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Química

Fibras do mar

Empresa fabrica suplementos alimentares com matéria-prima extraída de crustáceos

MIGUEL BOYAYANCabeça de camarão, casca de lagosta e carapaças de caranguejo, abundantes e rejeitadas pela indústria pesqueira do Ceará, não têm mais o lixo como destino final. Elas são transformadas em suplementos alimentares, na forma de cápsulas e comprimidos, que funcionam como coadjuvantes na redução do colesterol, na perda de peso e no controle de doenças como a artrose. As substâncias benéficas presentes nos rejeitos dos crustáceos são a quitina e a quitosana, dois biopolímeros que possuem propriedades químicas e biológicas importantes. Segundo estudos realizados nos Estados Unidos e no Japão, a quitosana promove a captura e a eliminação de gorduras por meio de um mecanismo de excreção de ácidos biliares. Além da área da saúde, a quitosana é utilizada em processos de purificação e tratamento de água, na manufatura de lentes de contato e no ramo cosmético, como ingrediente na fabricação de xampus, loções e cremes protetores.

Os biopolímeros extraídos dos crustáceos são a razão do sucesso da empresa cearense Polymar. Ela já possui 11 patentes de produtos e processos que envolvem a quitina e a quitosana. Entre elas estão uma técnica desenvolvida na empresa para a obtenção dessas substâncias, os próprios alimentos funcionais com formulação e metodologia de processamento e uma membrana para uso na regeneração de tecidos e nas cicatrizações. Uma das inovações, também patenteada, desenvolvida pela Polymar, está no reaproveitamento de um dos reagentes usados para a extração da quitina e na obtenção da quitosana, o hidróxido de sódio.

“A reutilização dessa substância química é perfeita dos pontos de vista ambiental e econômico, porque, além de eliminar os resíduos, o custo final de produção é reduzido em cerca de 60%”, diz o químico Alexandre Cabral Craveiro, vice-presidente da empresa. Por esse desenvolvimento, a Polymar recebeu, em 1999, o prêmio nacional do Instituto Euvaldo Lodi (IEL), do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Pelos resultados alcançados nos últimos seis anos, a empresa recebeu duas premiações de peso no quesito inovação tecnológica em 2003: o de pequena empresa da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e de empresa graduada da Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos de Tecnologias Avançadas (Anprotec), que reúne as incubadoras e parques tecnológicos do país.

Produção ampliada
Criada em 1997 por Craveiro e por Danilo Queiroz, então dois doutorandos em química orgânica da Universidade Federal do Ceará (UFC), a Polymar ocupou originalmente um galpão de 80 metros quadrados no Parque de Desenvolvimento Tecnológico (Padetec), no campus da universidade. Foi lá que eles deram início às pesquisas com biopolímeros que envolveram a imobilização de células e enzimas, separação desubstâncias e produção da fibra de quitina e de quitosana. Em abril de 2000, a empresa deixou a incubadora e instalou-se na periferia de Fortaleza, em uma planta industrial com mais de 1.600 metros de área construída e capacidade de processamento de 800 toneladas por ano de carapaças in natura.

“No início, nós ganhamos grande impulso fornecendo quitosana para a concorrência”, conta Craveiro. Como interessava à Polymar firmar-se como produtora de matéria-prima no país, a empresa começou a fornecer quitosana para outras empresas, “o que para alguns parecia incoerente do ponto de vista mercadológico”, diz. Há dois anos, passou também a fabricar produtos com marcas específicas para seus concorrentes, e o mercado expandiu-se no país. A evolução, porém, não foi fácil. “Tudo o que é inovador paga um preço elevado, desde a confiança no produto até o processo de aprovação e uso”, avalia Craveiro. No início, a empresa não conseguia obter o registro para comercializar seus produtos no país. Nesse impasse, a Polymar resolveu montar uma filial em Miami – um processo rápido e fácil, segundo seu vice-presidente – e passou a exportar a matéria-prima para lá, importando depois o produto acabado e devidamente registrado. Esse fato acabou funcionando como uma pressão a mais pela regulamentação dos produtos no Brasil.

A comercialização dos produtos no varejo começou autorizada por portarias baseadas em protocolos obtidos na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mediante a apresentação de estudos clínicos de eficácia e segurança da quitina e da quitosana, feitos no Japão, Europa e Estados Unidos. Embora ressalte que os cuidados da Anvisa são inteiramente justificados, “porque produtos para consumo humano precisam ser rigorosamente testados”, Craveiro defende a implantação de um tratamento diferenciado para as empresas de base tecnológica e reclama mais agilidade dos órgãos públicos no reconhecimento de produtos originados principalmente nas empresas ligadas às universidades e parques tecnológicos. “Muitas vezes, projetos inovadores desenvolvidos por pesquisadores competentes e que poderiam trazer benefícios potenciais para a população ficam prejudicados devido à demora na aprovação.”

Nos Estados Unidos, essa aprovação é muito mais rápida, graças a uma lei de 1994 (Dietary Supplement Health and Education Act – Dshea – ou Procedimento de Saúde e de Educação do Suplemento Dietético) que criou uma nova categoria de produtos, denominados suplementos dietéticos, fora da esfera de ação direta da Food and Drug Administration (FDA), a agência do governo norte-americano responsável pela liberação de novos alimentos industrializados e medicamentos. Essa medida permitiu que os fabricantes divulgassem as propriedades funcionais de seus produtos, desde que baseadas em evidências científicas. De acordo com Craveiro, vários grupos de pesquisadores em universidades e centros de pesquisa internacionais estão engajados no estudo das ações e propriedades desses alimentos.

Além dos problemas de registro, a Polymar enfrentou outros obstáculos, como a falta de linhas de apoio financeiro para empresas de pequeno porte. Para driblar as dificuldades, foi preciso criar e improvisar, como ocorreu no projeto e no desenvolvimento de equipamentos para a fabricação dos produtos. Assim, tanques de fibra de vidro foram adaptados para as etapas iniciais da produção, construíram reatores e um moinho industrial – em parceria com uma empresa de engenharia mecânica – e projetaram estufas de secagem, que aproveitam a energia solar e eólica, abundantes no Ceará.

A perspectiva atual da Polymar é desenvolver produtos em esquema de parceria comoutras empresas. É o caso da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em que foram estabelecidas duas linhas de pesquisa: a primeira estuda o uso da quitosana (também possui propriedades bactericidas e fungicidas) na proteção às sementes de frutas contra fungos invasores e a segunda desenvolve uma película protetora que aumenta a vida útil de frutas e verduras na prateleira. Em uma parceria com a Petrobras, a proposta é utilizar a quitosana no combate à poluição do mar provocada por derramamento de petróleo.

Quando aplicada sobre a massa de óleo, essa substância forma um aglomerado que facilita a remoção. Os testes iniciais foram feitos pela Petrobras em 2003, e outros, em maior escala, estão previstos para este ano.A Polymar alcançou, no ano passado, um faturamento de R$ 5,4 milhões, diante dos R$ 2,55 milhões de 2002, dos quais cerca de 12% são aplicados em pesquisa e desenvolvimento. Aparticipação das exportações nesse montante ainda é pequena e concentra-se nos países do Mercosul, mas deve ampliar-se, segundo Craveiro, que destaca negociações promissoras com França e Portugal.

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