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Resenha

Em busca da origem da vida

Vida no Universo | José A. de Freitas Pacheco | Edusp | 232 páginas | R$ 38,00

Boa parte da humanidade coloca a vida como um tema religioso. Ela seria um milagre concedido por Deus e não um fenômeno natural. Muitas pessoas não conseguem imaginar que a natureza possa produzir coisas belas e complexas sem ser manipulada por um ser sumamente inteligente. Parte do pensamento religioso rejeita até mesmo o evolucionismo, que conta com tanto suporte observacional. Esse quadro tende a mudar quando a ciência apresentar um progresso claro no entendimento da origem da vida, seja produzindo-a em laboratório ou detectando atividade biológica em outros planetas. Ambos os caminhos estão sendo trilhados e prometem resultados em poucas décadas. A procura de vida fora da Terra tem recebido financiamento de bilhões de dólares a partir de um cenário em que nosso Universo é biófilo, pela ampla existência das condições semelhantes às da Terra. Nesse contexto, o livro Vida no Universo, do astrofísico brasileiro José A. de Freitas Pacheco, é muito importante.

Ele é escrito para não especialistas e seu objetivo principal é a divulgação científica, embora a densidade de informação seja bem grande. Cada tópico indica as fontes bibliográficas tradicionais e as recentes, o que é uma excelente prática acadêmica para que o leitor possa ir mais a fundo e formar sua própria opinião sobre o quanto cada resultado é robusto. Ainda mais, os apêndices incluem um tratamento formal dos processos físicos abordados com equações matemáticas, o que é valioso para profissionais e estudantes universitários.

São descritas as técnicas de descoberta de exoplanetas, as estatísticas dos diversos tipos, suas características físicas, a comparação com os planetas do Sistema Solar e as condições de habitabilidade. É interessante ver que a maior parte dos planetas descobertos é do tipo Netuno: gasoso, maior do que a Terra e menor do que Júpiter. Os rochosos vêm em segunda posição, liderados pelas superterras, o que é uma boa notícia, pois elas têm um termostato mais robusto do que os pequenos como a Terra. O principal parâmetro é a existência de água em estado líquido em ambiente aberto, por longas escalas de tempo. A existência de micróbios extremófilos na Terra, em ambientes muito diferentes dos suportados pela vida macroscópica, amplia as zonas de habitabilidade estelar, que só leva em conta o fluxo luminoso da estrela central.

O capítulo sobre a formação do Sistema Solar e exossistemas planetários é central nesse livro. A descoberta dos exoplanetas recolocou a planetologia na fronteira da pesquisa astronômica. Descobriu-se que o Sistema Solar é um caso específico e talvez raro de estabilidade e posicionamento dos planetas gasosos em órbitas externas por causa das interações Júpiter-Saturno. O professor José Pacheco é coautor do “modelo de Nice”, uma extensão do modelo “vai e vem”, publicado em 2009, que explica o estilingamento dos meteoros que aportaram água e compostos voláteis para a Terra.

As ideias sobre a origem da vida na Terra são apresentadas com base em resultados recentes de experimentos em laboratório, além de descobertas sobre condições físico-químicas na fase pré-biótica. É discutida a possibilidade de existência de vida em outros corpos do Sistema Solar como Marte, Europa, Titã e Encelado e mostrado que sua detecção é muito difícil, mesmo com a análise de amostras in situ. Dado o imenso número de planetas iguais à Terra em zona estelar habitável da nossa galáxia, 4 bilhões, o palco mais promissor de procura de vida fora da Terra são os exoplanetas.

O tema do livro, na verdade, é “vida como a da Terra” no Universo. Ainda que o autor tenha se mantido dentro desse paradigma, que é o que a ciência permite, ele relata o que cientistas de renome escreveram sobre a existência de supercivilizações na nossa galáxia. Embora ainda não tenhamos sido contatados nem recebido visitas de ETs, a pergunta “estamos sós no Universo?” continua em pauta. Sobre essa saída do enquadre científico, vale lembrar que ideias de que existem planetas girando em torno de outras estrelas e que elas seriam outros sóis foram defendidas por pensadores ao longo de 20 séculos sem nenhuma base científica. Só recentemente acabaram sendo comprovadas e injetaram energia na ciência tradicional.

Augusto Damineli é professor titular do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP) e autor de Hubble: A expansão do Universo (Odysseus, 2003).

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