Imprimir PDF Republicar

Luiz Henrique Proença Soares

Esforço de inovação ainda restrito a poucas empresas

Os números transmitidos ao grupo de trabalho pelo diretor-adjunto de Produção de Dados da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), Luiz Henrique Proença Soares, não deixam dúvidas: o interior está crescendo, mas a parcela da capital e das cidades próximas na atividade econômica do Estado de São Paulo continua a ser de enorme maioria. Com base numa minuciosa pesquisa realizada pela Fundação, Proença Soares levantou também dois aspectos muito importantes para o futuro da capacidade inovadorado Estado: a pesquisa e o desenvolvimento estão concentrados em apenas umas poucas empresas; e a maioria das empresasusa a inovação apenas como atividade defensiva, para manter fatias de mercado, não como instrumento para o futuro. Proença Soares formou-se em 1977 em Ciências Sociais pelo Instituto de Filosofia, Ciências e Letras da Universidadede São Paulo (USP). Em 1979, obteve o diplôme d’études approfondies pelo Instituto de Urbanismo de Paris, da Universidadede Paris XII, e, em 1982, um doutorado em Urbanismo pelo mesmo instituto. Entre suas áreas de atuação, estão administração pública, planejamento urbano e regional, políticas públicas e sistemas de informações socio econômicas. Suas atividadesna Fundação Seade incluem a supervisão geral da homepage e de toda a política de informática da entidade.

No ano passado, a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) divulgou os resultados de uma pesquisa sobre a atividade econômica do Estado de São Paulo que trouxe dados inéditos sobre o panorama empresarial. Trata-se da Pesquisa da Atividade Econômica Paulista (PAEP). A metodologia desta pesquisa foi criada no início da década de 90. Ela surgiu da percepção da Fundação Seade, como órgão produtor de informações sobre o Estado de São Paulo, de que faltavam estatísticas econômicas sobre o Brasil e, especificamente, sobre o Estado. O último censo econômico do IBGE fora realizado em 1985; em 1990, não houve censo econômico; em 1994, finalmente o IBGE começou a aplicar uma nova estratégia de produção de estatísticas econômicas, sem, no entanto, contemplar indicadores qualitativos.

Todo o processo de mensuração econômica em relação às atividades produtivas estava, assim, bastante defasado e carente. Além de o Censo de 1990 não ter sido realizado, as pesquisas anuais do IBGE, sobre indústria, comércio, construção civil e transportes, estavam com sua divulgação atrasada. Isso era resultado de uma reforma administrativa, na minha opinião bastante desastrada, que no início dos anos 90 e final dos anos 80 atingiu a administração pública federal e penalizou sensivelmente o IBGE .

A Fundação Seade e um conjunto de usuários de informações econômicas identificaram três focos de preocupação em relação às estatísticas econômicas. Um deles era a mensuração econômica propriamente dita, tradicionalmente coberta pelo censo econômico e pelas pesquisas anuais, as quais, apesar de serem amostrais, tinham cobertura bastante expressiva. Além da mensuração, havia uma preocupação sobre a questão da reestruturação produtiva, que, nos primeiros anos da década de 90, já se anunciava na economia brasileira. Havia, nessa época, muito pouca, ou mesmo nenhuma, informação estatisticamente representativa sobre os vários aspectos envolvidos nesse processo, nem sobre sua abrangência, intensidade, distribuição setorial e outros fatores.

Em terceiro lugar, no caso do Estado de São Paulo, era muito importante acompanhar uma dinâmica socio-econômica territorial que as pesquisas anuais do IBGE não mostram. A partir dessas pesquisas, só é possível separar dados para a Região Metropolitana e para o restante do Estado. A economia regional no Estado de São Paulo é bastante dinâmica e significativa em determinados aspectos. Era, assim, uma questão fundamental ter uma idéia dessa representatividade no âmbito regional.

A PAEP cobriu indústria, comércio e serviços, sendo que, dentro da indústria, houve uma extração específica para a construção civil. Foi criada também uma abordagem específica para a agroindústria, que no Estado de São Paulo é um segmento econômico bastante importante e significativo. Para todas as variáveis, especialmente as que dizem respeito à reestruturação produtiva, procurou-se obter dados capazes de serem comparados com os resultantes dos sistemas estatísticos de âmbito nacional, especialmente a nova Classificação Nacional das Atividades Econômicas (CNAE), e toda a série de procedimentos metodológicos adotada pelo IBGE.

