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Resenhas

Eu, primata – Por que somos como somos

Companhia das Letras, 344 páginas, R$ 49,00

O PRIMATA BIPOLAR
Chimpanzé e bonobo são espelhos que refletem duas faces humanas

Nos anos 1970 o jovem estudante Frans de Waal, de cabelos compridos como prova de rebeldia, sentou-se para espiar a intimidade de chimpanzés no zoológico de Arnhem, na Holanda. Ele começava a carreira de especialista em comportamento de primatas com os preconceitos da época: acreditava que a natureza não tinha influência no comportamento humano, que seria sujeito somente à cultura e ao livre-arbítrio. “Para nós, o poder era mau, e a ambição, ridícula. No entanto, minhas observações de primatas abriram-me a mente à força para as relações de poder não como algo perverso, e sim naturalmente arraigado.”

Surgiu aí não um capitalista conformista, mas um profundo conhecedor da natureza dos grandes primatas, sobretudo o homem — que observa mais por vício do que ofício — e seus parentes mais próximos, o chimpanzé e o bonobo, antes conhecido como chimpanzé-pigmeu. As três espécies têm em comum 98% de seu material genético e muito de suas índoles. São essas semelhanças que Frans de Waal, hoje um dos primatólogos mais respeitados do mundo, esmiúça nos capítulos sobre poder, sexo, violência e bondade de Eu, primata — Por que somos como somos. O texto leve e divertido ao mesmo tempo que é denso e informativo mostra que nem só de artigos vive esse pesquisador, que já escreveu seis livros para o público leigo. Eu, primata é o primeiro a ser publicado no Brasil.

Nas sociedades de chimpanzés quem manda são machos parrudos que chegaram ao posto de chefia à custa de lutas muitas vezes sangrentas. Eles têm acesso privilegiado à comida e às fêmeas e chegam a afirmar sua dominância em guerras e massacres contra grupos vizinhos. Já os bonobos, com sua índole “paz e amor”, talvez agradassem mais ao jovem Frans de Waal. Esses primatas de porte mais delicado que os chimpanzés e que muitas vezes caminham eretos sem a ajuda das mãos resolvem qualquer assunto — raiva, carinho, ansiedade, tédio — com sexo ou, em momentos menos intensos, beijos tão tórridos que seriam censurados de um capítulo final de novela. Qualquer lugar e qualquer parceiro valem, ou quase: o único tabu é sexo entre mães e filhos. Quem dita as regras nos grupos de bonobos são as fêmeas, que, como têm menos força física, precisam contar umas com as outras e formam associações coesas. Essa estrutura torna os bonobos machos gentis e pouco bélicos. Afinal, de nada adianta dar uma de machão se é a posição social de sua mãe que determina como será tratado pelos companheiros de grupo.

O texto é recheado de histórias que mostram que comportamentos corriqueiros no dia-a-dia de qualquer pessoa têm uma semelhança perturbadora com o que acontece em zoológicos e centros de estudos de primatas. Não é à toa que multidões costumam aglomerar-se diante de chimpanzés expostos em zoológicos para observar longamente e rir dos gestos e atitudes. Não é que chimpanzés sejam engraçados — o riso é nervoso, nasce do reconhecimento desconcertante.

Da comparação com os dois primatas, os homens surgem como seres bipolares, “mais sistematicamente brutais do que os chimpanzés e mais empáticos do que os bonobos”. Comparar seria um exercício vazio, não fosse um caminho para entender a própria natureza humana. A veia guerreira que distingue chimpanzés e humanos de outros animais é produto do parentesco evolutivo, não é coincidência. Porém Waal ressalta que isso não nos condena à guerra: além de guerrear, somos campeões em manter a paz. Porque puxamos muito de nossos parentes mais próximos, contemplar os espelhos que chimpanzés e bonobos nos estendem é a janela para enxergar o que há nos humanos que pode ajudar a construir uma sociedade mais justa e um mundo melhor.

Mas o primatólogo teme que fiquemos restritos a zoológicos para descobrir nosso eu primata. Enquanto o mundo está povoado por cerca de 6 bilhões de pessoas, doenças e ações humanas só deixaram na natureza por volta de 200 mil chimpanzés e 20 mil bonobos. “Será um descrédito para nós, humanos, se não pudermos proteger ao menos os animais que nos são mais próximos, têm em comum conosco quase todos os genes e só diferem de nós em grau”, escreve.

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