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Pesquisa na quarentena

“Estamos mais eficientes do ponto de vista de tempo, de energia e financeiramente”

O astrobiólogo Douglas Galante, pesquisador do CNPEM, em Campinas, continua a coordenar (remotamente) a montagem de uma das linhas de luz do laboratório Sirius

No hall do Sirius, ao lado das cabanas de proteção radiológica onde serão realizados os experimentos da linha Carnaúba

Arquivo pessoal

O Sirius tem um desafio imenso, há urgência de pôr os equipamentos para funcionar. A linha Manacá, de cristalografia, é a primeira em operação. Já está entregando os primeiros resultados e abriu chamada para pesquisadores. Há uma pressão grande para entregar todas as linhas e estamos trabalhando para fazer isso o mais rápido possível. 

A operação sofre principalmente com atrasos de fornecedores internacionais por conta da Covid-19. O transporte está difícil. Na minha linha, esperamos entregar o primeiro feixe em setembro e devemos começar a fazer os primeiros experimentos ainda este ano. Estamos correndo para fazer funcionar. 

Sou coordenador da linha Carnaúba, mas temos responsáveis por subprojetos. Eu me comunico com algumas pessoas-chave e elas desdobram para as seguintes. Essa cadeia hierárquica garante o funcionamento. Eu tento ter uma visão mais global para juntar toda a situação e passar um quadro mais completo aos meus superiores. Felizmente temos as ferramentas para fazer chamadas de vídeo, pegar os dados dos computadores, acessar a rede interna. Com uma estrutura de informática eficiente, conseguimos fazer boa parte de nosso trabalho de maneira virtual, não tem sido grave.

Hoje no Sirius só temos a equipe necessária e essencial para fazer os trabalhos que exigem força física. São mais ou menos 60 pessoas no campus inteiro, um décimo do nosso contingente. Só quem está fisicamente montando os equipamentos, testando e pondo para funcionar pode estar lá. O gerenciamento desses trabalhos é feito a distância. 

A equipe presencial precisa seguir todas as exigências de segurança. Trabalham divididas em turnos, no máximo duas pessoas no mesmo ambiente. E sempre que há possibilidade de contágio, por contato com infectado, essa pessoa é imediatamente afastada por 10 dias, em quarentena. O laboratório adotou uma política bem restritiva para garantir a segurança dos funcionários. A cada duas semanas a comissão de biossegurança reavalia a situação e decide se mantém ou flexibiliza. Na medida do possível, a regra é: quem pode, fica em casa. 

Todos os bolsistas, infelizmente, estão afastados para a segurança deles. Não tem nenhum estudante trabalhando no campus. Campinas está na fase vermelha do Plano São Paulo de Reabertura, é perigoso liberar. 

Ao longo deste período de quarentena, também escolhemos continuar as atividades científicas tanto quanto possível. Para isso, temos que nos reinventar. Organizamos um workshop internacional do Sirius totalmente virtual via Zoom, com quase 200 pessoas, e funcionou perfeitamente – com perguntas e respostas, interações. Temos feito reuniões de trabalho virtuais por várias plataformas com pesquisadores e técnicos, tem funcionado muito bem. É muito rápido. Se preciso falar com uma pessoa, basta apertar um botão. Assim, temos resolvido muitos problemas. Todas as semanas realizamos discussões e apresentações do grupo do laboratório como fazíamos presencialmente, mas agora cada um na sua casa. Do ponto de vista do gerenciamento de projetos, do andamento das atividades, chego a dizer que está até mais eficiente. 

Camili Ambrosio/CNPEM Rara chance de espiar pelo orifício que será em breve fechado, por onde passará o tubo que deve conduzir o feixe nanométrico de raios X Camili Ambrosio/CNPEM

Não significa necessariamente que esse modelo vá substituir o que tínhamos antes, porque somos humanos. Eu, pelo menos, estou louco para sair abraçando as pessoas. Acho que no futuro vamos adotar um sistema híbrido: a maioria dos workshops deve ter uma parte virtual e uma parte presencial. Mas aquele tempo do cafezinho com bate-papo não agendado faz uma falta tremenda. É um momento de criatividade que é necessário. 

Vamos aprender a ser mais eficientes nisso. Acho que ninguém mais vai viajar para participar de bancas de avaliação. Hoje de manhã eu estive em uma banca em Londrina, depois tive uma reunião em Campinas e estou morando em São Paulo. É desperdício de recursos energéticos fazer tudo isso presencialmente e também é dinheiro público que se gasta nessas viagens. Essas mudanças vieram para ficar.

Do ponto de vista pessoal, é extremamente cansativo. O ritmo, com essa facilidade virtual de encontrar as pessoas e ser encontrado, é muito maior. Recebo mensagens pelos mais diversos canais o tempo todo e tenho que dar retorno. É uma estrutura de funcionamento que aos poucos precisaremos ajustar para que seja estável e possa ser mantida. Está ainda bem puxado. Para não estar disponível, só jogando o celular fora.

Isso porque não tenho filhos. Vejo mães, principalmente, sofrendo com jornada tripla, quádrupla. Nosso país ainda é bem machista. Minhas colegas cientistas que têm filhos sofrem bastante, claro que haverá uma baixa na produtividade. 

Para os alunos, toda a parte experimental está em pausa. Estamos tentando direcionar os projetos por caminhos teóricos, revisão bibliográfica, escrita da dissertação. É necessário diminuir o ritmo, exigir um pouco menos. Estamos todos desgastados. Eu também, ficar preso em casa por tanto tempo não é agradável para ninguém. 

Estou com uma lista de oito papers que deveria ter corrigido, entregado e passado adiante, mas não consegui chegar neles. Fico só apagando incêndios. Está bem mais difícil arranjar tempo e balancear a vida pessoal. Eu achava que ficar em quarentena pausaria todos os trabalhos, mas dá para fazer muita coisa. 

Tive que mudar de apartamento no meio da quarentena. Percebo que há uma mudança de paradigma. Em São Paulo, era comum nos mudarmos para apartamentos menores, com áreas comuns grandes. Com a pandemia, todos querem voltar a ter lazer dentro de casa. Eu comecei a fazer horta, cozinhar, fazer um jardim vertical. É assim que a gente mantém a sanidade. E é disso que vamos precisar se um dia formos a Marte. A geração que está crescendo nestas condições estará mais adaptada para esses cenários futuros. 

No fim tudo tem algo de bom. Esta situação de termos que nos fechar em casa e usar outras formas de comunicação, aprender novas estratégias de trabalho, nos tirou de uma caixinha à qual estávamos acostumados. Acho que esse aprendizado vai melhorar nossa produtividade e nossa qualidade de vida. Talvez não seja necessário ir para o trabalho todos os dias se é possível estar virtualmente até mais presente do que se estivesse lá. Estamos sendo mais eficientes do ponto de vista de tempo, de energia e financeiramente também.

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