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CNCTI

Especialistas discutem alternativas para ampliar financiamento à ciência

Conferência busca sugestões para reformular o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

Léo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FapespPacheco, durante palestra sobre FNDCT: “A política brasileira de inovação não conseguiu fazer o setor privado sair do lugar”Léo Ramos Chaves / Revista Pesquisa Fapesp

Principal instrumento federal de financiamento à pesquisa e à inovação, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) vem recuperando sua capacidade de investimento – no ano passado, R$ 9,96 bilhões do fundo foram aplicados em projetos de pesquisa para universidades e empresas e em crédito para inovação, um valor 80% superior ao de 2022 e quatro vezes maior que o disponibilizado nas leis orçamentárias entre 2016 e 2019. Uma mesa-redonda realizada ontem (31/07) na 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, que termina hoje em Brasília, discutiu o futuro do FNDCT e reuniu recomendações para ampliar sua capacidade de financiamento, a serem incorporadas a um plano decenal que será produzido a partir das contribuições do evento. A mesa foi coordenada pelo físico Carlos Alberto Aragão de Carvalho Filho, diretor de Desenvolvimento Científico e Tecnológico da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).

Carlos Américo Pacheco, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da FAPESP, enumerou sugestões para aperfeiçoar o FNDCT, uma ferramenta criada em 1967, mas que ganhou um novo arcabouço no final da década de 1990, quando passou a ser abastecido por recursos dos Fundos Setoriais de Ciência e Tecnologia, provenientes de receitas e impostos de empresas de 14 diferentes segmentos da economia. Pacheco, à época secretário-geral do Ministério da Ciência e Tecnologia, foi um dos artífices desse arranjo.

Preliminarmente, ele fez uma simulação sobre quanto seria necessário aplicar em pesquisa e desenvolvimento (P&D) para elevar o esforço brasileiro do patamar atual de 1,2% para 1,6% do PIB em 2028, que é o percentual investido em países como Espanha e Itália. Na simulação, o gasto público passaria de 0,6% para 0,7% do PIB e o privado de 0,6% para 0,9% do PIB. Isso equivaleria, em valores de hoje, a um aporte público de mais R$ 13 bilhões e a um privado de mais R$ 30,5 bilhões por ano. “É preciso aumentar o gasto público e o privado. A ideia de que só o público tem que aumentar é inviável do ponto de vista fiscal e é desnecessário, porque o protagonismo privado é que vai levar a inovação para outro patamar no Brasil”, disse.

Um grande desafio, observou, é fazer com que os recursos públicos alavanquem investimentos privados em inovação. “A política brasileira de inovação não conseguiu fazer o setor privado sair do lugar. Para a inovação ser uma prioridade da política científica nacional, o esforço público deve induzir o setor privado a fazer um gasto maior em P&D.” Segundo ele, nem o gasto público nem mecanismos de renúncia fiscal, a exemplo da Lei do Bem e da Lei de Informática, têm conseguido alavancar o investimento privado. Em muitos casos, o dinheiro público apenas substitui recursos que as empresas investiriam de qualquer forma.

Pacheco aponta como um caminho possível estratégias como a adotada pela Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) ou pela FAPESP – em seus Centros de Pesquisa Aplicada/Centro de Pesquisa em Engenharia –, que oferece recursos não reembolsáveis para projetos de empresas, exigindo delas uma contrapartida igual ou superior ao investimento público, e engaja grupos de pesquisa de excelência de universidades. O formato, diz ele, é bem aceito pelos empresários, que em geral ficam satisfeitos em aplicar recursos em instituições públicas de pesquisa que resolvam seus gargalos tecnológicos. “Na prática, a contrapartida privada está patrocinando a pesquisa na universidade.”

Na simulação para ampliar o esforço público de 0,6% para 0,7% do PIB, seria necessário levantar R$ 13 bilhões extras, mais que dobrando os recursos do fundo em relação à execução prevista para 2024. Pacheco apresentou, então, um conjunto de alternativas para ampliar essas verbas. Uma ideia é utilizar o saldo financeiro do FNDCT, que era da ordem de R$ 18,9 bilhões no final de 2023. Esse dinheiro é proveniente de recursos dos Fundos Setoriais de Ciência e Tecnologia, que, no entanto, não tiveram autorização da lei orçamentária para serem aplicados. Como a lei federal nº 177 de 2021 proibiu o contingenciamento do fundo, esse dinheiro permanece como uma disponibilidade, embora seu uso não esteja autorizado. Mas como fazer para desbloqueá-lo?

