Uma pesquisa orientada por Isília Aparecida Silva, professora associada do Departamento Materno Infantil e Psiquiátrico da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (USP), revela como vem sendo encaminhado o problema da alimentação de recém-nascidos, filhos de mulheres portadoras do vírus da Aids, na cidade de São Paulo.
Nessa situação, a amamentação torna-se problemática porque o leite humano é carreador do vírus. Há dez anos, antes de se descobrir essa possibilidade, as campanhas de incentivo à amamentação ressaltavam apenas seus aspectos favoráveis e não abordavam a questão da Aids. Mas, na verdade, se a transmissão do vírus não ocorreu na gravidez, com a ingestão do leite da mãe portadora há um risco adicional de contágio de 14%.
“Nós queríamos saber, em um primeiro momento, se essas mulheres tiveram algum tipo de orientação, no sentido de que não poderiam amamentar”, diz Isília. Segundo a pesquisadora, a partir disso se poderia verificar que suporte as mulheres tiveram da sociedade para resolver a situação. Esse primeiro estudo resultou de um projeto de iniciação científica apoiado pela FAPESP, orientado por Isília e conduzido por Eliana Franco da Silva, aluna do último ano do curso de graduação. Essa pesquisa deverá dar origem a outras que permitam um maior aprofundamento e compreensão do problema.
Para a realização do estudo, participaram 53 mulheres, que acompanhavam seus filhos, os quais são tratados no ambulatório do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, das quais 7 são viúvas, tendo os maridos falecidos por causa da Aids, 34 são solteiras com companheiros ou casadas – são, portanto, mais de 50% que têm relacionamentos estáveis -, 9 são solteiras e 3 divorciadas. Entre aquelas com relacionamento estável, não foi investigada a situação dos companheiros, mas, segundo Isília, pode-se inferir que são soropositivos.
Outros dados mostram que, da amostra estudada, 19 mulheres têm um único filho e ficaram sabendo da contaminação ou durante a gestação ou após o parto. Outras 18 têm 2 filhos e as demais têm de 3 a 5 filhos. Cerca de 50% não possuem fonte de renda, visto que 17 são donas de casa e 19 estão desempregadas.
Cuidados com os alimentos
Por meio dos dados coletados, observou-se que, ao sair da maternidade e serem encaminhadas, junto com seus filhos, para algum centro de diagnóstico e tratamento de Aids, essas mulheres não receberam qualquer auxílio no sentido de suprir a alimentação da criança ou mesmo orientação sobre o preparo adequado de mamadeiras, como higienização dos utensílios e diluição do leite em pó. As próprias mães devem, então, encontrar alternativas para suprir as necessidades alimentares das crianças. A grande maioria consegue leite comprando-o, mesmo tendo uma base salarialbastante baixa, de 1 a 6 salários mínimos; ou em postos de saúde e ONGs, como Igrejas, grupos de solidariedade e outros.
Há, também, o aproveitamento de leite ganho nas escolas, através de programas como o Leve Leite, da Prefeitura de São Paulo (no caso de mães que possuem outros filhos já em idade escolar). Nesse caso, trata-se de produto inadequado para alimentar a criança recém-nascida e, além disso, às vezes, o leite é diluído mais do que seria indicado, para que possa “render” e alimentar os outros filhos. Assim, segundo dados da pesquisa, se for considerado o gasto médio semanal de quatro a sete latas e seu correspondente em litros de leite, o custo da alimentação do lactente é de no mínimo um terço do salário mínimo, levando em conta o menor custo da lata de leite no mercado (R$ 2,50) e o menor gasto médio semanal de quatro latas de leite, referidas pelas mulheres.
Há um número significativo de mulheres – 16 – que engravidaram mesmo sabendo da sua condição de portadoras do vírus da Aids. Esse aspecto, abordado em um estudo orientado por Eliane Chaves Correa, professora da Faculdade de Enfermagem, mostra que engravidar significa, para essas mães, uma espécie de prolongamento da vida. Além disso, enquanto não há uma manifestação clara da Aids, sua realidade torna-se muito distante, como se a doença e o risco não estivessem presentes.
Pasteurização do leite
Isília pretende rever esse quadro em um novo projeto de pesquisa, assim como investigar as possibilidades de pasteurização do leite de mães contaminadas. O processo, bastante simples, inativa o vírus do HIV e deve ser feito nos bancos de leite humano, sob rigoroso controle de qualidade. Não há, no entanto, uma rede pública desses bancos suficiente para cobertura da população e, mesmo nos serviços existentes na capital, esses não dispõem de um sistema capaz de transportar o leite do domicílio para o banco de leite.
Segundo Isília, o grande problema social que pôde ser observado a partir das informações obtidas no Estudo Exploratório da Situação da Amamentação Frente à Problemática do HIV é a inexistência de programas direcionados especificamente para atender às necessidades da mulher soropositiva e da criança impossibilitada de receber o leite materno.
Salienta-se ainda que, na proposta desse estudo exploratório, é possível identificar indicadores de fragilidade no sistema de atendimento à mulher e à criança, em sua situação de soropositividade, que resvala os aspectos de educação em saúde nos níveis de assistência pré-natal, durante o período de internação na maternidade, no acompanhamento puerperal e de puericultura, somados a uma falha no acompanhamento das mulheres soropositivas na sua prática de sexualidade e no planejamento familiar.
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