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PERSONALIDADE

Fé e religião conciliadas

Carlos Chagas Filho viveu respirando ciência e dizia trazê-la dentro da pele

Os esforços para a reabilitação do astrônomo Galileu Galileu – acusado de heresia pela Inquisição pelos seus estudos que mudaram as noções sobre o Sistema Solar -, a datação do Santo Sudário e uma série de pesquisas sobre o sistema neuromuscular do peixe-elétrico foram alguns das contribuições do cientista Carlos Chagas Filho, falecido em 16 de fevereiro, no Rio de Janeiro. Biofísico, médico, humanista, escritor, religioso, Chagas Filho teve uma trajetória pontuada pela atuação em áreas tão diversas e dizia que havia um grande mistério a desvendar: a origem da vida. Se morreu sem obter uma resposta definitiva sobre o tema, Chagas Filho trouxe novas luzes e mostrou que é possível conciliar campos tão opostos como religião e ciência.

Como presidente da Academia de Ciências do Vaticano, entre 1972 e 1988, destacou-se por mobilizações de cientistas, como as campanhas pelo desarmamento e pela paz. Teve estreita convivência com os papas João Paulo II e Paulo VI, que o convidou para dirigir a Academia do Vaticano. Nesta, criou grupos de trabalho para estudar os problemas na ciência mundial e lançou outro desafio: abrir um canal de comunicação entre Igreja e Ciência.

O cientista conseguiu. Carlos Chagas Filho conduziu o processo de reabilitação de Galileu. Coordenou também, a pedido da Igreja, os estudos para datação do Santo Sudário. Depois de encaminhar pedaços do manto para nove laboratórios espalhados pelo mundo, descobriu-se que o Sudário não era o lençol que cobriu Jesus, e sim um artefato do século VI.

O prestígio internacional levou o cientista a integrar comissões da Organização das Nações Unidas (ONU) e ser nomeado representante brasileiro na Unesco entre 66 e 70. Na ONU, ocupou a presidência do Comitê Científico para a Aplicação da Ciência e da Tecnologia ao Desenvolvimento. Foi o segundo brasileiro a ser aceito na Academia Francesa de Ciência – o primeiro foi dom Pedro II – e recebeu 16 títulos de doutor honoris causa de universidades nacionais e do exterior. Chagas Filho também foi a quarta personalidade a receber o Prêmio Del Duca, o similar francês ao Nobel da Paz.

Filho do cientista Carlos Chagas, descobridor da doença de Chagas, nasceu no Rio de Janeiro em 1910. Desde cedo, passou a conviver com os pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz, em Manguinhos, dirigido pelo seu pai. Mais do que uma herança paterna, descobriu a paixão pela ciência: “Não posso dizer que houve escolha, porque não havia possibilidades para mim”, disse certa vez. Chagas criou na década de 40 – e posteriormente deu seu nome -, a um dos mais importantes centros de pesquisa do Brasil: o Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, aonde continuava dando aulas nos cursos de mestrado e doutorado.

Estudando na França, na década de 40, o cientista constatou que todos os animais, incluindo o ser humano, produzem eletricidade, por meio da energia química que recebem através dos alimentos e que se transforma em energia elétrica. A partir dessa constatação, a equipe do cientista desenvolveu uma produtiva atividade acadêmica que ainda hoje prossegue nos laboratórios da UFRJ.

Chagas preparou, ao longo da carreira, mais de trezentos trabalhos sobre o sistema neuromuscular do peixe-elétrico (Electrophorus eletricus), fornecendo dados para o estudo de doenças neuromusculares, deficiências relacionadas ao mecanismo de geração de corrente elétrica e que podem impedir os movimentos normais de uma pessoa. Outro alvo de suas pesquisas foi o curare, veneno vegetal paralisante usado por índios sul-americanos.

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