A sugestão de Pacheco é encaminhar uma negociação com os ministérios da área econômica a fim de permitir seu uso em operações de crédito para empresas inovadoras, que hoje correspondem à metade dos investimentos do FNDCT. “Se esses recursos fossem usados nas operações de crédito, não seriam contabilizados no déficit primário, porque vão voltar quando os empréstimos forem pagos ao agente financeiro”, diz. Com isso, os recursos orçamentários hoje usados em empréstimos poderiam ser liberados para outros investimentos em ciência, tecnologia e inovação. Outra sugestão de Pacheco é computar aportes de capital em startups no conjunto de operações reembolsáveis, pois também são operações com retorno, semelhantes aos empréstimos. “Em vez de aplicar R$ 5 bilhões em funding de crédito, como acontece hoje, poderia separar R$ 1 bilhão por ano em aporte de capital para startups. Isso permitiria fazer uma política de suporte ao venture capital significativa no Brasil.”

Uma segunda fonte de recursos poderia ser o Fundo Social abastecido por receitas de royalties da exploração do petróleo no pré-sal. Uma auditoria do Tribunal de Contas da União mostrou que recursos do fundo foram usados em aplicações não previstas em lei. “Existe proposta de previsão legal para alocar recursos em ciência, tecnologia e inovação, que chegariam a 10% do total arrecadado, de acordo com um projeto que tramita na Câmara dos Deputados”, disse Pacheco. “Esses 10% praticamente equivalem ao patamar atual do FNDCT.” Há ainda opções como aperfeiçoar a legislação para ampliar a filantropia científica e incentivar as chamadas finanças híbridas, em que recursos de mercado são combinados a aportes públicos para reduzir riscos de investimentos, além de estimular o cofinanciamento público e privado em pesquisas colaborativas. “Atualmente temos na FAPESP 27 Centros de Pesquisa Aplicada/Centros de Pesquisa em Engenharia cofinanciados por empresas, em que alavancamos R$ 1 bilhão privados.”

O diretor da FAPESP também sugeriu simplificar os Fundos Setoriais, reduzindo-os dos atuais 16 para quatro, o que exigiria uma mudança na legislação. “Em alguns fundos, as contribuições que dão origem aos recursos são tão exíguas que eles mal cobrem seus custos operacionais. Além disso, esses fundos deixaram de ser setoriais há muito tempo”, avalia. “Foram setoriais em sua origem, mas, com o que se chamou de ações transversais, acabaram sendo apropriados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação [MCTI] para custear todas as suas despesas, desde os aportes a organizações sociais até bolsas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico [CNPq].” A proposta é modificar a legislação, criando dois fundos de caráter mais horizontal, um para financiar infraestrutura e ciência básica e outro para investir em inovação e outros dois de caráter realmente setorial, um focado em ciências agrárias, biológicas e da saúde e outro para projetos em engenharias e tecnologias da informação ou aeroespacial. “É preciso manter alguns fundos setoriais porque o MCTI precisa de pontes com outros ministérios, que teriam assento no conselho dos fundos.”

Também participaram da mesa-redonda o engenheiro Jefferson Gomes, diretor de inovação da Confederação Nacional da Indústria, e a biomédica Helena Nader, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Gomes abordou os desafios impostos pelo envelhecimento da população e o crescimento da demanda global de energia por conta da necessidade de manter grandes infraestruturas de armazenamento de dados – isso, em meio a pressão para descarbonizar a economia. Já Helena Nader propôs que os bancos deem contribuições mais expressivas para o FNDCT, uma vez que se abastecem do conhecimento e dos recursos humanos qualificados formados pelas universidades públicas. Ela fez restrições à proposta de Carlos Pacheco de modificar o arcabouço jurídico dos Fundos Setoriais. “Em um mundo ideal, eu aprovaria esses quatro fundos. Mas, no Brasil de hoje, prefiro não dar margem para que mexam nas leis de ciência e tecnologia. Melhor deixar como está”, sugeriu. Ela cobrou a criação de novas fontes de recursos. “O FNDCT virou uma tábua da salvação. Ele não é uma cama elástica em que eu pulo e aumenta o tamanho do salto. Não pode ser a única fonte de financiamento à ciência. É apenas uma das soluções”, afirmou.

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