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Ciência Aplicada ao Campo

Entusiasmo pelo café

As contribuições do pesquisador Luiz Carlos Fazuoli para a cafeicultura nacional

Luiz Carlos Fazuoli: durante 35 anos mantém a tradição do IAC em produzir novas variedades de café

EDUARDO CESARLuiz Carlos Fazuoli: durante 35 anos mantém a tradição do IAC em produzir novas variedades de caféEDUARDO CESAR

O mesmo fruto e a mesma planta de café que o pesquisador Luiz Carlos Fazuoli, do Instituto Agronômico (IAC) em Campinas, se dedica a estudar, há mais de 35 anos, trazendo muitas contribuições para o melhoramento genético da cultura cafeeira do país, são os mesmos com os quais seu pai, Guido Fazuoli, começou a trabalhar como meeiro, ainda na adolescência, depois de chegar ao Brasil, vindo da Itália, em 1923. Instalado inicialmente na cidade de Dois Córregos e posteriormente Jaborandi, duas cidades do interior paulista, o velho Fazuoli plantou e abanou café, e viu depois o filho se tornar engenheiro agrônomo, em 1969, na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo, já em sua própria fazenda no mesmo município de Jaborandi. “O fato de eu vir a estudar café foi uma simples coincidência”, diz Luiz Fazuoli. Mas o café logo apareceria em sua vida. “Fiz estágio na Esalq, no período de 1967 a 1968, com a orientação do professor Eurípedes Malavolta, sobre nutrição do cafeeiro, e publiquei o meu primeiro trabalho científico em 1968″, conta.

Depois de formado, Pazuoli ganhou uma bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para trabalhar com genética e melhoramento do milho no IAC.”Eu havia me entusiasmado pelo melhoramento de plantas já no quinto ano da faculdade com o professor Ernesto Paterniani.” Nessa prática agronômica, o pesquisador busca obter novas variedades para uma determinada cultura, normalmente levando o pólen de uma flor de uma planta mais resistente a uma doença para os órgãos femininos da flor de uma outra planta igualmente resistente ou mais produtiva, por exemplo, num longo e demorado processo para resultar em uma linhagem diferente das existentes.

“No melhoramento, é preciso acumular uma grande bagagem de conhecimento em botânica, nutrição, pragas e doenças”, explica. No IAC, o trabalho inicial com milho tinha uma relação com seu passado. “Meu pai plantava milho naquela época e desde pequeno acompanhei a plantação, embora eu ajudasse mais no armazém dele em Jaborandi.” Foi nessa cidade, na região de Ribeirão Preto, que Fazuoli nasceu, em 1940, e conheceu sua esposa.

O conhecimento maior e a especialização no café, ele só iniciaria com o término de sua bolsa em 1970. “Acabou a bolsa e não havia vaga para mim. Aí recebi um convite para dar aula na Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Jaboticabal, mas, quase ao mesmo tempo, surge no Brasil a ferrugem, uma doença perigosa para o cafeeiro.” Provocada por um fungo, a ferrugem ataca principalmente as folhas, deixando-as amarelas e os ramos secos, prejudicando, com o tempo, toda a planta. Originária da África, a doença atingiu primeiro as plantações de café próximas aos cacaueiros, na Bahia. “Com esse perigo iminente para São Paulo, o instituto resolveu contratar mais dois pesquisadores para trabalhar com o café diretamente com o doutor Alcides.” O “doutor Aleides” citado por Fazuoli é o engenheiro agrônomo Aleides de Carvalho, reconhecido como a maior liderança científica da cafeicultura mundial. Ele trabalhou no IAC de 1935 a 1993 e foi o principal responsável por grande parte das variedades de café e pesquisas para entender e controlar as doenças da planta. Fazuoli trabalhou por 23 anos sob a coordenação de Carvalho e é considerado seu discípulo e herdeiro direto nos estudos dos cafeeiros.

“No IAC queriam alguém disposto a sair pelo estado para testar e estudar as novas variedades resistentes à ferrugem que chegou em São Paulo logo em seguida, em 1971”, diz. Naquele tempo, Carvalho já tinha variedades imunes ao fungo. Ele começou a se preparar contra a ferrugem em 1950, com sementes colhidas nos experimentos em Campinas e outras enviadas pelo Centro de Investigação das Ferrugens do Cafeeiro (CIFC) de Portugal, país que lutava contra a doença nos cafezais em suas então colônias africanas, como Angola e Moçambique.

“Passamos a testar as variedades não só em relação à doença, mas também em relação aos tipos de grãos, produtividade e demais características agronômicas.” Muitas dessas variedades foram cruzadas com outras desenvolvidas aqui no Brasil e resultaram em terceiras linhagens mais resistentes. Daí para frente, Fazuoli colaborou ou foi o principal artífice de muitas variedades de café, cada uma própria para uma região climática do estado e do país, com porte alto ou baixo, cores de fruto e qualidade da bebida. São cultivares mais antigas e disseminadas por todo o país, como a Mundo Novo, a Acaiá, a Icatu, até as mais recentes lançadas em 2000, como a Tupi IAC 1669-33, a Obatã IAC 1669-20 e a Ouro Verde IAC H501O-5, além de outras em fase final de seleção, como a Catuaí e uma variedade da Mundo Novo, resistentes à ferrugem. As atuais cultivares do IAC no Brasil representam 90% do café arábica (Coffea arabica) plantado no país, relativos a dois terços dos 6 bilhões de pés de café brasileiros. O restante é de café robusta (Coffea canephora), predominante no estado do Espírito Santo, espécie de que o IAC também desenvolve novas variedades e clones.

Muito das cultivares desenvolvidas no IAC também são produtivas em outros países. “Na Colômbia, 60% dos cafeeiros são da variedade Caturra, do IAC. Desde a década de 1970, o instituto recebe muitos pesquisadores desse país (segundo produtor mundial atrás do Brasil). Na Costa Rica, 55% da plantação é da cultivar Catuaí e os cafeeiros restantes, de Caturra.” Fazuoli também foi consultor do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (nCA) em países centro-americanos e africanos. Na trajetória acadêmica, ele fez o mestrado entre 1974 e 1977, na Esalq, mas o doutorado demorou um pouco. “Estava envolvido com o trabalho no IAC e não havia tempo”, lembra Fazuoli. Iniciado em 1986, ele defendeu sua tese em 1991, na Universidade Estadual de Campinas, quando completou 51 anos de idade. Como professor, dá aulas na pós-graduação da Esalq e no IAC sobre melhoramento de café.

Embora com tempo de trabalho para se aposentar, Fazuoli diz que vai esperar mais um pouco e continua acompanhando, como diretor do Centro de Café Alcides Carvalho do IAC,as pesquisas posteriores ao recém-finalizado Genoma do Café, em que se verificam, por exemplo, genes específicos, relacionados à qualidade da bebida. Ele também acompanha novidades como uma linhagem de cafeeiro com grãos descafeinados, em colaboração com a pesquisadora Maria Bernadete Silvarolla, e até uma variedade formada pelos cafés arábica e robusta, já chamada de arabusta.

Casado e com três filhos que não seguiram a tradição familiar e se voltaram para o direito, Fazuoli mantém uma propriedade agrícola herdada do pai. “Ela está arrendada com cana e soja. Café eu não planto porque a região (Jaborandi, Barretos) é muito quente e não permite o plantio de café arábica.” Palavra de quem conhece.

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