Também foram considerados os procedimentos internacionais, especialmente os ancorados nos procedimentos recomendados pela OCDE e consubstanciados no Manual de Oslo. Assim, os resultados são altamente comparáveis com os produzidos por outras pesquisas em todo o mundo. Essas comparações estão sendo feitas e esperam-se alguns resultados bastante interessantes. Na mensuração econômica, algumas variáveis básicas foram investigadas. Em relação à reestruturação produtiva, procurou-se gerar indicadores para itens como inovação tecnológica, novas formas de gestão, fusões, automação, informática e requisitos para contratação de pessoal.

Há uma abordagem importante na área de requisitos de contratação, já que a Fundação Seade, juntamente com o Dieese, realiza pesquisas de emprego e desemprego. Havia uma percepção muito nítida das mudanças no mercado de trabalho ao longo dos quase 13 anos de existência da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED). No entanto, não havia nada em relação ao universo empresarial, sobre a visão das empresas em relação à mudança do mercado, seja do ponto de vista do aumento dos índices de desemprego, seja do ponto de vista da precarização dos vínculos e das relações de trabalho.

Em relação às indústrias, foram investigados todos os estabelecimentos com mais de 30 empregados. Realizou-se, portanto, um verdadeiro censo em todos os estabelecimentos de maior porte do Estado de São Paulo. Nos estabelecimentos industriais com menos de 30 empregados e mais do que 5, foi feita uma amostragem. No caso do comércio, foram investigados todos os estabelecimentos com mais de 20 empregados e, abaixo disso, feita uma amostragem, até os que contavam apenas 1 empregado. Além disso, foram investigados dois segmentos no setor de serviços, as empresas produtoras de serviços de informática e os bancos. No caso dos bancos, todos os grandes e médios bancos responderam à pesquisa.

No setor de informática, foram investigadas todas as empresas com mais de 20 empregados e, abaixo disso, feita uma amostra. Tanto as empresas maiores como o universo amostral das empresas de menor porte respondem por uma proporção de 80 a 85%, tanto com relação ao valor adicionado como ao pessoal ocupado no Estado de São Paulo. Portanto, os resultados da pesquisa puderam ser expandidos para todo o universo de empresas do Estado de São Paulo, com bastante propriedade e tranqüilidade.

A tarefa era bastante complexa e inovadora e precisou ser partilhada com outros parceiros. A Fundação procurou de imediato as principais universidades e centros de pesquisa paulistas, em busca de apoio metodológico e teórico. Em seguida, foi às entidades do empresariado – Fiesp, Federação do Comércio, Associação Comercial, Sinduscon – buscar o seu apoio institucional, a divulgação por meio de sua mídia específica e também um diálogo, para verificar se as questões estavam adequadamente formuladas e se se conseguiria níveis de compreensão adequados por parte do universo empresarial. O objetivo era reduzir as recusas e aumentar o nível de confiabilidade das respostas obtidas.

Foi mantido um contato constante com o IBGE e obtido o apoio extremamente importante da agência financiadora de pesquisas no Estado de São Paulo, a FAPESP, responsável pelo financiamento do trabalho de campo da pesquisa. A FAPESP respondeu por uma parcela importante do custo total. A Fundação recebeu, também, um financiamento da Finep para a realização desse trabalho. Ambas arcaram com cerca de um terço do custo total da pesquisa, sendo o restante financiado pelo orçamento da própria Fundação.

Essa articulação foi muito interessante, porque enriqueceu a pesquisa e a tirou dos muros da Fundação Seade, que, por mais capacitada que possa ser, jamais poderia dar conta, sozinha, de uma tarefa tão complexa. Na disseminação dos resultados, foi adotada uma postura inovadora, no sentido de divulgar os microdados, preservando-se o sigilo da fonte. Os microdados são divulgados para que os próprios pesquisadores possam construir suas tabulações. Há um CD-ROM com os dados à disposição dos usuários na Fundação Seade. A intenção é que uma pesquisa desse tipo seja realizada a cada quatro anos. Esta foi a primeira e estabelece um patamar de comparação para toda uma série de indicadores. Há a intenção de produzir uma nova pesquisa no ano 2001, relativa à situação do ano 2000.

