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Bioquímica

É só abrir a boca

Empresa mineira usa saliva para medir estresse causado por exaustão física e mental

MIGUEL BOYAYANA sempre indesejável picada de agulha pode desaparecer para certos tipos de diagnóstico ao ser trocada por uma pequena porção de saliva, num procedimento menos invasivo e sem dor se comparado aos exames de sangue. A saliva está cotada para uma série de usos, em testes já comercializados ou em estudo, em vários países, para identificar hormônios, câncer e mais recentemente medir o nível de estresse. No Brasil, a empresa Probiotec, instalada no Centro de Incubação de Atividades Empreendedoras (Ciaem) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), em Minas Gerais, está prestes a iniciar a produção de kits utilizando a saliva como fonte para diagnóstico. A empresa, que também faz parte do Arranjo Produtivo Local (APL) de Biotecnologia do Triângulo Mineiro, foi fundada pelo professor Foued Salmen Espindola, do Instituto de Genética e Bioquímica da UFU e dois biólogos que concluíram o mestrado no Programa de Pós-graduação em Genética e Bioquímica da instituição, Leonardo Gomes Peixoto e Rogério de Freitas Lacerda.

Os primeiros e comprovados produtos que eles pretendem comercializar, assim que saírem os registros na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), são dois kits que utilizam a saliva como fonte de biomarcadores do exercício físico e do estresse psicológico, principalmente em situações ligadas ao esporte. “Nós usamos a dosagem de proteína total da saliva e a atividade da enzima alfa-amilase salivar”, diz Espindola. Um dos objetivos do desenvolvimento destes kits é oferecer uma simplificação, com inovação tecnológica, para determinar o limiar anaeróbico que é definido pela relação do consumo de oxigênio e o aumento contínuo do lactato sanguíneo durante um teste de exercício físico como o teste de esteira ou de bicicleta ergométrica. A medida desse limiar de lactato é importante na fisiologia do exercício, na medicina esportiva, na educação física e para atletas de várias modalidades esportivas. “Esse limiar pode ser também determinado pela análise da saliva. Desse modo, podemos oferecer um diagnóstico bioquímico de adaptação metabólica e da resistência à fadiga.”

Atualmente se utiliza a concentração de lactato sanguíneo como indicador desse limiar e o teste pode ser feito de duas formas, um com a resposta no local da coleta, utilizando a leitura de uma fita impregnada com sangue coletado da ponta do dedo e outro que requer o transporte do sangue coletado do lóbulo da orelha em pequenos tubos e analisado em um laboratório com equipamentos específicos e caros. São dois métodos invasivos porque exigem a retirada de sangue e causam dor, incômodos que o emprego da saliva elimina.

Inúmeros trabalhos relatados na literatura científica recente e realizados nos laboratórios da UFU e pela Probiotec indicam a medida da atividade da alfa-amilase como um biomarcador interessante e de grande potencial para avaliar o estresse físico e psicológico. “É possível até mesmo que a sua determinação na saliva pode ser um marcador efetivo do estresse capaz de substituir as análises dos níveis hormonais de adrenalina e cortisol, que também estão relacionados com esse estado físico e mental. As alfa-amilases são produzidas pelo pâncreas e glândulas salivares, sendo responsáveis pela digestão de carboidratos. Na saliva esta enzima está associada a outras funções importantes para a saúde bucal, e quando extraída do sangue pode mostrar alterações anormais associadas com patologias no pâncreas.

Copos e tubos
A realização dos novos exames pode ser feita utilizando a saliva coletada após higienização bucal e estimulada pela breve mastigação de um pedaço de algodão, parafina, pedaço de plástico na forma de filme utilizado em embalagens e mesmo de uma goma de mascar sem açúcar. Após a mastigação por dois ou três minutos despreza-se a primeira saliva e coleta-se a seguinte num copo (o copinho plástico de café é ideal) ou por um dispositivo que consiste num pequeno tubinho de celulose ou poliéster que será disponibilizado com o kit de coleta. A saliva pode então ser transferida para um pequeno tubo plástico e ser enviada no mesmo dia de coleta para o laboratório, até mesmo pelo correio, não necessitando condições de refrigeração. Como no caso da coleta de sangue para análise do lactato sanguíneo, a saliva deve ser coletada imediatamente antes, durante e cerca de 15 minutos após a realização do teste de exercício físico porque os níveis de proteína total e amilase salivar tendem rapidamente a voltar aos níveis de repouso. Além de produzir o kit, a Probiotec também vai fazer análise do material e emitir laudos.

A prática do uso da saliva em diagnósticos está sendo difundida nos Estados Unidos, onde são oferecidos kits para exames de detecção do nível de hormônios masculinos e femininos além do cortisol. Muitos grupos de pesquisa em todo o mundo apostam no estudo da saliva para outros tipos de diagnóstico. “No Japão, um grupo liderado pelo professor Masaki Yamaguchi, da Faculdade de
Engenharia Toyama, desenvolveu e está testando um aparelho de uso portátil como um palm que mede (como nos já tradicionais testes de glicose) a amilase numa fita de papel. Ele é indicado para uso em testes de estresse psicológico, principalmente em situações que exigem a medição no próprio local, como fazer o diagnóstico de um motorista de ônibus, por exemplo, ao longo do dia”, conta
Espindola. “Na Suíça, o professor Urs Markus Nater, do Instituto de Psicologia da Universidade de Zurique, testa uma série de exames psicológicos com amilase que envolvem situações de violência e como marcador biológico em sessões de terapia para o psicólogo perceber se o paciente está estressado.”

Os projetos
1.
Biomarcadores salivares para avaliação do estresse; Modalidade Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas (Pappe); Coordenador Foued Salmen Espindola – UFU/Probiotec; Investimento R$ 177.057,79 (Finep/Fapemig)
2. Desenvolvimento de kits para diagnósticos de biomarcadores salivares; Modalidade Rhae Inovação; Coordenador Foued Salmen Espindola – UFU/Probiotec; Investimento R$ 78.000,00 (MCT-CNPq)

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