Imprimir PDF Republicar

Resenhas

No vácuo da ética

Ética, jornalismo e nova mídia – Uma moral provisória | Caio Túlio Costa | Editora Zahar, 288 páginas, R$ 39,90

Tese de doutorado de Caio Túlio Costa oferece mais perguntas do que respostas

As múltiplas possibilidades de veiculação de informações através da internet, disponíveis (em tese) a qualquer pessoa, são uma grande e dramática novidade para a questão da ética no mundo contemporâneo e, em especial, para os preceitos que tradicionalmente orientam o exercício do jornalismo. A partir desta hipótese central, Ética, jornalismo e nova mídia – Uma moral provisória aborda o tema da maneira mais estimulante: oferecendo mais perguntas que respostas.

O problema está na fundamentação da análise que sustenta as perguntas.

Neste livro, resultado de sua tese de doutorado, Caio Túlio Costa foge a qualquer pretensão normativa sobre o jornalismo, mas declara um propósito, a rigor, mais ambicioso, apesar do advérbio: “Aqui se pretende apenas analisar como essa forma de comunicação se deu e se dá – e analisá-la do ponto de vista do que o homem entende por ética”. Coerentemente, opta por um universo alargado para tal discussão, apresentando um vasto elenco de obras clássicas que tratam do ser e do teatro do mundo. O caminho poderia ser profícuo, porém acaba conduzindo a longas digressões que fazem perder de vista o tema central. A tentativa de contornar esse problema, através de analogias com o jornalismo, resulta em soluções geralmente forçadas ou superficiais.

De fato, Caio esbanja erudição, mas descura do principal, porque ignora a produção teó­rica em jornalismo que lhe poderia fornecer substanciais elementos de crítica. O problema começa com a própria definição de jornalismo: um “ofício que representa representações”, algo que evidentemente se aplicaria antes de mais nada à arte e que poderia perfeitamente ser estendido para o restante das atividades humanas, caso houvesse consenso em relação ao conceito do mundo como “representação”. Uma definição de tal modo genérica é insuficiente para dar conta do objeto específico.

Da mesma forma, conclui que o jornalismo não é uma forma de conhecimento, sem discutir em momento algum esta hipótese, que sustenta acuradas abordagens de distintas linhas teóricas desde os anos 40 do século passado.

Além disso, embora reconheça que a objetividade implica uma discussão fundamentalmente ética para o jornalismo, dedica a ela apenas 20 páginas de seu livro – o menor capítulo, depois daquele que encerra o volume – e descarta liminarmente as análises que procuram circunscrever o significado deste conceito ao campo específico e afirmam o compromisso do jornalismo com a verdade factual e a necessidade de partir de dados objetivos para informar com credibilidade, sem a qual esta atividade não teria sentido.

Como considera o jornalismo uma “representação de representações”, e como obviamente não poderia haver uma representação “consumadamente objetiva”, Caio conclui que a objetividade em jornalismo é impossível. E acrescenta: é esta conclusão que abre caminho para a discussão da ética. Segundo ele, “se a objetividade jornalística é possível, então não há dilema ético em jornalismo”.

Seria o caso de indagar se a ciência não se depara com problemas éticos.

A resposta óbvia aponta para o cerne do equívoco de uma argumentação que toma os conceitos de forma estanque e absoluta: onde há objetividade não pode haver interpretação; em contrapartida, toda interpretação é possível, de modo que não pode haver certezas. Esta dicotomia fica ainda mais clara na abordagem sobre a ética de responsabilidade de Weber, que absolutamente não autoriza – como quer o autor – a conclusão de que “os fins justificam os meios – quaisquer meios”: a ética de responsabilidade é inescapável à vida cotidiana, pois exige a avaliação das circunstâncias para uma ação adequada.

É por não adotar uma perspectiva dialética que o autor enxerga um abismo entre o ideal (normativo) e a prática cotidiana (funcional) e sugere que o jornalismo trabalha “no vácuo da ética”. Daí decorreria a “moral provisória”, que, a rigor, seria capaz de justificar o que quer que seja. Pois “o dia a dia do jornalismo exige distorções, seja por interesses empresariais, políticos ou particulares (…). Não há conceito moral, dos sólidos, que resista a essas necessidades”. Conceito “sólido” é equiparado a eterno, imutável e incapaz de objetivar-se na vida cotidiana, que assim não conheceria limites para distorções.

Distorções, porém, inevitavelmente se referem a algum conceito. Entretanto, ao buscar as raízes do pensamento pós-moderno para concluir que “tudo é relativo”, Caio, além de desconsiderar a crítica a essas teorizações, acaba prisioneiro do paradoxo: se tudo é relativo – menos, naturalmente, a própria afirmação que justificaria a frase – como discutir ética, se não há parâmetros em que se basear?

Sylvia Moretzsohn é professora de jornalismo no Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Republicar