Ocorreu outro fato muito importante na questão das parcerias. O Consórcio Intermunicipal do ABC manifestou interesse em conhecer melhor sua realidade. Pretendia fazer um censo econômico. Acabou tornando-se um parceiro regional. Financiou uma expansão da amostra, de maneira que há dados específicos para a região do ABC e cada um dos seus municípios, sobre o processo de reestruturação produtiva na região.

O Estado de São Paulo tem uma estrutura bastante diversificada quanto às suas empresas. Há concentrações que variam conforme o tipo de análise. Mas, do ponto de vista de qualquer um dos três enfoques usados na pesquisa, confirma-se de que se trata de uma economia bastante complexa, diversificada e com a presença de praticamente todos os setores significativos da indústria de transformação.Do ponto de vista regional, o que se nota, em primeiro lugar, é uma fortíssima concentração da atividade econômica na Região Metropolitana de São Paulo.

Ela representa quase 57% dos empregos e mais de 60% do valor adicionado do Estado. Há uma expansão dessas atividades para a região imediatamente próxima. Se traçarmos um círculo com raio de 150 quilômetros a partir da capital, os valores chegam de 80 a 85% do total do Estado. Entram nessa área, basicamente, cidades como Jacareí, São José dos Campos, Jundiaí, Campinas, Americana, Limeira, Sorocaba, Votorantim e seus entornos.

Essa forte concentração da atividade econômica, num raio de alguns quilômetros a partir da praça da Sé, ocorre apesar de todo o processo de interiorização verificado ao longo dos anos 70 e no começo dos anos 80, como fruto da política de atenuamento de desigualdades regionais do segundo PND. A interiorização aconteceu. Grandes investimentos públicos foram realizados no interior, levando indústrias e empresas para fora da capital. Mas, paralelamente, continuaram a ocorrer investimentos muito fortes na atividade industrial dentro da Região Metropolitana.

A agroindústria tem uma situação específica. Existe um peso muito grande da agroindústria da cana-de-açúcar, do leite, do fumo e das conservas. São Paulo é o primeiro produtor nacional de cana-de-açúcar e o maior produtor mundial de suco de laranja, produzindo sozinho mais suco de laranja do que os Estados Unidos. Do ponto de vista da distribuição da agroindústria no território paulista, um dado que salta à vista é, também, a forte concentração da atividade agroindustrial na Região Metropolitana.

Quase 25% da agroindústria paulista está concentrada na Região Metropolitana. Somando-se a participação da região de Campinas, chega-se à metade. No resto do Estado, a distribuição regional é bastante menos expressiva, apesar de importante na estrutura econômica regional. As atividades ligadas ao comércio estão melhor distribuídas. Existe uma proporcionalidade maior, que quase acompanha a distribuição populacional. Isso só não ocorre com o comércio atacadista, que ainda está fortemente concentrado na Região Metropolitana e pela existência de comércio mais sofisticado na Grande São Paulo.

No caso dos serviços de informática, considerados nobres no processo de reestruturação produtiva, a concentração na Região Metropolitana é infinitamente maior. É um setor de apoio à produção fortemente associado ao processo de modernização tecnológica e de reestruturação produtiva. Nada menos do que 79% das unidades, 85% do pessoal ocupado e quase 91% do valor adicionado estão concentrados na Região Metropolitana. Fora dessa área, há apenas duas participações dignas de nota: a região de Campinas, em que há um grande número de locais e pessoal ocupado, mas um índice baixo de valor adicionado, e a região de São José dos Campos, onde ocorre o inverso.

É interessante notar a existência, no Estado, de um grande número de empresas industriais de pequeno porte, responsáveis por parcelas muito pequenas do valor adicionado e do pessoal ocupado. Inversamente, existe um pequeno número de grandes empresas, responsáveis por uma parcela extremamente significativa do valor adicionado e também do emprego. Essa é a distribuição das unidades industriais no nosso Estado. A análise por porte que se seguiu à coleta de dados mostrou que a estrutura salarial das empresas do Estado tem forte assimetria. Os salários médios pagos pelas grandes empresas chegam a ser o triplo dos pagos pelas empresas menores. Mesmo assim, há algumas surpresas. Das grandes empresas, 8% por exemplo, não têm programas de alimentação para os funcionários e 23% não têm programas de transporte.

