Neste ano, as seis categorias do Prêmio Nobel homenagearam 14 pessoas. Só uma é mulher: a economista francesa Esther Duflo. Além dela, a escritora polonesa Olga Tokarczuk recebeu o prêmio de literatura, referente a 2018, quando não houve premiação nessa categoria. A exígua presença de mulheres entre os laureados não é novidade. Desde 1901, quando as primeiras categorias do prêmio foram criadas, 950 pessoas receberam um Nobel. Só 22 são mulheres, metade homenageada a partir de 2000. O desequilíbrio poderia ser consequência da sub-representação das mulheres nas ciências exatas, biológicas e sociais. Não é. Com duas colaboradoras, a física Liselotte Jauffred, da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, analisou os dados históricos da premiação. Elas usaram a proporção de mulheres no corpo acadêmico das universidades norte-americanas como aproximação do que ocorre no resto do mundo e viram que o número de premiadas é bem inferior à proporção de pesquisadoras atuando em física, química, economia e medicina ou fisiologia. Concluíram que há uma probabilidade de 96% de haver favorecimento aos homens na premiação (Palgrave Communications, 7 de maio). Cada categoria oferece prêmio em dinheiro no valor de 9 milhões de coroas suecas, o equivalente a R$ 3,7 milhões.
Conciliação nas fronteiras e cooperação internacional
Iniciativas para solucionar tensões que se estendiam por quase 20 anos com a Eritreia e para promover a cooperação internacional renderam o Nobel da Paz ao primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed Ali. Em 1988, disputas sobre o controle da região de Badme motivaram a eclosão de uma guerra que durou dois anos e terminou com 100 mil mortos. Para assinar o acordo, a Etiópia reconheceu a região como território eritreu e a Eritreia franqueou à Etiópia acesso ao mar Vermelho. Com a retomada do tráfego aéreo e marítimo, os dois países reabriram embaixadas e permitiram a circulação de pessoas pela fronteira. Nascido em 1976 na cidade de Beshasha, Ali se tornou primeiro-ministro em abril de 2018. Nos primeiros 100 dias de governo, retirou o país do estado de emergência, concedeu anistia a presos políticos e demitiu líderes civis e militares suspeitos de corrupção. Contribuiu para normalizar as relações diplomáticas entre Eritreia e Djibouti e mediou encontros entre dirigentes de Quênia e Somália para resolver disputas envolvendo uma zona marítima. Destacam-se seus esforços para ampliar a participação feminina na política, implementando paridade de gênero em seu gabinete. Em seu discurso de posse, citou as mulheres, agradeceu a mãe e enalteceu a força feminina. Indicou, na condição de presidente da Casa dos Representantes do Povo (câmara dos deputados), a primeira presidente da Etiópia, a diplomata Sahle-Work Zewde.
A estrutura do Universo e novos sistemas solares
Por suas contribuições para o entendimento da evolução do Universo e do lugar da Terra no Cosmo, um trio de pesquisadores recebeu o Nobel de Física de 2019. Metade do prêmio foi para o físico canadense naturalizado norte-americano James Peebles, de 84 anos, da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. Iniciados nos anos 1960, os trabalhos de Peebles estabeleceram a visão moderna sobre a história do Cosmo desde o Big Bang. Eles ajudaram os radioastrônomos norte-americanos Arno Penzias e Robert Wilson a interpretar uma forma de radiação que detectaram em 1964 e lhes rendeu o Nobel de Física de 1978: a radiação cósmica de fundo, um sinal de micro-ondas produzido 400 mil anos depois do Big Bang. As contribuições de Peebles também permitiram definir a forma achatada do Universo em expansão e prever a existência de duas componentes misteriosas do Cosmo: a matéria escura e a energia escura. A outra metade foi dividida pelos astrofísicos suíços Michel Mayor, de 77 anos, e Didier Queloz, de 53 anos, ambos do Observatório de Genebra, na Suíça. Em 1995, Mayor e Queloz anunciaram em uma conferência a descoberta do primeiro planeta fora do Sistema Solar orbitando uma estrela semelhante ao Sol: o Pégaso 51 b, distante cerca de 50 anos-luz da Terra. Hoje são conhecidos mais de 4 mil exoplanetas.
