Secretários de Ciência e Tecnologia e dirigentes de Fundações de Amparo à Pesquisa de todo o país se reuniram nos dias 3 e 4 de setembro, na FAPESP, para definir os princípios para a consolidação do sistema brasileiro de Ciência e Tecnologia. No primeiro dia do encontro — uma reunião ampla, que contou com a presença do ministro interino de Ciência e Tecnologia, Lindolpho de Carvalho Dias, Adolpho Fuck, diretor do CNPq, Hermann Wever, presidente da Siemens do Brasil, Marcos Francisco de Almeida, da Finep, pesquisadores e estudiosos do tema — as propostas foram apresentadas em três painéis sobre política nacional, políticas regionais e pesquisas nas empresas. Na sexta-feira, em reunião conjunta e restrita aos dois fóruns, foi redigido um documento, como proposta final do encontro dos secretários e das FAPs, a ser encaminhada aos candidatos aos cargos de governadores e presidente. As principais recomendações da “Proposta para uma política de inovação tecnológica” destacam as empresas como pólos de geração de tecnologia e o setor governamental como estimulador do equilíbrio da competição e cooperação entre elas. O documento ressalta também a necessidade de medidas de proteção não tarifária aos produtos nacionais, além de novos incentivos e estímulos fiscais para elevação dos investimentos em pesquisas nas empresas.
O primeiro ponto da proposta, entretanto, sintetiza uma preocupação: novas formas de combinação de capitais financeiros, intelectual e social devem ser estabelecidas para uma política nacional de inovação tecnológica. Pela segunda vez, desde a reunião que ocorreu durante a SBPC, em julho, os fóruns de secretários de CeT e dirigentes das FAPs promoveram uma discussão integrada. “No primeiro encontro, apresentamos o ideário para a consolidação das FAPs em todo o território nacional. Agora, estamos estendendo-os para a Inovação Tecnológica. Gradativamente, poderemos consolidar os princípios de apoio para uma Política de Ciência e Tecnologia”, afirmou Francisco Romeu Landi, na abertura do encontro. Ao falar da necessidade de tomar decisões em cenários pouco definidos, Landi lembrou que o economista John Kenneth Galbraigh define o momento atual como “a era da incerteza”. “É preciso rever paradigmas e estabelecer novas parcerias para o desenvolvimento de pesquisas nas empresas, nas universidades e nos institutos”, afirmou. Otimista em relação ao Sistema de CeT, o secretário Flávio Fava de Moraes citou a classificação a publicação americana Science Watch, que coloca o Brasil entre os primeiros vinte países do mundo em termos de produção científica e tecnológica. “Isto se deve aos cientistas e ao apoio das fundações de amparo à pesquisa”, completou.
Globalização
Para lidar com os desafios propostos pelo mundo globalizado é necessária a combinação de três tipos de capital: financeiro, intelectual e social. Segundo Ary Plonski, da Coordenadoria Executiva de Cooperação Universitária e de Atividades Especiais (Cecae/Usp), diante da limitação dos investimentos públicos, é fundamental a valorização do capital humano, do capital estrutural e do capital social para equilibrar a competição e a cooperação entre empresas, na busca dos benefícios da globalização e da inovação tecnológica. “Não há esperança de ganhos capaz de resistir ao sentimento de angústia social coletiva que decorre de uma competição sem limites”, disse o professor. A competitividade das empresas brasileiras, no entanto, está reduzida, na avaliação de José Cassiolato, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, para quem essa realidade é uma conseqüência da maneira ingênua como o Brasil promoveu a abertura de sua economia, nos anos 90. Na sua opinião, a globalização, neste período, não foi marcada pela integração de tecnologias, mas pelo movimento de exportações, e a intervenção estatal na economia brasileira, nos anos anteriores, não produziu os resultados esperados, sendo, inclusive, responsável pela fragilização na área tecnológica. Os grandes grupos nacionais não se modernizaram e os grupos internacionais que operam no país também não cresceram. Os produtos de maior nível tecnológico, portanto, foram abandonados à medida que a indústria, com poucas exceções, não desenvolveu capacidade inovadora própria.
Carlos Henrique de Brito Cruz, presidente do Conselho Superior da FAPESP, destacou que, embora a busca pela inovação tecnológica tenha sido mais valorizada pelas empresas brasileira nos últimos anos, 73% dos cientistas e engenheiros ainda estão trabalhando nas universidades. Nos Estados Unidos, apenas 13% desses profissionais estão na Academia e 86% deles trabalham para empresas. Para Brito Cruz, as dificuldades do momento econômico não justificam a ausência do setor empresarial brasileiro da pesquisa, estando a capacidade de inovação fortemente ligada à intensidade de investimento em PeD. A parceria com a universidade — cujo papel é formar recursos humanos sintonizados com a demanda por tecnologia — contribui, mas não substitui este esforço. O secretário de Ciência e Tecnologia de Minas Gerais, Ivan Moura Campos, concorda. Em sua opinião, o domínio do ciclo tecnológico e a inserção competitiva nos mercados deve vir da indústria e o caminho é utilizar o capital intelectual das universidades e institutos em cooperação com a empresa.
Com base na lista de tecnologias-chaves elaborada pelo Ministério da Economia da França, ele sugeriu uma nova metodologia para a busca de inovações. “Devemos priorizar a Saúde, o Meio Ambiente, a Comunicação e, a partir dos produtos de relevância econômica, estudar as cadeias produtivas, identificar tecnologias-chaves e divulgar editais orientados para seu desenvolvimento e posterior inserção no processo de produção”, sugeriu. Questão polêmica quando se trata do fomento à produção científica, amanutenção dessas duas formas de financiamento deve favorecer a criação de competências. “Há um tempo de semear e um tempo de colher”, ponderou José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP. Para corroborar sua tese, ele citou o sucesso já conseguido pelo Genoma-Xylella , em que a produção do conhecimento científico é simultânea ao desenvolvimento de uma pesquisa induzida com aplicação prática e de impacto econômico.
