envolve.
Esse é o segundo buraco negro do qual se produz uma imagem. Em 2019, o mesmo EHT divulgou um flagra do buraco negro supermassivo que ocupa o centro da galáxia gigante Messier 87 (M87). Construídas a partir do processamento de enormes quantidades de dados, as duas imagens são, em linhas gerais, muito parecidas. A do Sagitário A* parece um pouco mais turva, como se estivesse mais desfocada, do que a do buraco negro da M87.
“Temos dois tipos de galáxias completamente diferentes e duas massas de buracos negros muito distintas, mas, perto de sua borda, esses buracos negros são incrivelmente semelhantes”, disse, em material de divulgação, a astrofísica norte-americana Sera Markoff, copresidente do conselho científico do EHT e pesquisadora da Universidade de Amsterdã, nos Países Baixos. “Isso nos diz que a relatividade geral [teoria do físico alemão Albert Einstein (1979-1955)] governa de perto esses objetos e quaisquer distinções que vemos devem ser devido a diferenças no material que circunda os buracos negros.”
Distante 27 mil anos-luz da Terra, o buraco negro da Via Láctea abriga uma massa da ordem de 4 milhões de sóis e é mais de mil vezes menor que seu congênere na galáxia Messier 87. O buraco negro da M87, que dista 55 milhões de anos-luz de nosso planeta, contém uma massa ainda mais colossal: cerca de 6,5 bilhões de vezes maior que a do Sol. Segundo a equipe do EHT, que congrega 300 pesquisadores de 80 instituições, foi mais difícil obter a imagem da fonte Sagitário A* do que a do outro buraco negro.
“O gás nas proximidades dos dois buracos negros se move na mesma velocidade, quase tão rápido quanto a luz. Mas, enquanto leva de dias a semanas para orbitar a grande M87, ele faz isso em meros minutos na pequena Sagitário A*”, explica o astrofísico Chi-kwan Chan, da Universidade do Arizona, nos Estado Unidos, no material de divulgação. “Isso significa que o brilho e o padrão do gás ao redor de Sagitário A* mudavam rapidamente à medida que a colaboração EHT o observava. Foi um pouco como tentar tirar uma foto nítida de um filhote perseguindo rapidamente a própria cauda.”
Buracos negros são regiões tão densas e compactas que, como previu Einstein, deformam o espaço-tempo ao atrair toda a matéria situada em sua vizinhança. Sua massa se concentra em um ponto ínfimo, a singularidade. Eles são alimentados por um disco de gás superaquecido, que, atraído pela gravidade, espirala ao redor do horizonte de eventos, região a partir da qual nada escapa – nem mesmo a luz. Daí o nome buraco negro.
Os trabalhos do EHT sobre o buraco negro no centro da Via Láctea resultaram em seis artigos científicos que foram ao ar hoje (12/5) no site do periódico Astrophysical Journal Letters. “As observações publicadas foram completadas em 2017”, explicou a astrofísica brasileira Lia Medeiros, que faz estágio de pós-doutorado no Instituto de Estudos Avançados de Princeton, nos Estados Unidos, em evento de divulgação promovido pela National Science Foundation (NSF), dos Estados Unidos. “Demora algum tempo para gerarmos uma imagem a partir dos dados.” Medeiros faz parte da equipe do EHT e foi uma das coordenadoras de um dos seis estudos publicados.
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