Finalmente, após mais de três décadas de sua primeira edição norte americana (1992), o público leitor de português e interessado na história do Brasil colonial tem à sua disposição o livro Família e fronteira no Brasil colonial. Santana de Parnaíba, 1580-1822, da historiadora norte-americana Alida C. Metcalf, graças à iniciativa de publicação da Editora Unesp. Até hoje, a autora realiza pesquisas sobre o Brasil.
Apesar dos anos, a obra agora publicada entre nós não perde força e continua a ter lugar de destaque na historiografia sobre o período colonial brasileiro, somando-se a trabalhos de brasilianistas que, desde os anos 1970, estudaram temas da nossa história colonial. Metcalf se junta a autores que são referência na historiografia brasileira, como A. J. R. Russell-Wood, Stuart Schwartz, Mary Karash, Muriel Nazzari, que têm livros publicados no Brasil.
Embora há muito tempo houvesse o desejo de publicar a obra em português, Metcalf menciona no prefácio vários empecilhos, entre eles as questões referentes ao vocabulário específico para a realização da tradução. Desafios que, vale mencionar, foram plenamente superados, pois a versão em português oferece ao leitor um texto de leitura agradável e fluida, resultado da parceria muito afinada entre a autora e os tradutores.
No como Frederick Turner e Sérgio Buarque de Holanda. A história de Santana de Parnaíba (SP), no amplo período entre 1580 e 1822, serviu como um microcosmo para entender como diversos tipos de famílias (de proprietários, da população livre e pobre e dos escravizados) sobreviviam no Brasil colonial.
Na introdução, a autora discute o arcabouço teórico para analisar as famílias e a fronteira na colonização da América, assim como o porquê da utilização de “classe social” para analisar o passado colonial. Para Metcalf, “classe” sugere uma sociedade em que grupos de pessoas se distinguem por sua relação com os recursos materiais (terra e mão de obra), eixo de sua análise. Entretanto, ainda hoje o uso do conceito não é consenso entre os estudiosos.
De toda forma, parte-se da ideia de que, na comunidade estudada, as famílias das diferentes classes tiveram estratégias de sobrevivência distintas, mediadas pela relação com o sertão, fator essencial para entender a colonização no Brasil. Assim, o acesso diferenciado aos recursos para as famílias de proprietários, da população livre e pobre e dos escravizados, repercutiu na organização de suas vidas.
Na sequência, a obra estrutura-se em seis capítulos. Os três primeiros apresentam aspectos mais gerais. No capítulo 1, a autora analisa a colonização da região de São Vicente, no litoral paulista, no século XVI, enquanto no capítulo 2 mostra como a população vivia em mundos distintos, mas integrados (vila, reino e sertão), e como as relações entre eles foram se transformando. Já no capítulo 3, Metcalf discute a relação das famílias da vila com o reino e o sertão, dando as bases para o surgimento das classes sociais.
Os três capítulos finais detêm-se nas famílias de cada classe e suas diferentes estratégias para viver e, quando possível, prosperar. Assim, os proprietários buscavam preservar a unidade e garantir a transmissão de sua riqueza; a população livre e pobre empenhava-se em garantir alguma estabilidade e acesso à terra e aos recursos; as famílias de escravizados tinham que lidar com as duras condições em que viviam, sob o regime escravista.
Na conclusão, fica evidenciado que o caso da comunidade de Santana de Parnaíba ilustra as complexas e distintas relações entre família(s) e fronteira, a partir da integração entre aqueles três mundos e o papel fundamental que eles têm para a compreensão do Brasil colonial.
Por fim, sublinha-se a riqueza e a diversidade de fontes (quantitativas e qualitativas), que deram sólida base para se construir uma análise abrangente da sociedade colonial e que, passados mais de 30 anos, ainda colocam temas centrais na historiografia do período. Quem sabe a publicação estimule a tradução de outra obra importante, na mesma temática de família: o livro da também brasilianista Elizabeth Kuznesof, Household economy and urban development, São Paulo 1765-1836, publicado em 1986.
A historiadora Ana Silvia Volpi Scott é professora do Departamento de Demografia e dos Programas de Pós-graduação em Demografia e em História da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
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