A saga das baterias recarregáveis
Pesquisadores que desempenharam um papel fundamental no desenvolvimento das baterias elétricas recarregáveis compartilharam o Nobel de Química deste ano: o químico britânico M. Stanley Whittingham, da Universidade Estadual de Nova York em Binghamton, EUA, o matemático e físico norte-americano John Bannister Goodenough, da Universidade do Texas em Austin, EUA, e o químico japonês Akira Yoshino, da Universidade Meijo, Japão. Eles conduziram nos anos 1970 e 1980 estudos que levaram à criação e à produção comercial das baterias de íons lítio, que hoje equipam de celulares a carros elétricos (ver página 70). Whittingham começou a investigar formas inovadoras de armazenar energia na crise do petróleo dos anos 1970. Ele trabalhava na petrolífera Exxon e percebeu que conseguia produzir uma bateria com grande capacidade de acumular carga construindo o eletrodo (polo) positivo com um material que se deposita em lâminas de espessura microscópica. Essa estrutura permitia ao lítio dissolvido no eletrólito e eletricamente carregado (na forma de íon) penetrar no material e se acumular, atraindo elétrons. Na Universidade de Oxford, no Reino Unido, Goodenough, hoje com 97 anos e o mais velho ganhador de um Nobel, criou baterias capazes de acumular ainda mais carga ao substituir o dissulfeto de titânio usado por Whittingham no eletrodo positivo por óxido de lítio e cobalto. Nos anos 1980, Yoshino aperfeiçoou essa bateria ao substituir o bloco metálico de lítio (causador de explosões) do eletrodo negativo por um subproduto do petróleo, o coque. “Seu trabalho tornou as baterias mais leves e seguras”, afirma o químico Nerilso Bocchi, da UFSCar. “As baterias de íons-lítio causaram grande impacto na vida das pessoas e abriram um campo de pesquisas para diversificar as tecnologias de armazenamento de energia”, explica o químico Roberto Torresi, da USP.
Pesquisa histórica e exploração da linguagem
Os ganhadores das edições de 2018 e 2019 do Nobel de Literatura foram, respectivamente, a escritora e ativista polonesa Olga Tokarczuk e o escritor e dramaturgo austríaco Peter Handke. Olga Tokarczuk é a 15ª mulher a receber o Nobel de Literatura, em 116 edições do prêmio. Best-seller na Polônia, ela possui apenas um livro traduzido no Brasil, Vagantes (Tinta Negra, 2014). A editora Todavia, responsável por sua obra a partir de novembro, prepara o lançamento de Sobre os ossos dos mortos. “A escritora desenvolve um trabalho minucioso de pesquisa histórica, com vistas ao resgate de aspectos que ficaram à margem do conhecimento canônico”, afirma Henryk Siewierski, coordenador da Cátedra Cyprian Norwid de Estudos Poloneses da Universidade de Brasília (UnB). Em seus cerca de 20 livros, Tokarczuk, que nasceu em 1962 na cidade de Sulechów, também traz à luz visão pouco ortodoxa da história polonesa. Já Peter Handke, nascido em 1942 em Griffen, na fronteira da Áustria com a Eslovênia, é formado em direito e vive em Paris, na França. Considerado inovador na literatura de língua alemã, publicou cerca de uma centena de livros, entre contos, romances, peças teatrais e roteiros para o cinema. “Handke é um explorador da linguagem e investe contra todas as convenções. Tenta apreender o mundo sem que o pensamento atravesse essa apreensão; interessam-lhe apenas sensações, em uma busca de simplicidade, autenticidade e pureza”, observa Celeste Henriques Marquês Ribeiro de Sousa, professora do Programa de Pós-graduação em Língua e Literatura Alemã da Universidade de São Paulo (USP). A migração e a solidão também são temas recorrentes em suas obras. Grupos de escritores de vários países criticaram a premiação a Handke, que, no passado, apoiou o líder sérvio Slobodan Milosevic (1941-2006), acusado pelo Tribunal Penal Internacional de cometer crimes contra a humanidade.