Políticas de CeT
A situação de regiões onde a formação de pesquisadores é reduzida mostra que os investimentos devem caminhar juntos . De acordo com Lynaldo Albuquerque, da Associação Brasileira dos Institutos de Pesquisa Tecnológica e representante da Secretaria de Ciência e Tecnologia da Paraíba, “o setor produtivo e as agências de financiamento devem elaborar as propostas de políticas tecnológicas regionais, enquanto universidades e institutos trabalham pela elevação da inteligência social”. O desenvolvimento socioeconômico de cada região, para ele, depende de instrumentos para reduzir as desigualdades, como a criação de universidades. Para Campos, cabe ao setor produtivo e às FAPs propor uma forma de financiamento equilibrada entre a indução e o apoio ao avanço do conhecimento, ou seja, a demanda espontânea ou “de balcão”. O diretor de programas da Fundação Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Luiz Loureiro, informou que o esforço para a consolidação de grupos de pesquisa no Nordeste e no Sul do país pode ser traduzido por um investimento de pelo menos R$ 10 milhões em bolsas de pós-graduação em áreas prioritárias. “Entre 1996 e 1997, foram investidos R$ 6 milhões no Nordeste, e estados como Pernambuco, Ceará, Bahia e Piauí já têm projetos em fase de contratação”, informou. Entretanto, para Loureiro, o principal mecanismo da Capes — bolsas de estudo — dificulta a apuração dos resultados do investimento realizado.
No sistema gaúcho, a aplicação de recursos estaduais é descentralizada em Pólos de Alta Tecnologia e Pólos de Modernização Tecnológica, onde também funcionam os Conselhos Regionais de Desenvolvimento (COREDEs). Os pólos investem na pesquisa sobre temas deinteresse regional, indicados após ampla consulta à sociedade e elegem os temas alvo de maior indução (hoje, são Biotecnologia, Informática e Química). O secretário Luiz Paulo Cunha resume a filosofia do modelo: “não pode haver divergências entre os que estão incumbidos de implementar a política de ciência e tecnologia e os órgãos que dão apoio financeiro a essa implementação”. Para Lúcia Carvalho Pinto de Melo, diretora presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa de Pernambuco (Facepe), o descompasso entre as diversas regiões brasileiras ainda é grande, mas “apesar da fragilidade dos sistemas estaduais, eles têm o papel fundamental de definir a relevância da pesquisa”. Para ela, a “redistribuição de recursos precisa partir da cobrança de ação das FAPs que, por sua vez, devem ouvir os anseios da sociedade”.
Pesquisa nas empresas
Os expositores do painel sobre a pesquisa nas empresas apresentaram dados importantes para a reflexão sobre os rumos da pesquisa científica e a produção de inovações tecnológicas. Roberto Sbragia, da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Industriais (ANPEI) informou que, em 1996, o faturamento das empresas brasileiras aumentou enquanto os custos de produção se mantiveram em 30%, graças aos avanços em PeD. Os investimentos chegaram a aproximadamente US$ 2 bilhões (156% de aumento em relação a 1993) em infra-estrutura tecnológica e o nível de empregos se manteve estável frente à redução geral de quadros. Este é o cenário que o professor Alberto Pereira de Castro, do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), considera ideal.
Castro tratou das formas de transferência de tecnologia e destacou a necessidade de desenvolver capacitação tecnológica para a absorção das inovações, e completou: “a infra-estrutura tecnológica pode se servir tanto das organizações universitárias de PeD, quanto das instituições de apoio ao desenvolvimento tecnológico”. Em geral, as organizações acadêmicas desenvolvem melhor assuntos ligados a um determinado setor científico, enquanto as instituições de apoio são pluridisciplinares. A Propriedade Intelectual foi o tema de Sérgio Barcelos, do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Ao falar sobre as vantagens de utilização do sistema de patentes, o representante do INPI mostrou um quadro recente dos pedidos de registro e obtenção no Brasil e nos Estados Unidos. No mercado mais competitivo do mundo, o norte-americano, o Brasil obteve, entre 1996 e 1997, 68 patentes, contra 2.773 da Coréia do Sul. E, no período de 1994 a 1997, dos 51 registros obtidos pelas seis maiores empresas brasileiras, 28 são da Petrobrás.
Para Barcelos, a relação entre os números de pedidos e o de patentes concedidas no Brasil entre residentes e não residentes revela não apenas a provável baixa produção de inovações, mas o desconhecimento sobre como protegê-las. Em 1996, para cada 11 não residentes no país que pediam este registro, apenas um residente o fazia. Os números sobre concessões preocupam ainda mais: a relação passa para 27:1. Os dados também mostram que 33,9% das patentes concedidas no Brasil, entre 1982 e 1996, foram solicitadas por norte-americanos. Em meio a tantos números, Ary Plonski lembrou que o setor de Ciência e Tecnologia deve ter sensibilidade para a questão social e uma percepção correta da relação entre o mundo competitivo e os agentes dessa competição. Para ele, os programas de pesquisa induzida pela demanda da sociedade podem ser comparados à sedução: o desejo de se obter resultados de interesse nacional deve partir da observação de aspectos positivos e esperar o tempo necessário para as coisas acontecerem.
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