O Brasil tem 4,9 milhões de quilômetros quadrados (km2) de florestas, área maior do que a dos países que compõem a União Europeia. Monitorar a extensão desses biomas e compreender a riqueza contida neles foi, por muito tempo, tarefa para satélites distantes da mata ou para profissionais mergulhados nela. Nos últimos anos, uma nova tecnologia passou a contribuir para essa missão: os veículos aéreos não tripulados (vants), também conhecidos como aeronaves remotamente pilotadas ou, mais popularmente, drones.
Essas máquinas voadoras têm sido usadas para diversas finalidades, entre elas a identificação de focos de desmatamento, a fiscalização da exploração madeireira, o cálculo do volume de toras retiradas de uma área qualquer, a prevenção de incêndios e, principalmente, a realização de inventários florestais, trabalho que consiste em coletar dados sobre as espécies vegetais existentes em determinado território.
“Tecnologias para imageamento de espécies de árvores e outras plantas e aferição do volume de vegetação, entre elas radares laser [lidar, de light detection and ranging ou detecção de luz e medida de distância] e sensores infravermelhos, já existem há algum tempo. A inovação é ter esses sistemas embarcados em um drone, que pode voar perto do topo das florestas e pairar no ar”, explica o físico Marco Aurélio Nalon, pesquisador do Instituto Florestal (IF) de São Paulo. “Como esses aparelhos são equipados com GPS, é possível fazer uma programação prévia de voo e geolocalizar cada árvore fotografada.”
Coordenador do Inventário florestal do estado de São Paulo, Nalon vem testando o uso de drones em parceria com o Instituto de Botânica, também do governo paulista, que tem adquirido esses equipamentos para a realização de levantamentos florestais. A catalogação de florestas é importante, entre outras coisas, para compreender sua biodiversidade, acompanhar a saúde das árvores e monitorar o desenvolvimento da mata – tarefas que se mostram cada vez mais necessárias em um cenário em que o desmatamento da Amazônia aumentou quase 10% só no último ano e foi 70% maior do que a média na última década. Conhecer e preservar a cobertura florestal também é fundamental para o equilíbrio ecológico do planeta. Além de estocar carbono e reter o calor da radiação solar – fundamentais no controle do efeito estufa –, as florestas ajudam a regular o clima global influenciando os níveis de umidade atmosférica e evitando variações extremas de temperatura.
O método tradicional de mapeamento com imagens de satélite traça os limites geográficos de uma floresta, mas não fornece detalhes que permitam identificar espécies nem dados relativos ao estado de conservação e ao potencial produtivo de determinadas árvores. E coletar dados em solo, desbravando a mata com uma equipe numerosa para observar e catalogar espécies, é um trabalho lento, cansativo e muitas vezes limitado pela densidade da floresta. Nesses casos, o procedimento-padrão é rastrear um perímetro reduzido e extrapolar os resultados para uma área maior, gerando uma estimativa para toda a floresta. “Com o levantamento humano, feito no chão, é muito difícil traçar uma fotografia fiel da distribuição das espécies”, ressalta o pesquisador do IF.
A vantagem dos drones é poder fazer a tarefa dos satélites voando próximo da copa das árvores. No futuro, espera-se que também realizem o trabalho humano, percorrendo o interior das matas com rapidez. Em ambos os casos, o detalhamento de imagens e o volume de informações obtidas são superiores aos demais métodos e custam menos.
“Os drones reúnem todas as características de um aerolevantamento clássico, só que feito com tecnologia de ponta e imagens de altíssima resolução”, diz Nalon. “Se uma aeronave mapeia com precisão as espécies e sua localização, podemos identificar quais estão crescendo próximas das outras e compreendemos melhor essas relações. Também conseguimos saber que tipo de animais frequentam a floresta e a quantidade de carbono fixada nela, dado importante em um cenário de acentuadas mudanças climáticas.”
A unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) no Acre é uma das pioneiras no uso de drones para monitoramento de florestas no país. O engenheiro-agrônomo Evandro Orfanó relata que a instituição faz desde 2015 o manejo florestal de precisão com drones. “O uso desses equipamentos nos deu uma perspectiva diferente, a de observar a floresta por cima, pelo dossel – nome dado para a cobertura formada pelas copas das árvores. Para esse mapeamento ser bem-feito, tivemos que resolver um problema: acompanhar a variação da morfologia da copa das árvores ao longo do ano”, explica o pesquisador.
Segundo ele, uma espécie como a castanheira, que em janeiro, época chuvosa na região, está frondosa, bonita e com a copa formada, perde as folhas e apresenta características diferentes entre julho e agosto, período mais seco. Para tornar o mapeamento eficiente, Orfanó e outros três pesquisadores da Embrapa Acre criaram um calendário de inventário florestal, indicando as melhores épocas para a identificação dos principais grupos de espécies amazônicas.
As orientações contidas no calendário foram utilizadas para o ajustamento de um algoritmo de inteligência artificial (IA) para processar as imagens captadas pelos sensores que o drone carrega. Os técnicos fornecem informações para o sistema processar as imagens coletadas, identificando as variações de formato das copas das espécies ao longo do ano, e recebem dados em volume, detalhamento e velocidade incomparáveis. “Cada espécie tem um mês ou um conjunto de meses mais adequado para que ela seja localizada e identificada”, destaca o pesquisador.
O procedimento para caracterizar espécies por meio do desenho das copas começa com a definição do perímetro que o drone irá percorrer no sobrevoo, feito apenas em dias de sol ou sem chuva. “Nosso aparelho cobre 1,2 mil hectares [12 km2] por dia, com um nível de detalhamento de imagem de até 3 centímetros”, descreve Orfanó. “A alta definição da imagem em conjunto com o georreferenciamento via GPS nos permite conhecer detalhes das copas e da localização delas na floresta.”
A partir dos dados obtidos por meios tecnológicos, a análise e as ações humanas são necessárias. Por exemplo, caso se identifique no sobrevoo que determinadas regiões da floresta sofrem estresse hídrico ou problemas causados por fungos, insetos ou outro fator, uma equipe vai a campo por terra, com um alvo bem definido, para ver o que está acontecendo. “O homem vai refinar o mapeamento”, completa o pesquisador da Embrapa.
A instituição também está empregando drones para saber quanta madeira foi extraída, a partir de critérios sustentáveis, de florestas nacionais, as chamadas flonas. “Na do Jacundá, em Rondônia, o cálculo do volume de toras estocado anualmente no pátio florestal era feito com uma pá-carregadeira e quatro operários trabalhando por 45 dias. Com o drone, a mesma atividade passou a ser realizada em oito minutos de sobrevoo mais quatro horas de processamento das imagens captadas”, descreve Orfanó.
Outro pesquisador brasileiro participou da construção de um drone, projetado na Universidade da Pensilvânia (UPenn), nos Estados Unidos, que transita entre as árvores por baixo do dossel. Com apoio da FAPESP, o cientista da computação Guilherme Nardari passou parte de 2019 trabalhando no laboratório General Robotics, Automation, Sensing & Perception (Grasp) da UPenn em um drone que voa por dentro de florestas plantadas fazendo imagens tridimensionais (3D).