A forte assimetria existente com relação ao porte das empresas industriais no Estado de São Paulo foi repetida com freqüência em vários indicadores produzidos pela pesquisa, não deixando dúvidas de que ele representa uma variável capaz de explicar vários aspectos da performance de uma empresa. A pesquisa investigou também, do ponto de vista da origem do capital, a questão do controle patrimonial das empresas. Entre as empresas de capital estrangeiro, o líder entre os investidores é a União Européia, tomada como um bloco. Isoladamente, os Estados Unidos ocupam o primeiro lugar. Mas a União Européia, tomada como um todo, supera os Estados Unidos, ficando a Alemanha, membro desse bloco, um pouco abaixo dos Estados Unidos.

Em relação à competitividade, foram selecionados, para esta apresentação, quatro indicadores: exportações, treinamento, técnicas de gestão de qualidade total e inovação, aqui entendida tanto como de produto como de processo. Os quatro mostraram comportamento semelhante, fortemente explicado pelo porte das empresas. Outro trabalho foi o de analisar a distribuição de aspectos ligados às estratégias de reestruturação produtiva pelos diversos segmentos empresariais. Um exemplo disso é dado pelo setor de alimentos e bebidas, que representa uma parcela bastante expressiva do setor industrial paulista, aparecendo em penúltimo lugar com relação ao número de empresas consideradas inovadoras, mas no qual o valor produzido por essas empresas inovadoras é proporcionalmente elevado.

É possível dizer que na indústria do Estado convivem empresas com estrutura empresarial e tecnológica antigas com empresas modernas e avançadas.Outro aspecto importante é que, entre as estratégias da gestão de produção mais freqüentemente adotadas pelas empresas, há uma ocorrência maior de respostas voltadas para os novos métodos de organização do trabalho, os quais, entre outros aspectos, comportam um aumento do desemprego.

Os dados sobre pessoal alocado em Pesquisa e Desenvolvimento mostram que o esforço de inovação é bastante desigual. Uma presença muito forte da Embraer, por exemplo, pode elevar um índice até torná-lo muito superior ao de outros setores. Quando se exclui a Embraer, há uma queda para um patamar inferior. Existem, assim, empresas que elevam os indicadores para patamares mais elevados, mas de um ponto de vista apenas relativo. São empresas que alocam recursos e contratam pessoal para Pesquisa e Desenvolvimento. Mas, em termos absolutos, sua participação na estrutura econômica do Estado como um todo é baixa.

Um interesse da pesquisa foi o de conhecer os motivos considerados importantes ou muito importantes pelas empresas para a realização de inovações. Os motivos mais freqüentemente mencionados para as inovações, tanto de produtos como de processos, estão ligados a razões defensivas, para a manutenção de fatias de participação no mercado. Portanto, as variáveis de mercado pesam mais que uma postura pró-ativa, destinada a antecipar novas tecnologias ou novos processos tecnológicos, ampliar omix de produtos da empresa ou substituir produtos obsoletos. Essas razões, muitas vezes importantes, estão entre as menos mencionadas ou entre as consideradas menos importantes.

A pesquisa tentou conhecer também as fontes da inovação, as áreas onde as empresas mais freqüentemente buscam conhecimentos para suas inovações. Outra vez, ficou claro que as fontes ligadas ao mercado, como clientes, fornecedores, concorrentes e feiras, têm um peso muito grande. O porte da empresa é significativo para explicar algumas respostas. As grandes empresas aparecem com muito mais freqüência entre as que têm departamento próprio de pesquisa e desenvolvimento.

O trabalho confirmou uma participação relativamente baixa dos institutos de pesquisas e das universidades nesse processo de geração de inovação das empresas. É interessante notar que há uma forte corroboração das conclusões a que o professor Roberto Sbragia, que falou antes de mim, chegou com relação à falta de mecanismos para uma adequação entre oferta e demanda de novas tecnologias, entre produção de teses e registro de patentes.

Há ainda na pesquisa um bloco de questões voltadas para a relação das empresas com meio ambiente e a identificação de oportunidades de negócios ou de riscos para a atividade desenvolvida, a partir de seu envolvimento nessa área.Nós, na Fundação Seade, estamos à disposição para aprofundar esta reflexão e trazer novos aspectos inexplorados. Mais que isso: contamos com a comunidade de usuários, no sentido de utilizar essa pesquisa e nos dar retorno em relação à realização da próxima PAEP. A produção de estatísticas é assunto eminentemente público, financiado pelo setor público, e não deve haver nenhuma ilusão quanto a este aspecto. Ela deve ter retorno para os usuários.

Republicar