Os genes do sensor de oxigênio do corpo
A descrição dos mecanismos moleculares que ajudam as células a se adaptarem aos níveis de oxigênio (O2) rendeu o Nobel de Medicina de 2019 a William Kaelin Jr., da Universidade Harvard, Gregg Semenza, da Universidade Johns Hopkins, ambas nos Estados Unidos, e Peter Ratcliffe, da Universidade de Oxford, no Reino Unido. Essa regulação, identificaram, ocorre pela ativação ou desligamento de alguns genes. O oxigênio é usado no interior das células para transformar glicose em energia. Muitas vezes, contudo, a disponibilidade de oxigênio diminui (hipóxia). No processo evolutivo, o organismo humano desenvolveu mecanismos para identificar a disponibilidade de O2 e garantir que ele chegue em nível suficiente aos tecidos. Um envolve o corpo carotídeo, o outro, o hormônio eritropoietina (EPO). Os dois sistemas eram conhecidos, mas não os genes que os regulavam. Nos anos 1990, Semenza e seu grupo localizaram trechos do DNA próximos ao gene EPO que ajudam a mediar a resposta do organismo à hipóxia, codificando um complexo proteico, o fator induzível por hipóxia (HIF). Estudando esses genes, Ratcliffe viu que o mecanismo estava presente em várias células do corpo. Kaelin, pesquisando a Síndrome de von Hippel-Lindau, doença genética associada a tumores desencadeados por mutações no gene VHL, percebeu que as células cancerígenas com funcionamento anormal do VHL tinham ativação elevada de genes regulados por hipóxia. A atividade desses genes era normalizada quando cópias normais eram reintroduzidas nas células. Kaelin concluiu que a proteína expressa pelo VHL interagia com o HIF, favorecendo sua degradação.
Estudos sobre formas de combater a pobreza
Neste ano o Nobel de Economia homenageou três pesquisadores que ajudaram a desenvolver métodos inovadores de pesquisa sobre a pobreza e as formas de combatê-la. O norte-americano Michael Kremer, da Universidade Harvard, o indiano radicado nos Estados Unidos Abhijit Banerjee e a franco-americana Esther Duflo, ambos do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), dividirão o prêmio, criado em 1969 pelo Banco Central da Suécia, em memória a Alfred Nobel. Na década de 1990, Kremer, de 54 anos, Banerjee, de 58 anos, e Duflo, de 46 anos, apostaram em métodos experimentais pouco usados na pesquisa em economia para descobrir formas de tirar um grande número de indivíduos da pobreza extrema. Fatiaram o problema em múltiplas perguntas e realizaram experimentos em comunidades ou países para avaliar quais práticas e políticas públicas resolveriam melhor cada aspecto. “Eles incorporaram à análise de políticas públicas métodos usados na medicina, como a realização de ensaios randomizados”, diz o economista Naercio Menezes Filho, do Insper, instituição de ensino superior e pesquisa sediada em São Paulo. A mesma abordagem usada em estudos sobre a eficiência de medicamentos, como a seleção aleatória do grupo tratado com o princípio ativo e do grupo que recebe placebo, foi aplicada na busca de estratégias para combater a mortalidade infantil ou aumentar a frequência escolar. Nos anos 1990, Kremer analisou o desempenho escolar de grupos de crianças no Quênia e concluiu que a oferta de mais livros não tinha impacto nas notas, evidenciando que a escassez de recursos não explicava sozinha os problemas de aprendizagem. Casados, Duflo e Banerjee trabalharam na Índia e viram que métodos de ensino criados sem levar em conta as necessidades dos alunos eram uma barreira ao aprendizado. O treinamento de tutores melhorou o desempenho. Nascida na França, Duflo é a pessoa mais jovem – e a segunda mulher – a ganhar um Nobel de Economia.
Republicar