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BIODIVERSIDADE

Flores, prazer em conhecê-las

Projeto Flora passa por avaliação e anuncia descobertas

A devastação sistemática que se abateu sobre a vegetação natural do solo paulista desde os tempos do descobrimento não impediu que os botânicos participantes do projeto temático Flora Fanerogâmica do Estado de São Paulo identificassem 44 novas espécies e uma variedade de plantas não descritas pela ciência. Entre elas estão sete da família das acantáceas, a mesma dos camarões-de-jardim, cinco lauráceas, parentes do louro e da canela, duas rubiáceas, a mesma do café, duas bromélias e duas begônias. Além dessa boa notícia, eles coletaram 118 espécies que foram registradas anteriormente em outras regiões do País, mas que ainda não haviam sido encontradas no Estado.

Também destaca-se o desaparecimento de dez espécies de orquídeas e uma de bromélia que não são coletadas há mais de 50 anos em São Paulo, por isso consideradas extintas, provavelmente por excesso de extração predatória.Esses resultados são preliminares e foram apresentados na segunda reunião de avaliação do projeto, realizada no início de fevereiro, na presença dos três assessores internacionais designados pela FAPESP: Paul Berry, diretor do herbário da Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos, Brian Stannard, pesquisador da flora da América do Sul do Royal Botanic Gardens, da Grã-Bretanha, e Michael Nee, pesquisador do Jardim Botânico de Nova York, Estados Unidos.

A primeira reunião de avaliação ocorreu em 1995, um ano após o início desse ambicioso projeto que vai catalogar as cerca de 8 mil espécies vegetais com órgãos reprodutores caracterizados por flores, as chamadas plantas fanerogâmicas. Na avaliação deste ano, os três assessores entenderam que o projeto está bem desenvolvido e consideraram normal o atraso para a entrega final de todos os trabalhos, prevista, inicialmente, para quatro anos. “É complicado desenvolver um trabalho como esse em tão pouco tempo”, afirma Berry.

Muito tempo
“Países como Panamá e Guatemala tiveram suas floras completadas no período de 30 anos.” Isso levando-se em conta que esses dois países têm áreas menores, 75 mil e 108 mil km2, respectivamente, do que o Estado de São Paulo, com 248 mil km2. Outro dado semelhante vem da realização da flora da Guiana Venezuelana, a região amazônica da Venezuela, com 9.400 espécies, um estudo realizado em, aproximadamente, nove anos. “Por isso, a FAPESP e os próprios pesquisadores precisam ter paciência para chegar ao final do projeto”, aconselha Berry.

A coordenadora do Flora Fanerogâmica, a professora Maria das Graças Lapa Wanderley, do Instituto de Botânica, da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, lembra que o prazo para coleta de material na Natureza era de dois anos, mas esse período foi esticado até março deste ano porque os pesquisadores precisaram estabelecer uma melhor qualidade nos estudos.

“Muitas vezes, o pesquisador necessita de mais tempo para fazer novas coletas, além de consultar e tirar dúvidas em vários herbários (local onde fica a coleção de plantas) até obter a confirmação da identificação e da descrição completa de uma espécie”, explica Maria das Graças. Estavam previstas 144 expedições, mas certamente esse número vai chegar a 200. O tempo se prolonga, também, porque muitos pesquisadores têm seus trabalhos rotineiros e se ocupam do projeto nos fins de semana.

O projeto tem a colaboração voluntária de um batalhão de especialistas. Em alguns casos, com mais de um pesquisador para cada uma das 187 famílias vegetais existentes no Estado, que correspondem a cerca de 1.500 gêneros. São 135 pesquisadores de 13 instituições de São Paulo dotadas de herbários, 79 de outros Estados e 32 estrangeiros, totalizando 246 botânicos. Até agora, os manuscritos de 72 famílias foram entregues à coordenação e 115 estão em fase de descrição. A família mais populosa, a das orquídeas, que representa cerca de 10% das espécies da flora paulista, está com 80% das espécies concluídas, assim como a segunda, a das poáceas, que reúne as gramas e os capins, com 400 espécies.

Novos botânicos
A quantidade de pessoas envolvidas nesse projeto temático impressionou os três assessores. “Percebemos que existe muita disposição por parte dos participantes”, analisa Berry. “A participação de estudantes e estagiários nas coletas e análise do material é muito importante para o treinamento de novos botânicos”, lembra Michael Nee. Para prover o trabalho de campo de todos os pesquisadores, em viagens de coletas, visitas a herbários e diárias, o financiamento da FAPESP é de R$ 500 mil. Esse valor também será utilizado na confecção de ilustrações técnicas das espécies e na futura edição dos 16 volumes que reunirão toda a flora de São Paulo, com ilustrações e descrições de todas as plantas. Um 17º volume será editado com informações sobre a atual situação da vegetação do Estado.

Por orientação dos três assessores, até o final do ano devem estar prontos os dois volumes iniciais da coleção. Eles indicaram que o melhor caminho, nesse momento, é estabelecer prioridades. “É preciso concentrar esforços nas famílias menores ou naquelas em que os trabalhos estiverem no fim, para a publicação dos primeiros volumes em relativamente pouco tempo”, indica Berry. “Nós já havíamos percebido a necessidade de darmos prioridade a algumas famílias, e eles reforçaram essa visão”, afirma a professora Maria das Graças.

Duas outras ações fazem parte do projeto Flora Fanerogâmica. A primeira, mais recente e indicada pelos assessores, será uma maior integração com o Projeto Biota, que reúne diversas linhas de pesquisa para mapear e analisar a flora, a fauna e os microrganismos do Estado. “Os estudos taxonômicos (identificação) e a descrição de cada espécie vão ser uma fonte de informação muito grande para o Biota”, avalia Maria das Graças. A outra contribuição do projeto será, depois de finalizado, servir como modelo para uma futura Flora Fanerogâmica Brasileira, prevista pela Sociedade de Botânica do Brasil.

“Acredito que a identificação de todas as plantas do País, que está começando em São Paulo, é uma decisão estratégica para o Brasil”, analisa o professor Berry. Além do conhecimento da biodiversidade vegetal paulista, a Flora é o ponto inicial para possíveis novos usos econômicos das plantas, na produção de alimentos, de fibras,nas pastagens, na fabricação de medicamentos ou uso ornamental. Para preservar essa riqueza, o projeto vai indicar o estado de conservação das áreas naturais e identificar as espécies mais ameaçadas de extinção, propondo melhores cuidados ambientais nas regiões mais críticas. Ainda mais quando sabemos da existência de mais 45 novas e belas flores espalhadas no que resta da mata paulista.

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