Podcast: Tiago Falótico
“Bater uma pedra na outra é um comportamento comum”, explica o biólogo Tiago Falótico, pesquisador do IP-USP, “mas nunca tínhamos prestado atenção nos fragmentos”. As quebras, conhecidas no meio arqueológico como fraturas conchoidais, dão origem a uma borda cortante que é atribuída a uma ação de seres humanos decididos a fazerem uma ferramenta de corte. Mas no caso dos macacos não dá para dizer que seja intencional. “Em milhares de horas de observação, nunca registramos algum macaco usando esses fragmentos para alguma coisa.” O biólogo conta que o comportamento é mais comum em jovens e machos adultos, que muitas vezes cheiram e lambem os fragmentos – o que poderia indicar, embora não haja indícios reais, que há algo desejável naquele pó de rocha do ponto de vista nutricional. “Quando conseguimos coletar amostras só detectamos quartzo, que não tem valor para a alimentação”, conta o biólogo Eduardo Ottoni, professor do IP-USP e coautor do artigo. Ele não descarta, porém, que os macacos possam se interessar pelo pó de pedra por algum outro motivo.
O ponto central da descoberta é mesmo o que ela indica para os arqueólogos centrados em reconstruir o modo de vida de seres humanos antigos com base nas ferramentas líticas (de pedra), como é o caso de Tomos Proffitt, de Oxford, primeiro autor do artigo. Até começarem a trabalhar em parceria com o arqueólogo Michael Haslam, coordenador do grupo de Oxford, os pesquisadores do IP-USP nem tinham prestado atenção às lascas de pedra ou seu formato. De lá para cá, os brasileiros têm ensinado o comportamento atual dos macacos aos colaboradores especializados em tempos passados, e com isso ajudado a inferir como sua ação pode aparecer no registro arqueológico. E aprendem sobre arqueologia. “Depois de horas cavando quadradinhos no chão e encaixando cacos de pedra, percebi como é um trabalho chato”, brinca Ottoni.
“Os arqueólogos vão ter que repensar e usar outros fatores para definir artefatos líticos humanos”, afirma Falótico. Só o formato não é tão informativo quanto se achava até agora. Ele já destaca uma diferença: os sítios humanos guardam um volume muito maior dessas ferramentas, uma possível indicação de intencionalidade na produção. Para ele, o achado sugere uma mudança de olhar na evolução da tecnologia humana: no início as lascas poderiam ter sido produzidas como consequência involuntária do uso de pedras, e depois passaram a ser usadas como instrumentos cortantes.
Projetos
1. Uso de ferramentas por macacos-prego (Sapajus libidinosus) selvagens: ecologia, aprendizagem socialmente mediada e tradições comportamentais (nº 2014/04818-0); Modalidade Auxílio à Pesquisa — Temático; Pesquisador responsável Eduardo Benedicto Ottoni (USP); Investimento R$ 439.536,29.
2. Uso de ferramentas por macacos-prego: aprendizagem e tradição (nº 2013/05219-0); Modalidade Bolsa de pós-doutorado; Pesquisador responsável Eduardo Benedicto Ottoni (USP); Beneficiário Tiago Falótico; Investimento R$ 178.511,61.
Artigo científico
PROFFITT, T. et al. Wild monkeys flake stone tools. Nature, v. 538, n. 7625, 20 out 2016.