Imprimir Republicar

Obituário

Elisa Frota-Pessôa, uma das primeiras físicas do país, morre aos 97 anos

Formada em 1942, participou da fundação do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas e atuou no fortalecimento da disciplina

Arquivo pessoal / CBPFUma das duas primeiras mulheres formadas em física no Brasil e figura central na institucionalização da pesquisa e no ensino da disciplina por aqui, Elisa Frota-Pessôa morreu na noite de sexta-feira (28/12) no Rio de Janeiro, aos 97 anos. Estava internada fazia 15 dias em decorrência de uma pneumonia.

Nascida em 17 de janeiro de 1921, Elisa se encantou por física e matemática na escola, o que a levou a desejar tornar-se engenheira. Considerada uma carreira masculina em um tempo – e uma família – em que o casamento era visto como aspiração suficiente a uma mulher, o projeto foi vetado. Mas ela descobriu a existência do curso superior em física por intermédio de seu professor de física Plínio Süssekind Rocha, cuja atenção conquistou após convencê-lo de que ela mesma resolvia os problemas apresentados por ele, e não o pai ou um irmão, conforme contou durante homenagem em 2003. Contra a opinião do pai, ingressou em 1940 na Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) – que depois veio a integrar a Universidade do Brasil, precursora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Nesse momento já estava casada com Oswaldo Frota-Pessôa, seu professor de biologia na escola, com quem teve dois filhos: Sônia, que também se tornou física, e Roberto, hoje cirurgião-geral.

Elisa formou-se no mesmo ano em que Sonja Ashauer terminou o curso de física na Universidade de São Paulo (USP), em 1942. Passou então a ser assistente do físico Joaquim da Costa Ribeiro na FNFi até 1944, quando foi nomeada docente na cadeira de Física Geral e Experimental. Sua carreira foi marcada por uma forte dedicação à pesquisa e ao ensino, enfrentando os desafios de ser uma mulher em um mundo masculino.

Um passo importante na institucionalização da física no país, ela participou em 1949 da fundação do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF). Foi de sua autoria, junto com Neusa Margem, o primeiro artigo de pesquisa da nova instituição: “Sobre a desintegração do méson pesado positivo” foi publicado em 1950 na revista Anais da Academia Brasileira de Ciências. Segundo relato dela própria em entrevista de 2012 na revista Cosmos & Contexto, o artigo chegou a ser aceito em uma revista norte-americana, pendente uma alteração no texto. Mas foi pressionada a apressar o processo para dar uma publicação ao Centro e contentou-se com a revista local. Com isso, em sua avaliação, o trabalho deixou de ter o alcance e o reconhecimento que deveria ter.

No CBPF, coordenou até 1964 o Laboratório de Emulsões Nucleares, com exceção do período em que esteve no University College de Londres, entre 1958 e 1959. Com a falta de laboratórios de física experimental para ensino na FNFi, Elisa levava seus alunos para fazer estágio no laboratório de ensino criado pelo físico Jayme Tiomno, com quem trabalhava desde a época de assistente de Costa Ribeiro e que se tornou seu segundo marido a partir de 1951 (mais um desafio às normas estabelecidas para mulheres, quando não existia divórcio). A aproximação dos estudantes com a pesquisa ajudou a impulsionar uma geração de físicos.

Com o regime militar, a partir de 1964 a aproximação entre a FNFi e o CBPF foi dificultada e em 1965 Elisa e Tiomno se transferiram para a Universidade de Brasília (UnB), levando seus melhores estudantes. Não durou muito. Naquele mesmo ano, mais de 200 docentes pediram demissão coletiva em protesto contra demissões por perseguição política. Elisa trabalhou por um ano na USP, entre 1968 e 1969, onde se dedicou ao estudo da espectroscopia nuclear. Em 1969 foi aposentada pelo AI-5 na FNFi e afastada do CBPF, juntamente com Tiomno, e foram trabalhar na Europa e nos Estados Unidos.

Com a anistia, seria necessário pedir a reintegração para voltar à UFRJ, coisa que se recusou a fazer. Em 1980 o casal foi readmitido no CBPF, onde continuaram o trabalho de pesquisa e ensino. Aposentada compulsoriamente por idade em 1991, Elisa recebeu o título de Pesquisador Emérito do CBPF e continuou a pesquisa até 1995.

Além dos dois filhos, ela deixa cinco netas e nove bisnetos, com um trineto a caminho.

Republicar